Visitamos um terreiro pela primeira vez e te contamos como foi.

 

-M ãe, cadê os brinquedos do meu erê?

Apenas no final da festa de São Cosme e Damião, ouvindo um médium perguntando onde estavam os brinquedos que o Raio de Luz tinha ganhado, acabo com as minhas dúvidas sobre o destino dos doces, dos carrinhos e das bonecas, entregues naquele dia. Eles guardam tudo que os erês deles recebem. No dia dos irmãos Cosme e Damião os erês fazem a festa. A comemoração na verdade é para eles, os sapecas espíritos infantis. Nesse dia o Ilê se transforma. Ao entrar no pátio, deparo com uma cama-elástica montada ao lado do espaço dedicado a Obaluaê. Dentro do salão, onde acontece as sessões, balões coloridos fazem parte da decoração. Perto da entrada, exatamente do lado da imagem de São Jorge e abaixo do quadro de Ogum, uma senhora passa a maior parte do tempo rodeada por adultos e crianças ansiosos para comer os algodões-doces que ela fazia. Uma mesa repleta de bolos de festa e os mais variados doces, como brigadeiro e bala-delicia, são intensamente cobiçada por todos. Um enfeite dos palhaços Patati e Patata completa a decoração.

Ver adultos se comportando como crianças é estranho, mas afinal de contas, não são adultos. Não é mais o Marcelo, é o Raio de Luz. Eles falam como crianças, querem brincar o tempo todo e são até ameaçados com alguns “tapinhas” quando  as travessuras ultrapassam os limites. Ao perceber que as outras crianças brincavam na cama elástica, um erê fez de tudo para entrar na brincadeira. Ele conseguiu.  Alguns usam roupas com estampas alegres, outros usam chupetas e as meninas fazem marias-chiquinhas nos cabelos.  Favinho de Mel reclama porque ele é um menino e está usando saia. Ansiosos para comer doces e brincar, eles também se dedicam a conversar e dar conselhos para aqueles que os procuram. Ganho conselhos e bons “puxões de orelha” das crianças da Umbanda. Mas conversar com eles é uma atividade literalmente doce. Ao final das conversas eles entregam balas, pirulitos, bombons e outras guloseimas, e como toda festa de criança.

 

Incorporações

 

Acompanhar as incorporações carece atenção, cada entidade tem a sua característica. Os exus e as pombas-gira são animados, adoram dançar e cantar. São presenteados com bebidas, cigarros, velas e flores. Nunca vou esquecer a primeira vez que os vi. A gira tinha começado, os médiuns dançavam e cantavam em um círculo, depois de muita dança e cantoria eles saíram e retornaram com outras roupas.  As peças brancas são substituídas por roupas coloridas.

Entre os homens o preto e o vermelho é maioria, já as mulheres estão maquiadas, usando grandes brincos, pulseiras e outros adereços. Algumas mulheres aparecem vestidas de homem, usando calças, camisas e coletes e um homem surge usando um vestido e um lenço na cabeça. Em breve, Maria Padilha estaria no corpo dele. Quando a gira recomeçou, aos poucos as entidades foram baixando. Rapidamente o ambiente é só galhada, que ecoavam e se misturavam ao som dos atabaques. Algumas pombas-gira se apresentam como ciganas e falam palavras em espanhol. Apesar do ar descontraído, algumas entidades mantém-se sérias, uma delas acha graça do meu nervosismo e dá uma boa gargalhada. Confesso que fiquei com medo, senti um tom de deboche. Outros são mais simpáticos, quando eu estava na fila para conversar com a cigana Rosa Mística, apareceu o Senhor das Sete Encruzilhadas. Com chapéu e capa pretos, ele dançava pelo terreiro com um copo de Cortezano na mão. Para não perder a diversão no momento, me deu um forte abraço, pedindo para procurá-lo depois para conversarmos.

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Edição do áudio: Luiz Felipe Nunes
 

 

Entidade e pessoa

 

Separar entidade da pessoa não é uma tarefa fácil. Foi uma situação engraçada cumprimentar a moça que recebe a Rosa Mística, com a qual passo um bom tempo conversando e ela não me reconhecer. Coincidentemente, a caminho do Ilê Asé Osún Opará pego o ônibus 711 na Estação São Gabriel com alguns médiuns. Quando os vejo no meio dos outros passageiros, naquele lugar tão comum, imagino a vida deles fora do terreiro. Além de pensar em quantos se sentam do meu lado e eu desconhecer tal fato.

Os espíritos da Umbanda procuram sua evolução através da caridade, ajudando aqueles que os procuram. Deve ser esse o motivo que me incomoda quando vejo algumas entidades sem ninguém para conversar ou ajudar com seus passes e seus conselhos. Os caboclos parecem se dedicar ao cuidado do corpo e da mente. Com o nervosismo habitual, converso com um deles. O encontro é tranquilo. Para a minha surpresa ele adivinha meu pequeno problema de saúde. Antes de conversar, ele me dá uma passe, fazendo gestos como se estivesse limpando meu corpo. Quando chega perto do meu pé, dá fortes tapas no chão, jogando fora as energias negativas. Os caboclos fazem gestos com as mãos, batem no peito, realizam movimentos que retratam o ato de atirar flechas e pronunciam palavras que, acredito, nunca vou entender. Exceto por um que falava constantemente “Ê boi!”.

Se por um lado ver adultos se comportando como crianças foi inusitado, o oposto também é curioso. Com a chegada dos pretos véios, os médiuns andam encurvados, além de se locomoverem com a ajuda de bengalas. Sentados em bancos de madeira e fumando seus cachimbos eles realizam seus atendimentos. Sair de uma sessão de preto véio sem tomar um passe parece um atentado contra a própria vida. Alertada, por uma equéde, do absurdo que estava prestes a cometer, só me retirei após um passe de uma anciã. Falando baixo ela atenciosamente me passa algumas recomendações.

 

Senhor 7 portas

Senhor 7 portas

 

No terreiro o maior incomodo é o forte cheiro dos cigarros, charutos e cachimbos que fica impregnado  no corpo. Com umsopro de pemba sobre a cabeça, descubro que ir com o cabelo limpo não é a melhor ideia. A música é contagiante, espero um dia aprender as canções. No começo das sessões, enquanto rezamos o pai-nosso, a ave-maria e o salve rainha, oração que nunca consegui aprender, foi fácil lembrar dos comentários que ligam a umbanda às “forças do mal”. O receio com as entidades é quebrado por seus abraços fortes e suas bênçãos. Seus conselhos que sempre me parecem sábios, não me deixam esquecer que ainda tenho um encontro com o Seu Sete Encruzilhadas.

Ao conversar com as entidades recebemos conselhos para resolver algumas questões. Entre as velas acendidas para Xangô e Obaluaê, banhos de rosa branca e manjericão também foram indicados. Mas ainda não foram realizados.

Laiza Monique
José Henrique Pires