Conheça o jornal Alternativa, que surgiu no curso de Comunicação Social da UFMG na década de 1970 como resistência  a decretos da ditadura.

 

O jornal Alternativa começou a ser pensado para suprir a necessidade de um espaço para a prática dos estudantes de jornalismo. Ele foi criado em 1974, pelo Departamento do Curso de Comunicação Social, e, a partir daí, foi sendo publicado de maneira inconstante, algumas edições até mesmo um ano depois da última. Isso acontecia pela dificuldade de conseguir a verba para colocar os impressos em circulação – o Alternativa não utilizava publicidade como uma fonte de recursos financeiros. Além disso, havia também problemas internos, como a falta de uma linha editorial coerente. Entre trancos e barrancos, o Alternativa terminou seu trabalho 28 anos depois do seu início, em 2002.

A publicação se tornou um instrumento ainda mais importante para o corpo discente do curso quando, em 1978, as cláusulas do decreto de 1969 que previam a realização do estágio em jornalismo foram revogadas. O decreto 83.284, de 1979, em seu artigo 19, declarou que era constituído como fraude a prestação de serviços profissionais ou gratuitos, sob pretexto de estágio ou qualquer outra modalidade. Isso estava muito relacionado ao interesse do governo militar no Brasil em controlar ao máximo os conteúdos publicados nos meio de comunicação de massa do país. Esse foi um mecanismo utilizado para restringir a atuação dos estudantes, diminuindo o ímpeto de movimentos de resistência ligados a organizações estudantis.

O conteúdo do jornal variava bastante, por não ter uma linha editorial definida. Os alunos escolhiam pautas de acordo com seus interesses e com o que achassem relevante no contexto social, político e cultural de então. Muitas vezes, a edição refletia características que identificavam a turma e o professor que a produzia.

Olhando algumas publicações, notei que muitas reportagens tratavam sobre assuntos bastante atuais, isso há quase 30 anos . Há uma matéria que aborda o questionamento sobre o humor ser político ou apolítico. Lembram do documentário “O riso dos outros”, bastante repercutido em 2013? A questão levantada nessa produção é justamente sobre o humor “politicamente correto” e de que modo piadas podem subverter ou reproduzir características opressivas da sociedade.

Na matéria, a discussão tem começo no embate que surgiu quando redatores de um jornal chamado O Planeta Diário, do Rio de Janeiro, acusaram um conhecido humorista da época, Henfil, de ser um “colunista militante”. A partir disso, a equipe do Alternativa procurou humoristas mineiros para darem sua opinião sobre o papel do humor no contexto de então. Alguns deles argumentaram que acreditavam, sim, que a conscientização política é uma função importante do humor, mas que fazer ou não humor engajado é tarefa que cabe a cada um resolver.

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Por outro lado, havia os que acreditavam que há espaço para todos, mas não achavam válida a possibilidade de haver um humor descompromissado com a realidade. Isso porque o autor sempre expressa sua ideologia no processo de criação e, se as pessoas absorvem determinada obra, é porque se identificam com a ideologia de quem a produziu. Sendo assim, havia a percepção de que piadas que tinham como tema negros, pobres, mulheres e homossexuais em situações ridículas faziam desse humor descompromissado uma maneira de “neo-conformismo”, cujo resultado final seria a indiferença diante da opressão dos mais fracos.

Também é colocada em texto a discussão sobre os usuários de drogas e o modo como o governo deve lidar com eles, se, afinal, devem ser tratados como criminosos ou como pessoas que necessitam de assistência do sistema público de saúde. Algo que também foi muito discutido recentemente. Na matéria do Alternativa, são explicados os tipo de drogas que existem -depressoras, estimulantes e alucinógenas- e como agem no corpo, causando dependência psíquica ou física.

A fonte era um renomado professor de farmacologia da UFMG, José Murad, então diretor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e formado especialista em Bioquímica Cerebral pela Universidade do Texas (o professor faleceu em 2013, aos 89 anos, se destacou pela defesa da saúde pública, particularmente contra o uso abusivo de drogas). Ele afirmava que nas estruturas da cultura ocidental, o viciado é uma pessoa marginalizada pela sociedade, mas que merece tratamento ao invés de prisão, a fim de que seja recuperado e reintegrado à sociedade.

Várias outras matérias me chamaram atenção por esse caráter atual e, para ilustrar isso, selecionei algumas manchetes.

Veja na galeria o que já era pauta no Alternativa há mais de 20 anos, mas soa estranhamente familiar:

Beatriz Lobato

Descobri que certas discussões são mais antigas do que penso. E que tanto a FAFICH como BH não mudaram tanto assim.