Os bares são uma tradição em BH.  E o mocotó, por sua vez, é uma tradição em muitos deles. Conheça o Bar do Nonô, dono do mocotó mais famoso da cidade, e seus frequentadores mais fiéis.

 

Esta reportagem vai muito além do que o mocotó é. Mocotó não é abstrato, não é correlato, não é lagarto. Mocotó é um barato. Talvez se Jorge Ben Jor tivesse frequentado o centro de Belo Horizonte, teria acrescentado em sua letra que mocotó também é rito, é mito e é bonito.

Descendo a Avenida Amazonas, encontramos o Bar do Nonô, que sem modéstia se intitula como o Rei do Caldo de Mocotó. No entra e sai fervoroso de clientes, descobrimos que mocotó pai, mocotó filho e mocotó família são uns dos responsáveis por manter viva a tradição do caldo de mocotó na capital mineira.

Nós? Um trio formado por mineiros que nunca haviam experimentado o prato feito da pata do boi. Com a pergunta Quem mocotó é esse? na cabeça, encontramos histórias, memórias, heranças e laços afetivos. Para entrar no clima, sugerimos a seguinte trilha sonora:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/213097934″ params=”color=ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false” width=”100%” height=”166″ iframe=”true” /]

 

Quem se alimenta da tradição

 

Para cortar caminho da Avenida Amazonas para a Rua dos Tupis, é possível passar por dentro do bar que liga as duas vias por um balcão de ponta a ponta. Se fizer esse caminho, verá que os clientes ali buscam o mesmo prato. Com atenção, perceberá que esse prato não é só para encher a barriga e satisfazer o paladar, mas também para alimentar a cultura e o imaginário dos seus adoradores. Não é à toa que por horas e dias quase ininterruptos de funcionamento, o Bar do Nonô não fica vazio. Ali, não existem cadeiras nem conforto. A passagem do cliente deve ser breve. Tempo de comer, tomar uma e dar espaço ao que está por vir.

Na ida ou vinda do trabalho, o primeiro turno do dia recebe clientes de longa data. Ingrediente fundamental para o café da manhã, o caldo de mocotó é a primeira refeição do dia de Levy Vieira, 64. “É diariamente, desde 1971 que eu tomo caldo de mocotó aqui”. Já Antônio Eustáquio, 58, trabalha como vigilante noturno e seu relógio funciona um pouco de cabeça para baixo. O trabalho fica longe, no bairro Serra, mas vale a pena cair no centro só para tomar o caldo. Essa é sua rotina em pelo menos dois dias na semana. Antônio explica que sua relação com o mocotó é um tanto quanto milagrosa, “curou meu filho que teve meningite, aí firmou mais as pernas, o corpo. Quando ele tinha 3 meses de nascido, dava uma colherzinha, pouco de caldo”.

O período da tarde é quando o Bar do Nonô recebe sua maior clientela. Mas é no canto, dominando sozinho a mesa feita com engradados de cerveja empilhados, que está José Félix, 50. “Eu venho todo dia, esse horário, todo dia eu tomo caldo. Meu almoço é esse horário, 15h. Se eu almoçar, aí fica pesado. Se eu tomar o caldinho aí já diminui bastante o peso, né?”. Substituir o arroz com feijão pelo mocotó também foi o que fez o carteiro Bráulio Carvalho, 27. Nascido em Conceição do Mato Dentro, ele busca, duas vezes na semana, encontrar no Bar do Nonô a rotina de quando morava no interior. “Minha vó fazia muito quando eu era criança, aí quando eu vim pra cá falei ‘oh, aqui eles também vendem!’. O pessoal acha estranho quando eu falo que tomo desde criança. Minha vó era doceira e fazia muito caldo e geleia de mocotó”.

Sábado, nove horas da noite, final de empreitada. Silvia Januária, 40, é professora de capoeira angola e toma o caldo de duas a três vezes no mês. “A gente, negro, já está acostumado a tomar o caldo, pra gente é uma comida normal. Porque vem do pé do boi, igual a feijoada antigamente. E todo mundo fala ‘nossa, que coisa ruim. Vou comer coisa que vem do pé do boi?’, não era qualquer um que comia na época, né? E hoje se tornou uma coisa comum em alguns bares”. Observação que também é feita por João Júlio Gonçalves, 46. “Quem era menos abastado antigamente usava isso. Lá em casa são dez filho, então é essas comida que dá pra muita gente. Era fubá suado, canjiquinha, mocotó. Eu, por exemplo, gosto é do osso, de chupar o osso até descobrir aquela carninha. Quando é em casa, é assim. Na minha casa sempre faz”.

[inpost_pixedelic_camera slide_width=”600″ slide_height=”450″ thumb_width=”0″ thumb_height=”0″ post_id=”1767″ skin=”camera_amber_skin” alignment=”center” time=”7000″ transition_period=”1500″ bar_direction=”leftToRight” data_alignment=”topLeft” easing=”swing” slide_effects=”scrollRight” grid_difference=”250″ thumbnails=”0″ pagination=”0″ auto_advance=”1″ hover=”1″ play_pause_buttons=”0″ pause_on_click=”1″ id=”” random=”0″ group=”1″ show_in_popup=”0″ album_cover=”” album_cover_width=”200″ album_cover_height=”200″ popup_width=”800″ popup_max_height=”600″ popup_title=”Gallery” type=”pixedelic_camera” sc_id=”sc1436452790662″]

 

A tradição por detrás do balcão

 

O caldo de mocotó marcou e marca a família Corrêa. Raimundo de Assis Corrêa, mais conhecido como Nonô, levou seis meses para chegar a uma receita que julgasse boa o suficiente para colocar à venda. Em uma barraquinha de zinco na região do Barreiro, Nonô começou a vender o caldo em 1964. Desde o começo, o trabalho em família teve papel fundante para o bom funcionamento do comércio.

Alaydes Conceição Corrêa, esposa de Raimundo, ajudava na confecção do caldo. Suas tarefas incluíam limpar, serrar e fritar o pé do boi. O casal teve dez filhos e a maioria deles trabalhou junto ao pai em algum momento de suas vidas. Com ele aprenderam não só a receita e os truques para preparar a iguaria, mas também a valorizar e bem exercer seu ofício de comerciante.

Nonô decidiu abrir um segundo bar, além daquele que mantinha no Barreiro. Em 1969, a movimentada região central ganhava um estabelecimento que se tornaria parada obrigatória para muitos: Rua dos Tupis, nº 587. O espaço ficou pequeno para a quantidade de clientes e Nonô optou por ocupar um novo endereço, o número 577, ainda na Rua dos Tupis. O plano era expandir a loja para a Avenida Amazonas, o que veio a se realizar somente depois de sua morte.

Hoje, o bar é administrado por cinco dos filhos, conhecidos também como os cinco Nonôs: Nívio, Décio, Clelson, Crélio e Dênio. Eles dividem os horários de trabalho entre si e são raras as vezes em que nenhum deles se encontra no estabelecimento, que possui atualmente cerca de 20 funcionários.

[inpost_pixedelic_camera slide_width=”600″ slide_height=”450″ thumb_width=”0″ thumb_height=”0″ post_id=”1767″ skin=”camera_yellow_skin” alignment=”center” time=”7000″ transition_period=”1500″ bar_direction=”leftToRight” data_alignment=”topLeft” easing=”swing” slide_effects=”scrollRight” grid_difference=”250″ thumbnails=”0″ pagination=”0″ auto_advance=”1″ hover=”1″ play_pause_buttons=”0″ pause_on_click=”1″ id=”” random=”0″ group=”2″ show_in_popup=”0″ album_cover=”” album_cover_width=”200″ album_cover_height=”200″ popup_width=”800″ popup_max_height=”600″ popup_title=”Gallery” type=”pixedelic_camera” sc_id=”sc1436452617501″]

 

O caldo de mocotó está presente na história da família de Ernani, de Rafael, Côrrea e de tantas outras… Funcionários, clientes antigos, curiosos e novos amantes. A tradição continua viva e se refaz dia após dia, caneca por caneca. A depender de Décio dos Santos, um dos cinco Nonôs, isso não tem fim à vista:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/213112703″ params=”color=ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false” width=”100%” height=”166″ iframe=”true” /]

A gente também quer mocotó

 

Em uma tarde movimentada no Bar do Nonô, nós finalmente pedimos nossa caneca do caldo acompanhada dos inseparáveis pão francês e cerveja Caracu. Seja por estranhamento de uma juventude alheia à tradição ou até mesmo pelo preconceito com a parte “não nobre” do boi, nunca havíamos provado o mocotó até então. Saímos do imaginário e vivemos, de fato, essa experiência.

Aline Azevedo

“É tipo caldo de mandioca, só que não”.

Carolina Resende

Com o estômago pouco entendido do assunto, está digerindo o mocotó até agora.

Kaio H Silva

Provou, fez cara feia e prefere a música do Jorge Ben.