Quem é o público dos concertos populares de Belo Horizonte? Entre uma música e outra, entrevistamos alguns deles nesta matéria.

 

Em Belo Horizonte, iniciativas para promover música, teatro e demais formas de arte vão se tornando cada vez mais comuns. Além disso, estão mais lotadas, com público ampliado graças à sua popularização. Um exemplo são os concertos populares nas praças da cidade, por preços acessíveis, que cativam um público fiel.

Os fãs da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, por exemplo, enchem a página do Facebook de elogios, e também os assentos nos auditórios onde ocorrem os Concertos para a Juventude e as praças nas apresentações ao ar livre. Na Fundação de Educação Artística, os destaques são as Manhãs Musicais, apresentados na sede, com um ingresso que não tem preço fixado, mas uma “contribuição voluntária”. No Conservatório UFMG, a oferta de ritmos e estilos é variada e a entrada é sempre franca. A Orquestra Sinfônica também realiza concertos ao ar livre, gratuitos. Por vezes, traz convidados especiais que tiram muitas pessoas de suas casas para conhecer a música erudita.

 

Alaíde e Sílvia Regina

 

Para algumas famílias, já é tradição os domingos no parque ouvindo a orquestra. Alaíde, matriarca da família, tem 65 anos e diz sempre ter gostado de música clássica. Ela não perde os concertos no Parque Municipal e, de vez em quando, vai ao Palácio das Artes. Assim que o Encontro com o Modernismo acabou, já comprou o ingresso do próximo Concerto para a Juventude. O gosto está sendo passado para as próximas gerações: sua filha, Sílvia Regina, que não apreciava a música erudita, agora acompanha a mãe e ainda leva seus dois filhos. O mais novo deles diz que “assobia como um passarinho” e que gosta mais de música do que o irmão. Tem planos para subir no palco da próxima vez que o maestro chamar algumas pessoas da plateia para ouvir lá de cima.

-Eu gosto de qualquer música, né, Sílvia? -Mais ou menos, né? De funk a senhora não gosta, não! Grande fã de Júlio Iglesias, dona Alaíde também adora programas sertanejos. Já Sílvia curte Lulu Santos e não perde um show do Roberto Carlos. “Todas as vezes em que o Roberto veio aqui, eu fui”, conta. Sílvia é cabeleireira e gosta de ouvir música clássica também no trabalho: “Traz tranquilidade”.

Grande fã de Júlio Iglesias, dona Alaíde (a segunda, da esquerda para a direita) também adora programas sertanejos. Já Sílvia curte Lulu Santos e não perde um show do Roberto Carlos. Sílvia é cabeleireira e gosta de ouvir música clássica também no trabalho: “Traz tranquilidade”.

 

Fábia, Beatriz, Bernardo e Maria Clara

 

Maria Clara tem 11 anos, e veio pela primeira vez assistir à Orquestra Filarmônica. Trouxe junto a amiga Beatriz, de 10, ao Sesc Palladium. A Orquestra acompanhava o grupo Giramundo na peça Pedro e o Lobo. “A gente tenta apresentar para eles todas as opções musicais, para eles irem desenvolvendo o gosto pela música, porque ela traz muita coisa boa para as crianças, de escutar, de conhecer… Especialmente vendo a orquestra tocar, perceber que é um conjunto, que todo mundo faz sua parte”, diz a mãe de Beatriz, Fábia, que também trouxe o marido e o filho Bernardo, de 8 anos, para assistir o espetáculo. Quando Beatriz nasceu, sua mãe descobriu uma aula de musicalização para crianças e hoje ela estuda violino. Fábia já tocou piano, Bernardo faz aulas e Maria Clara mal pode esperar para começar a aprender também a tocar o instrumento.

Maria Clara ensinou Beatriz a gostar de Taylor Swift. A aspirante a violinista curte também a música de Beethoven, um dos primeiros clássicos com que teve contato, além de Bach e de Mozart. A amiga revela: “Você contou para ela que sabe cantar muito bem também?”, mas Beatriz fica tímida e solta um “só que não, né?”. Além do clássico, Fábia gosta muito de pop rock e de Beatles, e ensina seus filhos a escutar todo tipo de música.

Maria Clara (de branco) ensinou Beatriz a gostar de Taylor Swift. A aspirante a violinista curte também a música de Beethoven. A amiga entrega: “Você contou para ela que sabe cantar muito bem?”, mas Beatriz fica tímida e solta um “só que não, né?”. Além do clássico, Fábia (ao fundo) gosta de rock, e ensina seus filhos a escutar todo tipo de música.

 

Maria Castro

 

Mãe de um estudante de violino, Maria Castro é apaixonada pela música clássica e sempre leva o filho para assistir aos concertos. “Você não precisa nascer numa elite para gostar de uma música que não é melhor do que as outras, mas mais elitizada, eu diria. Então, dá oportunidade para quem não tem condições. Às vezes eu fico louca para ir ao Palácio das Artes, e não posso. Às vezes, até choro, pois não tenho dinheiro para pagar o ingresso. Mas sempre ocorrem eventos gratuitos ou mais baratos”. Hoje com 39 anos, ela conta que na primeira oportunidade que teve, há um ano, começou a fazer aulas de piano.

Maria é uma mulher eclética. Ama a música erudita. Tchaikovsky, Bocelli e Pavarotti estão entre seus músicos preferidos. Na MPB, Caetano, Chico e Bethânia são suas paixões. No rock, adora a banda Iron Maiden. “A diferença é que a música clássica vai no âmago da minha alma, onde as outras não conseguem chegar”.

Tchaikovsky, Bocelli e Pavarotti estão entre os preferidos de Maria. Na MPB, Caetano, Chico e Bethânia são suas paixões. No rock, adora Iron Maiden: “A diferença é que a música clássica vai no âmago da minha alma, onde as outras não conseguem chegar”.

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Carlos Alberto e Carlos Bruno, Jordana e família

 

Quem foi pela primeira vez já pediu bis. Carlos Alberto e Carlos Bruno, pai e filho, aproveitaram a oportunidade e o preço bom. O pai sempre vai aos concertos no parque e desta vez resolveu levar o filho, que ainda não tinha ido. Carlos Alberto quer mais: mais divulgação, mais concertos gratuitos, mais teatros baratos. Já Jordana e o filho Gabriel, de 5 anos, foram ao concerto depois de verem a exposição de bonecos do Giramundo e, por nunca terem assistido a uma orquestra ao vivo, estavam com as altas expectativas.

Carlos e Carlos

Jordana e família

 

Liliane Arouca do Carmo

 

Liliane foi ao Encontro com o Modernismo sozinha. Quando um concerto, ainda que mais caro, chama sua atenção, ela tenta ir também, seja sozinha ou acompanhada de seus filhos e neta. No entanto, segundo ela, a lei que assegura a meia entrada para pessoas com deficiência nem sempre é cumprida nos espaços onde ocorrem concertos em Belo Horizonte. Imprimir a lei, confrontar a instituição e combater a desinformação por vezes é necessário.

Para ela, a relação com o público é diferente nos concertos populares, em que o maestro ensina, explica, mostra particularidades da orquestra para a plateia. “Acho que vale a pena. Acredito que o público que vem, especialmente os de primeira viagem, se sente bem com o didatismo”. Para ela, há uma diferença nítida entre o público desses concertos e aqueles mais caros, que ocorrem, por exemplo, no Palácio das Artes. “Não é só uma barreira, é um vácuo de diferença entre as pessoas que frequentam esses espaços”.

Liliane do Carmo foi levado ao mundo da música clássica ainda pequena, pelos pais. Fora dos concertos, Liliane varia nos estilos musicais. Frequentemente sintoniza na Antena 1, para ouvir músicas internacionais, principalmente jazz e blues. De vez em quando, aposta na MPB, por meio dps CDs que tem em casa. Já quando quer se desconectar da turbulência do dia a dia, ela coloca um clássico para tocar.

Liliane do Carmo foi levada ao mundo da música clássica ainda pequena. Frequentemente, sintoniza na Antena 1 para ouvir jazz e blues. De vez em quando, aposta na MPB. Já quando quer se desconectar da turbulência do dia a dia, ela coloca um clássico para tocar.

Maria Rodrigues

Maria Rodrigues foi ao concerto com o marido, mas não vê problemas em ir sozinha. “Venho acompanhada, sozinha, de qualquer jeito!”. Ao responder de onde surgiu o interesse pela música clássica, ela afirma ser um hábito desde a juventude. Maria gosta bastante dos concertos populares, com a criançada assistindo junto a jovens e adultos. “ Ainda mais que fica lotado, seja aqui ou na praça. Você não vê um concerto vazio”. Segundo ela, a relação entre o maestro e a plateia mudou muito – para melhor, em sua opinião. Antes, uma pessoa anunciava e o maestro apenas regia. Hoje, nos concertos populares, a plateia passa a conhecer o que está vendo e ouvindo e pode interagir. Assim, pode se sentir muito mais atraída pela música erudita.

“Música é aquilo que te faz relaxar e refletir, ao mesmo tempo”, reflete Maria Rodrigues. Ela gosta de MPB, música americana e lembra com carinho do emprego antigo, quando ouvia o programa “Um Toque de Clássico”, todos os dias, na rádio Guarani.

“Música é aquilo que te faz relaxar e refletir, ao mesmo tempo”, reflete Maria Rodrigues. Ela gosta de MPB, música americana e lembra com carinho do emprego antigo, quando ouvia o programa “Um Toque de Clássico”, todos os dias, na rádio Guarani.

 

Igor e Alex Penido

 

Igor Penido tem 20 anos e também enxerga mudanças: “Fiquei bastante feliz quando começou a aumentar mais o público do Concertos no parque. No começo, o pessoal reclamava muito do sol, de não ter lugar para sentar. Hoje, aos domingos, lota, tem crianças, idosos, gente de todas as idades… e disputando lugar lá na frente! Mesmo nos concertos mais eruditos, como teve há um bom tempo o do Andrea Bocelli na Praça da Estação, lotou dessa forma também, com pessoas de todas as idades e níveis sociais”.

Igor e Alex Penido praticamente nasceram ouvindo música clássica, talvez por influência da mãe, Rosa Amélia. Desde pequenos, iam aos concertos no Parque municipal e, ao crescerem, não perderam o costume. Igor toca flauta transversal, enquanto o caçula, de 15 anos, toca lira. “Temos muito contato com teoria musical. Gosto muito de brincar de compor, arranjar música… Estudo engenharia, mas sempre estou me dedicando à música”, conta Igor.

Para os dois, o gosto musical tem tudo a ver com sua educação musical. Por isso, preferem músicas em que as relações harmônicas e melódicas estão mais presentes. Além de música clássica, que acaba sendo a principal, Igor destaca a MPB, o chorinho e a obra popular de Villa Lobos. De música internacional, indie e um pouco de reggae. Alex diz compartilhar muito do gosto do irmão, mas aprecia eletrônica e rock clássico também, além de bandas que misturam o erudito com o rock.

Os irmãos preferem músicas em que as relações harmônicas e melódicas estão mais presentes. Além de música clássica, Igor (esquerda) destaca a MPB, o chorinho e a obra popular de Villa Lobos. De música internacional, indie e um pouco de reggae. Alex diz compartilhar muito do gosto do irmão, mas aprecia eletrônica e rock clássico também, além de bandas que misturam o erudito com o rock.

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Ronaldo

 

Aos 61 anos, Ronaldo faz balé, dança bolero e tango, e é amante da música: “Enche meu coração, me dá vontade de voar”. A música erudita, para ele, é uma forma de pensar, de criar. “Sou encantado por tudo: o arranjo, os instrumentos, a  música em si. O ouvir. Todas as maneiras de manifestação do som você tem que escutar, sentir, perceber. Passando a juntar todos os instrumentos, que formam a orquestra, é uma coisa fantástica”.

Para Ronaldo, o que tem de diferente nesses concertos é a necessidade de cultura: “Estamos com fome de arte”. A relação do maestro com a plateia, para ele, é muito boa. “É isso que está faltando. Não é só chegar, dar o espetáculo e ir embora”, avalia. Afinal, muitos dos que vêm assistir precisam da explicação, muito mais do que apenas ouvir. Assim, podem aprender qual é o instrumento, como ele é, qual a sua função. “Acho que essa proximidade é um começo de divulgação, uma forma de popularizar. Ainda é restrito, mas antes só ficava centrado no Palácio das Artes, para quem tinha 120, 150, 200 reais para ver a orquestra. Hoje, não. Trago meus netos e amigos e falo que aqui está uma boa música, um lugar de se conviver, confraternizar e divulgar o que há de melhor”.

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(edição dos áudios: Dafne Braga)

Lívia Araújo

Não sabe por onde passaram os estilos e escolas, épocas e partituras, mas vê magia na música clássica. Pretende ser pianista na próxima vida. Ou violinista. Ou flautista. Quem sabe?