Acompanhe as ressignificações de uma pichação em um banheiro do Bandejão da UFMG.

 

Desde que foi reaberto, em agosto de 2013, o restaurante Setorial I, entre a Faculdade de Educação e o Instituto de Geociências, no Campus Pampulha da UFMG, é frequentado por mim pelo menos duas vezes por semana. O movimento é bem grande e, diferentemente do que acontece no Setorial II – localizado atrás do ICB -, que possui um banheiro pouco visitado, já que é bastante pequeno e escondido, muitos alunos utilizam o do novo prédio.

Dependendo do horário, as quatro pias ficam disputadíssimas. Uns querem lavar a mão, outros arrumar o cabelo e há os que querem escovar os dentes. Geralmente, quando tem muita gente, os que escovam os dentes se afastam da torneira e deixam que os outros as usem, aproximam-se apenas para cuspir e lavar a boca. Eu sou um desses.

Numa das ocasiões em que fazia isso, percebi que alguma coisa estava diferente. Bastante diferente dos banheiros fotografados para a matéria Meu banheiro minha vida, repletos de pichações e pichações, discussões filosóficas, poemas e ofensas, o banheiro desse bandejão tinha suas paredes impecavelmente brancas desde sua reinauguração.

O constante fluxo de estudantes passando por ali antes e depois de suas refeições parece impedir que alguém tenha muito tempo para fazer suas inscrições sem ser visto. Mas nesse dia percebi que haviam estreado a parede.

Restaurante Setorial I

1: A primeira vez que percebi a mensagem na parede ela estava assim

Mas, ao me aproximar da pia para enxaguar a boca, notei que na verdade aquela parecia não ser a imagem original. A tinta dos riscos nos sinais de igual, que os tornam sinais da diferença, não era idêntica à tinta usada no restante da inscrição. Achei isso muito interessante, afinal, quem fez aquilo inicialmente queria falar da igualdade e não da diferença.

1: A primeira vez que percebi a mensagem na parede ela estava assim

Ao longo do mês de abril, novas pessoas resolveram se manifestar também. Coincidentemente, neste semestre estou fazendo uma matéria ofertada pelo Departamento de Comunicação Social que aborda questões de gênero e sexualidade, daí fiquei ainda mais interessado no conteúdo e na evolução daqueles traços. Todos os dias que acabava de almoçar, ficava curiosíssimo para saber se novas alterações haviam ocorrido. As últimas foram feitas a lápis mesmo.

3: Um X foi feito apenas em cima do que simbolizaria um casal gay

3: Alguém quis mostrar sua insatisfação com o último risco feito

Durante o tempo em que acompanhei essas alterações, eu não conseguia deixar de relacioná-las com o que estava estudando. Em um dos livros que era preciso ler para a disciplina¹, o autor comenta sobre uma nova faceta do hetero-sexismo, que adota um discurso diferencialista em relação à heterossexualidade e à homossexualidade. Deste modo, procura justificar a negação de certos direitos a gays e lésbicas, como o casamento e a adoção. Alguma semelhança com os riscos feitos nos sinais de igualdade?

Além disso, algo que chamou muito minha atenção foi que não havia um X acima do que simbolizaria um casal lésbico. Pelo que tenho visto, isso não significaria maior tolerância em relação à relacionamento lésbico, mas um desdém, uma indiferença que entende a sexualidade feminina apenas como um instrumento do desejo masculino.

¹Daniel Borrillo, “Homofobia – História e Crítica de um preconceito”.

Pedro Lucchesi

Acompanhei dia-a-dia as alterações pelas quais a inscrição passou, mas como a ideia dessa matéria só surgiu quando ela já tinha ganho novos contornos, as imagens utilizadas são reproduções criadas a partir da última foto.