Morar em BH e não assistir a futebol em bares era uma contradição na vida de quatro dos nossos repórteres. Eles remediaram a situação assistindo em bares até ao último minuto do segundo tempo de partidas do Cruzeiro e do Atlético. Agora contam como foi a experiência.

 

Belo Horizonte: a cidade dos bares no país do futebol. A combinação entre o amor pelos botecos e pelo esporte mais celebrado do Brasil é a receita de sucesso de dezenas de bares da capital mineira. Em dias de jogo, muitos bares se transformam em arquibancada. Neles, torcedores vivem momentos de tensão, lágrimas e vitórias com os olhos na tela das TVs.

Perto de todo mundo existe um bar e toda semana é televisionada alguma partida de futebol. Na vida dos repórteres que escrevem este texto, porém, assistir a jogo de futebol em bar é algo extremamente incomum.

Para dois de nós, até então lugar de torcer era em casa. Para os outros dois, dia de jogo geralmente significa apenas barulho de foguete. O que você lê agora é o relato de cada um de nós sobre a experiência de acompanhar uma hora e meia de bola rolando em bares especializados em acolher torcedores.

 

Aline, a espiã

 

Se me dissessem há uns dois anos que eu iria a um bar para assistir a um jogo de futebol, eu não acreditaria. Não sei o que houve comigo nesse período. Acho que o conjunto Copa Libertadores de 2013 mais Copa do Mundo no Brasil em 2014 me introduziu a esse mundo de teste para cardíacos, sofrimento e, muito raramente, de alegria em ver seu time ganhar um título. Em um sábado frio do mês de junho, resolvi me arriscar e ir pela primeira vez a um bar que transmitiria a partida entre Atlético Mineiro e Flamengo. Acompanhada do meu pai, atleticano doente, eu, que já fico com o coração na mão mesmo ainda não entendendo direito o que é um tiro de meta, entrei no mar de alvinegros do Fanáticos Esporte Bar. Já na entrada, senti várias expressões de confusão direcionadas a mim. “Quem são esses?” “Por que eles não estão uniformizados?” “Será que são espiões?” “Cruzeirenses disfarçados?”.

Autorizou o árbitro. O bar fica praticamente em silêncio. Os garçons e garçonetes com o número 13 em preto e branco estampado em suas camisas manobravam entre si para não entrar na frente de nenhum torcedor vidrado no telão.

Desculpem-me os demais amantes do esporte, mas às vezes noventa minutos para um jogo é muita coisa. Quando havia se passado meia hora e nada de gols, eu, que sou uma pessoa distraída por natureza, comecei a querer mexer no celular ou olhar para a pessoa ao lado, porque isso me pareceu ser mais interessante. Sabe quando os torcedores no estádio ficam entediados e a única solução para deixar tudo mais legal é puxar uma “ola”? Será que ninguém animaria fazer uma “ola” no bar?

Obviamente, quando a partida ficou realmente divertida, e o Atlético fez dois gols no primeiro tempo, eu não vi. Virei pro meu pai, perguntei o que houve, e ele só me avisou para olhar para o telão e ver o replay. O primeiro gol foi contra, mas o segundo, até para uma pessoa não muito entendida, foi realmente um golaço. E eu fiquei ainda mais feliz quando descobri que consegui gravar ao áudio da comemoração. Valeu à pena deixar o gravador do celular ligado em cima da mesa durante quarenta e cinco minutos e receber o olhar de uma pessoa curiosa que concluiu que “sim, ela é uma espiã”.

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Anoiteceu, o jogo voltou a ficar morno e eu já queria puxar a famigerada “ola” de novo. Decidi voltar à minha análise antropológica. O que fazia um namorado achar romântico levar a namorada que claramente não estava interessada em futebol para ver um jogo no bar? E por que alguns torcedores preferiam xingar os jogadores a realmente assistir à partida? A pergunta que mais me marcou não veio de mim. “Por que eles chamam os jogadores de ‘bicha’?” Uma mulher atrás de mim questionou ao namorado. Intrigada com a discussão, tentei aproximar o celular da mesa de trás sutilmente para capturar a resposta. Não consegui. Mas lembro da próxima pergunta: “Chamar de ‘bicha’ não devia ser crime como é chamar de ‘macaco’?” O namorado não respondeu. E eu talvez tenha feito uma análise errada. As namoradas estavam tão interessadas no jogo quanto os namorados.

 

Gabriel, o leigo

 

Tarde gelada de 28 de junho de 2015. Dia Internacional do Orgulho Gay em lembrança a uma insurreição LGBT iniciada em um bar estadunidense. O bar em que eu estava sentado às quatro da tarde, porém, era de outra natureza. Completamente.

Era dia de se prestar atenção especial às minorias, mas minha missão era lançar um olhar para a maioria do Brasil: os fanáticos por futebol. O jogo daquela tarde não era lá essas coisas, me avisou Ives, o entendido do assunto que me acompanhava. Cruzeiro contra Coritiba lutando por uns pontinhos miseráveis na lanterna do Campeonato Brasileiro, que se estende até o fim do ano.

Eu nunca havia assistido a um jogo de futebol do começo ao fim, e não foi dessa vez que consegui entender o que estava acontecendo nas quatro telas de TV do Fanáticos Esporte Bar. Enquanto a bola rolava e Ives tentava me inteirar minimamente do jogo, eu lançava olhares ao redor tentando compreender os espectadores vidrados na partida.

O bar não estava cheio, mas havia pelo menos uma dúzia de pessoas acompanhando o futebol. “O que essa gente vê e eu não?”, era o que eu me perguntava. E me sentia como a moça loira a algumas mesas de distância, que tentava manter uma conversa com o namorado vestido de azul e era frustrada a cada frase pelo rosto inerte do rapaz, apontado como um ímã para a tela de TV mais próxima.

Chegou uma banda de pagode e a música se sobrepôs à narração do jogo. Os pagodeiros não ajudaram a mudar o assunto da tarde. “Futebol é bom, futebol é bom…”, dizia a letra de uma das músicas. As garçonetes conheciam todas de cor, e aproveitavam o ritmo para espantar o frio com alguns passos de dança. Quem também dançou alegre foi um garçom nos fundos do bar, quando o Coritiba fez o único gol da partida.

Tentei voltar a atenção ao jogo. Mas rapidamente já estava entretido com Ives conversando sobre como as câmeras são bem usadas nas partidas. Para mim, é impossível me conectar àqueles pontinhos coloridos correndo pelo gramado. Eu realmente tentei encontrar o fio de emoção que me separava do grupo que vibrava a alguns metros, mas ao final do jogo só pude revirar os olhos para o slogan de cerveja que piscava sobre as telas de TV. Ele anunciava: Great times are coming.

Por fim, apelei aos conhecimentos futebolísticos de Ives para entender o que afinal havia sido aquela partida:

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Ives, o comentarista

 

“O futebol é bom, o futebol é bom…” Esse era o refrão de umas das inúmeras músicas entoadas na roda de samba do Fanáticos. Infelizmente, o futebol em si não estava nada bom. Disputando jogo válido pela nona rodada do Campeonato Brasileiro, o Cruzeiro perdeu para o Coritiba na capital do estado paranaense, em um dos piores jogos do Brasileirão até o momento.

Acostumado a escutar pelo rádio os jogos do Cruzeiro, quando não são transmitidos em canais abertos de televisão, procurei um dos bares mais famosos da capital para assistir ao jogo. O Fanáticos Esporte Bar sabe reunir no mesmo ambiente algumas das experiências favoritas dos belo-horizontinos: bar (comida boa e cerveja gelada), futebol e samba.

A torcida estava como o time do Cruzeiro: desatenta, temendo o frio que aumentava tanto aqui em Belo Horizonte quanto em Curitiba. Pouco antes de começar a partida, apenas um casal havia chegado ao bar para realmente assistir ao jogo.

Quando o jogo começou, o bar ainda estava bem vazio. Para animar os donos do restaurante, que andavam de um lado pro outro diante do fraco movimento, chegou um grupo de amigos. Rapidamente começaram a fazer pedidos de porções e cervejas. Estavam em festa, nem um pouco preocupados com o que estava sendo mostrado na televisão. Poderia ser filme, jogo, show de música. Estavam completamente à parte do ambiente esportivo comum ao Fanáticos.

Uma dupla de amigos atleticanos tomava a saideira. Enquanto ela não acabava, permaneciam atentos ao televisor, apreciando a atuação do rival, mais do que os poucos torcedores cruzeirenses, que estavam entediados diante da partida.

Um trio, formado por um casal e um amigo, não desgrudava o olho da tela. Para eles, parecia que o Cruzeiro estava disputando a final do campeonato. É como diz a máxima: em campeonatos de pontos corridos, todo jogo é final. Na realidade, era uma partida muito, mas muito longe de ser aquela que definiria o campeão. A torcida sequer esboçou alguma reação de descontentamento ou alegria diante do primeiro tempo sofrível da partida.

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No Fanáticos, para onde quer que se olhe existe futebol.

Durante o intervalo, o público aumentou consideravelmente. O pessoal do pagode chegou, logo se acomodando em uma das mesas. Surgiram rapidamente garrafas de cerveja para colocar a voz no lugar e começar a cantoria. O som da narração da partida foi desligado.

O segundo tempo começou mais agitado, com as equipes buscando o gol de maneira desorganizada. No bar, mais gente ia chegando e o sambinha começava a ficar animado. A primeira reação da torcida no bar foi quando o uruguaio Arrascaeta cruzou rasteiro para Willian finalizar. Mas o atacante celeste acabou errando o chute, perdendo a melhor oportunidade do Cruzeiro no jogo.

Até quem estava deliciando um bom tira-gosto, servindo as mesas ou apenas namorando voltou o olhar para as quatro telas que transmitiam a partida para acompanhar o replay da jogada. Mas o momento de êxtase ainda estava por vir.

Logo depois, Raphael Lucas, em bola alta cruzada na pequena área, fez o único gol da partida, possibilitando ao Coritiba a sua primeira vitória após seis jogos sem vencer uma partida no Brasileirão. Duas torcedoras do Atlético, bem ao canto do bar, gritaram loucamente, assim como um garçom – uniformizado com as cinco estrelas do Cruzeiro no peito, como todos os funcionários –, que dançou e pulou com a bandeja na mão.

Realmente o fim de tarde não estava nada bom para os cruzeirenses. O restante do jogo foi tão ruim que a alternativa para tentar assistir até o final era curtir a roda de samba. Contrariando a propaganda de cerveja estampada em todos os lugares do bar, os grandes momentos não chegaram. O vento aumentava, a sensação térmica diminuía, e o Cruzeiro perdia mais um jogo. Dizem que quem vai ao Fanáticos volta. Quem sabe um dia, em um belo domingo de sol, quando o Cruzeiro estiver melhor, eu apareça de novo por lá.

 

Marcelo, o leigo II

 

Assistir a um jogo de futebol em um bar é uma experiência da qual me mantive distante por muito tempo. Talvez o último momento em que imergi no ambiente eufórico, mas tenso, dos bares em dia de jogo tenha sido durante a Copa do Mundo de 2010. A presença dos pais e a minha pouca idade certamente talharam boa parte da experiência (incluindo seu lado etílico). Resolvi me aventurar novamente, então, no jogo Cruzeiro x Atlético Paranaense do dia 04/07, e o local escolhido foi o Mineirim, no Prado.

O azul celeste dominava determinadas áreas do lugar, principalmente aquelas mais próximas à TV, mas o bar não estava cheio. Ao redor da massa cruzeirense, muitos casais e torcedores que aparentavam ser mais “casuais”. Sentei-me junto a um amigo nas proximidades do que imaginei ser o epicentro das emoções e, por não estarmos “caracterizados”, recebemos alguns olhares de estranhamento. Será que estávamos incomodando?

Meu amigo, mais entendido do assunto do que eu, tratou de comentar as afirmações feitas com convicção pelo homem mais velho da mesa. “Marinho vai se destacar mais que Arrascaeta, você vai ver”. Os nomes ecoavam pela minha cabeça e não se conectavam a absolutamente nada que não fosse o nome da equipe em que jogavam. O homem acenou com a cabeça em rejeição à fala de meu colega que previu, naquele momento, um dos “momentos mais marcantes do jogo”, segundo os torcedores assíduos.

Apesar de todos os meus esforços pra manter o foco na TV e tentar tecer algum comentário pertinente ou “analisar” o jogo, eu constantemente me distraía observando o bar ou as pessoas ao me redor. “Esse Weverton tá que tá, hein”, “Mas olha só, olha o posicionamento…”. Eu ouvia aqueles comentários com atenção, ainda que não estivesse focado no jogo em si, na tentativa de entender algo mais de futebol.

O primeiro gol foi do Arrascaeta, um jogador de destaque no Cruzeiro. A massa azul celeste comemorou em um movimento coordenado, como uma coreografia. A euforia contrastava com a expressão de rejeição do homem ao canto, perto da porta. À paisana, não foi possível descobrir as cores de seu coração, mas desconfio que era atleticano.

O segundo gol, do Marinho, consolidou a previsão do meu amigo. Um golaço, diga-se de passagem, que fez uma quantidade ainda maior de gente levantar e gritar, com direito a latas de cerveja sendo derrubadas acidentalmente. “Que isso, que golaço”, me limitei a comentar. Após aquele caos eufórico, todos se sentaram para, pacientemente, assistir ao resto da partida.

O jogo terminou com a vitória do Cruzeiro por 2 a 0. “Jogo digno. O goleiro deles tava muito focado”, disse um dos cruzeirenses à mesa. Marinho estreou, Arrascaeta “dominou”, e eu talvez devesse me inspirar em Weverton (goleiro do Atlético Paranaense). Quem sabe com mais atenção eu não aprenda alguma coisa?

Aline Azevedo

Ainda não sei porque o centroavante é o mais importante, mas vou descobrir.

Gabriel Rodrigues

Da próxima vez eu tento gritar “Gol!”.

Ives Teixeira Souza

Os grandes momentos do futebol brasileiro hão de voltar.

Marcelo França

Adentrei nesse habitat totalmente não natural dos bares em dia de jogo em busca de algum conhecimento. E cerveja.