No dia 4 de maio, a Guarda Municipal apreendeu o carrinho e as mercadorias da vendedora ambulante Maria Dalva de Oliveira, 53. Apesar dos 16 anos na portaria principal da UFMG vendendo doces, balas, pipocas, pirulitos, água e cigarros, Dalva estava em situação irregular com a Prefeitura (a atividade é regulamentada pelo Código de Posturas do Município de Belo Horizonte).

Esta é a segunda vez que o seu carrinho é apreendido apenas neste ano, e a sexta em todo o seu tempo de trabalho como ambulante. Desestimulada pela burocracia para recuperar o material, Dalva inovou: agora vende as mercadorias em um carrinho de supermercado. Ainda assim, a vendedora lamenta a apreensão do antigo carrinho, feito especialmente para ela por um amigo carpinteiro, e aponta um prejuízo de aproximadamente R$ 2 mil.

Maria voltou a vender com um carrinho emprestado, que não tem muita estabilidade e já tombou no primeiro dia

Maria voltou a vender com um carrinho emprestado, que não tem muita estabilidade e já tombou no primeiro dia

Seja acompanhada pelo antigo carrinho, levado pelos fiscais, seja pelo novo, improvisado, Dalva é uma presença constante na portaria principal da UFMG. Sentada em um banquinho de plástico, sobre a calçada desnivelada da Avenida Antônio Carlos, a vendedora está ali todas as semanas, de segunda a sexta, das 16h às 23h. A única exceção são os dias de chuva, quando prefere ficar em casa para evitar perder mercadoria.

O comércio está no sangue da família. Dalva é parente de outros personagens bem conhecidos do meio acadêmico da UFMG: o Cabral e a Vaninha, os dois donos do Bar do Cabral, boteco localizado à Avenida Antônio Carlos e ficha carimbada para os alunos da Universidade. Tanto é que Dalva não parece se estressar em meio ao trânsito intenso e ao ritmo apressado de quem entra e sai do campus. “Se ficar um dia sem vir pra cá, fico muito nervosa e estressada. Aqui é meu lugar”, comenta.

 

Os outros vendedores na Universidade

 

Não é só Dalva quem frequenta o campus para tirar o seu sustento através do comércio ambulante. São vários os vendedores no Campus Pampulha, e o número segue aumentando – alguns, inclusive, apontam que a razão é a crise econômica.

A Transite procurou esses vendedores e encontrou desde pessoas que começaram a vender seus primeiros produtos a quem já está no comércio há muito tempo, de quem vende doces hare krishna aos que investiram no ramo de produtos de sex shop. Conheça essas histórias abaixo.

Clique nas fotos para saber a história de cada vendedor

Lina Lanna, a moça do sex shop

Por João Henrique Motta e Vitor Maia

Desde que entrou na faculdade Lina vende balas na Faculdade de Ciências Econômicas (Face). Ela cursa Administração, o que ajuda na hora de organizar o pequeno negócio e identificar novos mercados. Já expandiu as vendas para dois que, segundo ela, hoje monopoliza na Face: cigarros e produtos de sex shop.

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Samuel, o engenheiro da palha italiana

Por Vitor Maia

Não é difícil distinguir Samuel dos outros ambulantes na saída do Restaurante Universitário Setorial 1 (mais conhecido como bandejão). Ele é alto, usa cabelo longo e está sempre com uma camisa do curso de Engenharia Elétrica. Se mesmo assim alguém não conseguir identificá-lo, é só procurar pelo cara da palha italiana.

Há cerca de um ano no ponto, ele conta que ampliou os negócios de acordo com a demanda. “No início vendia só palha e cookie. A medida que foi dando certo aumentei a oferta. Hoje o que mais sai em dias quentes é o chup-chup”, diz. Já nos dias em que o bandejão serve doce de leite, o movimento cai. “Quando leio ali no cardápio que vão servir doce de leite já sei que vai vender menos no dia”, lamenta.

De manhã cedo ele deixa o carro no estacionamento em frente ao Restaurante Universitário, onde guarda seu material: banco dobrável, caixa de isopor e “tapoeres”. De lá vai a pé para a Escola de Engenharia. “Aproveito que meu pai tá aposentado e não precisa do carro. Me facilita muito pra transportar tudo”, conta.

Nesse ano de vendas, Samuel logrou manter um faturamento constante. Com a renda extra ele ajuda os pais com as contas da casa e ainda faz uma economia. “Tem que fazer uma poupança pra poder sair de casa, né?”.

Elaine da Márcia dos pães

Por João Henrique Motta e Vitor Maia

Há seis anos Elaine vende pães e outros alimentos naturais, vegetarianos ou veganos na tradicional barraca da Márcia dos Pães, na Fafich.

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Carolina, a recente

Por Vitor Maia

A simpática Carolina oferece bombons, doces de leite e de coco e pé de moça sempre com um sorriso na boca. Ela está quase formando em Teatro e há um mês decidiu ajudar os pais com a renda extra. “Meu pai já vendia doces há mais tempo, eu comecei mês passado. Nós revendemos de um distribuidor que conhecemos no Ceasa”, conta.

Carolina se reveza entre a Escola de Belas Artes e o bandejão, onde também é afetada nos dias em que o cardápio oferece doce de leite. “Quando servem doce de leite me prejudica muito, porque uma das coisas que vendo é justamente doce de leite”, reclama.

Com o acirramento da recessão, ela vê a concorrência aumentar. “Eu não sinto diretamente o impacto da crise nas vendas. O que eu vejo é que a concorrência aumenta todo dia. Cada dia tem novos ambulantes aqui, vendendo bombons e doces”, diz. Apesar disso, Carolina é otimista. “Todos conseguem vender, tem demanda pra todos”, acredita.

Diego e os doces de Krishna

Por João Henrique Motta

No final da tarde até o início das aulas do noturno, Diego González, 28 anos, vende doces caseiros veganos, ambulando entre a Belas Artes, a Letras, a Fafich e o Instituto de Geociências. Os cabelos compridos e a barba lhe dão o ar de sossegado. Ele faz uma abordagem branda que transmite tranquilidade aos potenciais clientes. Anuncia a venda do haribol, seguido dos ingredientes utilizados na receita. Dentre os cereais e grãos utilizados, o destaque de sabor do doce é o cardamomo, uma especiaria indiana, parecida com um gengibre. Muito boa, por sinal.

Por ter frequentado um templo Hare Krishna e observado a cultura, teve contato com algumas fórmulas do doce. A dele é tirada da internet, mas segundo ele, o produto é uma versão própria, fazendo outras combinações para o sabor dos bolinhos, R$3,00 cada um.

Estudante da Geografia desde 2013, Diego recebe auxilio FUMP, mas aponta que não é suficiente para cobrir as contas, por isso precisa vender os doces para aumentar sua renda. “A renda depende do empenho em vender”, ele explica. Para ele, vender muito é vender pelos cinco dias da semana e pouco seria vender por um ou dois dias. Diego não acha que a crise afetou as vendas, e a produção mantém-se a mesma desde que ele iniciou a atividade.

Ele segue seu caminho, como os outros, parando em cada cliente potencial, oferecendo um exótico sabor para a trivialidade dos dias na Universidade.

João Henrique Motta

O microcosmo da Universidade tem pessoas incríveis, só é preciso escutá-las.

Osmar Macedo

Em meio ao ritmo acelerado dos que passam pela portaria principal da UFMG, a história de uma senhora humilde e vendedora, que está ali, mesmo que você não a perceba.

Vitor Maia

Correndo pra queimar os 2kg de doces de leite, de coco, pães de queijo, de tomate seco com mussarela…