Grupo de moradores de república no bairro São Luiz, em Belo Horizonte, relatam experiência após dois dias sem água em uma casa compartilhada com vinte pessoas
Por Sara Franco
No dia 16 de junho, grande parte de Belo Horizonte e outros municípios da região metropolitana da cidade ficaram sem água. O motivo foi uma obra de manutenção realizada pela Copasa, empresa responsável pelo abastecimento da região, no sistema de captação de água do Rio das Velhas. A falta de abastecimento prevista para o domingo durou até a tarde de segunda-feira, gerando uma enorme insatisfação com o serviço de abastecimento.
O cenário de passar 48 horas sem água em casa, por si só, é desesperador. Em um lugar onde moram vinte pessoas isso se potencializa de várias maneiras. Alunas da UFMG e moradoras de uma república estudantil no bairro São Luiz compartilharam a sua experiência sem água em casa durante dois dias.
Sexta-feira – 14 de junho
Durante a tarde a proprietária da casa onde funciona a República Pão de Queijo enviou uma mensagem para uma das moradoras, ela pedia para avisar aos outros moradores sobre uma nota publicada pela Copasa falando sobre a paralisação do abastecimento no domingo. O aviso foi colocado no quadro da sala, onde todos poderiam ver. No grupo de WhatsApp dos moradores se iniciou uma articulação para evitar o gasto excessivo de água durante o fim de semana.
Sábado – 15 de junho
Logo pela manhã, as pessoas começaram a se organizar para guardar água para o dia seguinte, seja em garrafas para consumo próprio ou em panelas para usar no preparo de comida. Laís, uma das moradoras da casa, conta que trocou seu horário de lavar roupas no domingo e fez isso no sábado para não gastar água no dia seguinte. Ela também conta que a louça, que, em geral, fica acumulada no fim de semana, foi toda lavada, sem grandes reclamações dos moradores. Para ela e para os outros moradores, tudo parecia pronto para que eles passassem as doze horas sem água no dia seguinte passassem de forma tranquila.
Domingo – 16 de junho
O abastecimento foi interrompido às seis da manhã, como anunciado na nota da Copasa. Por ser um domingo, quase ninguém estava acordado a essa hora. Ana, uma das moradoras, acordou às seis e meia, escovou os dentes, usou o banheiro e pegou uma das garrafas com água que tinha deixado na geladeira no dia anterior. Às sete ela ouviu a moradora do quarto ao lado, Laís, sair para correr com Sheilla, de um dos quartos do segundo andar. As duas voltaram da corrida pouco depois das oito da manhã, quando a maioria das pessoas já estavam acordadas, e vão tomar banho.
Isabela, outra moradora da casa, relata: “Havia um acordo implícito, principalmente pelas coisas que tinham sido conversadas no sábado, que era pra evitar tomar banho para deixar a água para outras coisas, como dar descarga no vaso. O grande problema é que além de elas tomarem banho ainda demoraram”. Em um segundo grupo de WhatsApp, que não era o geral da casa, Isabela e Laís reclamam sobre o banho longo das outras companheiras de casa, e Laís diz que não conseguiu escovar os dentes porque a companheira de quarto, Sheilla, estava lavando o cabelo.
Apesar da exaltação dos ânimos entre algumas moradoras já no início da manhã, o restante do dia transcorreu da forma mais normal possível para a situação. As moradoras relatam que houve um acúmulo maior de louça suja na pia, o que causou incômodo em algumas pessoas. Todos estavam esperando a água voltar ainda no domingo, por isso não havia muita preocupação em não utilizar a água disponível. Por volta das duas da tarde toda a água da caixa d’água acabou, sobrando apenas as reservas que foram feitas em garrafas e panelas, mas faltava pouco tempo para o abastecimento voltar, como havia sido previsto.
Por volta das oito da noite, já sem água nas torneiras, e sem informações sobre quando o abastecimento seria normalizado, os moradores começaram a reclamar uns com os outros. As conversas no grupo de WhatsApp principal eram apenas sobre a falta de perspectiva de quando a água iria voltar, mas nos grupos “paralelos” os moradores acusavam uns aos outros de terem sido irresponsáveis com o uso da água. Em um dos grupos de Laís, além de relembrar o ocorrido do banho de manhã, uma outra moradora também comentou sobre alguém que teria tomado banho no banheiro do seu quarto durante a tarde, fazendo com que ela não tivesse como se banhar.
Durante a noite as reclamações seguiram, tanto nos grupos de WhatsApp, quanto em conversas na sala ou na cozinha da casa. Os principais pontos eram: não poder tomar banho, o mau cheiro que estava começando nos banheiros e o acúmulo de louça suja na cozinha. No X (antigo Twitter), algumas moradoras também reclamavam das condições em que estavam, desejando apenas que a água voltasse e que pudessem se banhar. Ana novamente relata: “Acho que todo mundo foi percebendo que estava começando um grande estresse generalizado com a situação e foi todo mundo pro seu quarto, era melhor pra acabar não brigando”.
Segunda-feira – 17 de junho
Após 24 horas sem água, os moradores acordam ainda mais estressados e preocupados com a situação do abastecimento. Todos tinham aula naquele dia, mas alguns não se sentiam confortáveis de sair de casa sem tomar banho, o que também afetou a alimentação de muitos moradores da república que almoçam nos Restaurantes Universitários da UFMG. Como esse segundo dia sem água estava fora do previsto, já não havia água para beber, pois as garrafas guardadas tinham sido consumidas no dia anterior.
As moradoras da casa Ana, Laís e Isabela relatam que durante a noite tiveram sonhos muito parecidos, como se tivessem ouvindo os chuveiros da casa ligados, com a nítida impressão de que havia alguém tomando banho. Ao acordarem e darem conta da realidade, o grupo decidiu pedir alguma ajuda para a dona da casa onde a República Pão de Queijo funciona, para que ela pudesse pelo menos conseguir alguma água para que os moradores pudessem beber.
Ao longo da manhã, Ana discutia com a dona da casa pelo WhatsApp tentando encontrar alguma forma de os moradores não serem ainda mais prejudicados pela falta d’água. Enquanto isso, os moradores conversavam sobre toda a situação e sobre o que podiam fazer. O que Ana conta: “A gente passou a segunda de manhã conversando sobre onde tomar banho, aí veio a ideia de ir no banheiro da academia da EEFFTO (um dos prédios da UFMG), mas não era todo mundo que se sentia confortável em ir lá”, sobre a conversa com a dona da casa, ela diz: “Ela (a dona) estava tentando se esquivar de qualquer responsabilidade. Ninguém estava acusando ela pela falta d’água, só queríamos alguma ajuda”.
A dona da casa apareceu com alguns galões de água durante a tarde e ficou na casa por algumas horas conversando com os moradores e mexendo na caixa d’água. Alguns dos moradores, incluindo Ana e Isabela, evitaram se encontrar com a dona do lugar por conta das discussões que tiveram pela manhã.
No fim da tarde, Isabela avisou no grupo de WhatsApp com todos os moradores da casa que o banheiro do seu quarto tinha água. Em seguida, uma moradora do quarto ao lado do de Isabela diz que seu banheiro também estava com água. As esperanças dos moradores voltam e as relações começam a ficar mais amistosas, menos agressivas. Porém, chega o meio da noite e todo o resto da casa, com exceção dos dois banheiros, ainda está sem água. Procurando no X (antigo Twitter) os relatos são de que o abastecimento já foi normalizado, e os moradores de outras repúblicas no bairro São Luiz dizem ter água em suas casas. Mais uma vez os moradores da República Pão de Queijo vão dormir sem a perspectiva de ter água e ainda mais estressados que no dia anterior.
Terça-feira, 18 de junho
Mais um dia começou sem água. No grupo de WhatsApp da casa há muitas reclamações sobre isso e muitas suposições do que pode ter acontecido. Uma moradora supõe que o registro da caixa d’água pode estar fechado. Mais uma vez, Ana procurou a dona da casa para pedir alguma ajuda sobre o caso, e mais uma vez ela não foi receptiva ao pedido de ajuda dos moradores da casa. Com o clima cada vez pior, a dona da casa apareceu às onze da manhã. Na troca de mensagens que ela havia tido com Ana, ela havia afirmado que não sabia porque a água ainda não tinha chegado em todas as partes da casa. Minutos depois, a mesma dona da casa afirmou que ela fechou o registro da caixa d’água no dia anterior para “evitar problemas no encanamento”.
O momento em que todos tiveram acesso à água novamente foi como um cessar-fogo. As pessoas voltaram a conversar, as ameaças e reclamações nas redes sociais sumiram e os ânimos se acalmaram. Isabela, moradora da República Pão de Queijo, finalizou seu relato para essa reportagem, dizendo: “Primeiramente, acho que foi um descaso a Copasa fazer isso com a população de BH. Em segundo lugar, achei pior ainda o despreparo da dona da casa, que só veio entregar galões de água depois de um dia de sede. E, terceiro, acho as condições de encanamento da casa mal preparadas e planejadas, pois só parte da casa recebeu água assim que a Copasa foi liberando”. A fala da moradora reflete o espírito de vários outros moradores após o fim de semana sem água, o local e a proprietária não estão preparados para lidar com imprevistos.
Revisão por Caio Rodrigues e Bruna Souza – Edição: Turma Laboratório de Reportagem