Dossiê: Transporte
Até que ponto o transporte público de Belo Horizonte é realmente acessível a deficientes físicos?
C ondições de mobilidade urbana na capital mineira são questionadas por deficientes físicos e especialistas. Órgãos responsáveis têm justificativas em números na ponta da língua. Sofrem aqueles que enfrentam a realidade diária.
“Uma aventura”. Sem o mesmo brilho nos olhos costumeiro que antecede a qualquer relato de aventura, Ítalo de Souza abre a conversa e dita o tom com a fala mansa, mas um tanto desgostosa. O jovem cadeirante de 24 anos – sofre de amiotrofia espinhal – não tem boas lembranças quando o assunto é uma dificuldade invisível para boa parte dos habitantes da metrópole que é Belo Horizonte.
As condições dignas e viáveis de mobilidade e transporte urbano ainda são tratadas como meros favores prestados à população, quando deveriam ser vistos como direitos garantidos por leis a todos nós, em especial aos deficientes físicos com mobilidade reduzida. Hoje optante pelo serviço privado, Ítalo conta que já utilizou muito o transporte público, que não deixou saudades. “É uma verdadeira aventura o transporte público. Os passeios são ruins, as vias de acesso horríveis, a prestação de serviço – motoristas, cobradores – é em boa parte impaciente e despreparada, sem falar nas próprias adaptações dos ônibus que apresentam problemas mecânicos constantes. O meu caso é ainda pior, uma vez que devido ao modelo da minha cadeira motorizada, meu peso e deficiência, fico impossibilitado de carregar ou fazer muita força.”
A questão da mobilidade e acessibilidade em BH é complexa. Como toda discussão, as partes apresentam suas justificativas, defendem o seu peixe e descarregam desculpas e reclamações. Para aqueles que de fato têm a missão de se locomover em BH, a sensação que paira no ar é de que a cidade simplesmente não proporciona condições básicas para tal tarefa diária. O cenário piora quando visto sob a ótica dos 12,4% da sua população caracterizada por alguma deficiência física. Para essa parcela, por mais que os órgãos responsáveis vendam uma imagem positiva, na prática, a situação passa longe de ser assim.
Segundo a BHTRANS, empresa responsável pelo transporte coletivo da capital, do total da frota de ônibus (3.046) que integram o Sistema Municipal de Belo Horizonte, 2.445 já possuem elevador, o que corresponde a 80,26% do total. No transporte suplementar, dos 283 veículos, 262 já contam com elevador (92,6%). Ela defende ainda que Belo Horizonte segue o cronograma de substituição dos veículos em circulação por veículos, acessíveis, uma vez alinhado com o disposto pelo Decreto Federal 5.296, de 2/12/2004, que estabeleceu o prazo de 10 anos, a contar da data de sua publicação, para que toda a frota de veículos de transporte coletivo em circulação nas cidades brasileiras cumpra com os requisitos de acessibilidade estipulados. Em outras capitais como Vitória e Rio de Janeiro, 65% dos veículos têm o sistema e, em São Paulo, 62%.
Acessibilidade sem qualidade
A dita maior acessibilidade da metrópole mineira não é sinônimo de qualidade no serviço prestado. Usuários e representantes do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONDEP) denunciam que são constantes os flagrantes de aparelhos com defeito, além da fiscalização que deixa a desejar. “Recebemos reclamações diárias de elevadores inoperantes e de funcionários que não sabem operar o equipamento. O pior é a BHTRANS, que só faz vistorias quando é acionada por meio de denúncia”, afirma a presidente do CONDEP, Kátia Ferraz.
A BHTRANS informou que para trafegar, os ônibus de Belo Horizonte passam por vistorias que checam todos os itens, inclusive os elevadores. Ainda segundo a empresa, os motoristas são orientados e treinados para realizarem as paradas nos pontos com os veículos próximos às calçadas. Ela também orienta os usuários a sempre entrar em contato com a prefeitura – por meio do telefone 156 – quando perceber problemas nos elevadores dos veículos. Toda reclamação gera uma vistoria “surpresa e imediata”, que acontece em até três dias.
O diretor de Transporte Público da empresa, Daniel Marx, rebate as críticas da falta de fiscalização. De acordo com Marx, operações diárias ocorrem todas as noites nas garagens das empresas, além das vistorias, algumas programadas e outras feitas após informações dos passageiros. “As reclamações diminuíram muito. Há um ano e meio, todas as empresas são obrigadas a fazer um checklist antes de cada veículo seguir o itinerário. E, claro, o elevador é um dos itens analisados”.
Outra opção apontada pela BHTRANS são os táxis adaptados. O serviço permite que passageiros com deficiência ou mobilidade reduzida contem com um transporte especializado, podendo viajar sozinhos ou acompanhados de até duas pessoas. O táxi adaptado tem a mesma tarifa dos táxis convencionais e atende a todas as especificações técnicas e de segurança exigidas para esse transporte.
Em fevereiro de 2012, a BHTRANS deu início a um novo processo licitatório para 605 novas permissões de táxi. O processo foi homologado em janeiro de 2013. As permissões foram divididas em: 545 na categoria pessoa física, dentre as quais 55 para motoristas com deficiência, e 60 para a categoria pessoa jurídica direcionadas para o Táxi Acessível. Dos 60 táxis acessíveis licitados, já estão circulando 58. Os táxis prestam atendimento exclusivo aos passageiros com mobilidade reduzida das 7h às 19h, em todos os dias úteis do mês, incluindo sábado, e mais um domingo, por um mínimo de 12 horas diárias; exceto em quatro semanas ao ano (férias).
Na minha pele e não na sua
Quem utiliza o serviço de transporte público é que sente o dia a dia. É o caso de Sandro Waldez, 34 anos – 18 deles como cadeirante, vítima de bala perdida – analista financeiro em Belo Horizonte. Usuário diário do transporte público da cidade, Sandro chega a fazer cinco viagens ao dia, onde cada uma delas dura em média 40 minutos, seja esperando por um ônibus adaptado, alojando-se de forma segura ou desembarcando. Essas três horas e vinte minutos fazem muita diferença em uma rotina já dificultada pela acessibilidade periclitante.
Acompanhando a rotina diária de Sandro, alguns episódios ilustram bem o que significa ter mobilidade reduzida e depender exclusivamente do transporte público em BH. Um dos veículos tem espaço reservado para cadeirante, mas não possui elevador. “Segundo o motorista a empresa tem uma norma que não leva cadeirante em carro que não tenha elevador. O trocador estava ligando para a empresa para ver o que ele faria. E não me levou, foi embora”, relata Sandro.
Em outros flagrantes, os ônibus param longe da calçada, impedindo o acesso dos cadeirantes ao elevador. Já quanto aos equipamentos, alguns veículos apresentaram elevadores danificados e, dessa forma, não foi possível erguer a cadeira de rodas. O cadeirante é aconselhado a esperar por outro veículo, mas o segundo a chegar tem o mesmo problema. “Por várias vezes eu me sinto esquecido, humilhado, porque eu ando de cadeira de rodas. Mas eu estudo, eu trabalho, quero levar uma vida independente da melhor forma possível”, conta Sandro.
Articulado, Sandro toca em outras questões igualmente importantes. Ele cita que a mobilidade não se dá apenas nas condições dos ônibus, mas em tudo aquilo que tange e proporciona o ato de se locomover. “Infelizmente é precária (a conservação das vias e passeios). Por exemplo, passar pela Afonso Pena, uma das principais artérias da cidade, descendo sentido Centro, podemos observar em vários pontos a falta de rampas, os passeios com degraus, além dos desníveis e da falta de conservação em geral. Tudo isso acaba prejudicando e por muitas vezes nos obriga a andar pela rua, o que se torna ainda mais arriscado. Já no metrô as adaptações das plataformas e rampas a meu ver deixa a desejar no quesito higiene, pois várias vezes são utilizadas como banheiros pelas pessoas”.
Os números que não pegam ônibus
“Sou cadeirante há 18 anos e desde então comecei a enxergar o que ninguém mais enxerga por costume do olhar: a falta de acessibilidade nas nossas cidades. Existem leis no Brasil e boas leis, mas o poder público é o primeiro a ignorá-las. A visão pública esta errada já que o governo é do povo. E tinha que ser para o povo. O poder público é incompetente para garantir que nossas leis e direitos sejam totalmente respeitados”. O coro de Sandro faz sentido. Setores como o metrô, vias públicas, pontos de ônibus, passeios e o projeto do BRT de Belo Horizonte ainda carecem de maior espaço para serem destrinchados e terem sua utilização otimizada pela população.
No início de 2012, Belo Horizonte foi reprovada em mobilidade urbana em uma pesquisa realizada pela ONG Moblize Brasil nas principais capitais do país. A capital mineira tirou nota 4,1 em uma escala de 0 a 10. O baixo índice comprovou aquilo que os moradores da cidade já desconfiavam: em matéria de transporte público a situação da acessibilidade está muito longe da ideal. Com uma frota de veículos que cresce em média 10% ao ano e que até o inicio de 2014 deve chegar à impressionante marca de 2 milhões de veículos, o trânsito da capital mineira agoniza lentamente, respingando em todos os segmentos da população.
O ritmo da mobilidade
Enquanto isso, o poder público dança uma dança sem saber bem qual música toca. Em 9 de julho de 2013, o vice-governador Alberto Pinto Coelho encontrou-se com a ministra do Planejamento, Míriam Belchior, para apresentar propostas aos investimentos em mobilidade urbana na Região Metropolitana de Belo Horizonte, confirmados em R$50 bilhões pela presidente Dilma Rousseff. Os projetos abrangem a expansão do BRT a outras cidades próximas, além do metrô na área hospitalar. Entretanto, as ações propostas seguem em ritmo quase que indolente, uma vez que não há divulgação se não há cobrança das partes interessadas. Além disso, dentro do que se sabe dessas propostas, muito pouco é centrada na questão da acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida. Em outras palavras, o poder público segue acomodado com a caótica situação que vem se desenvolvendo, precisando de suaves “cutucões” para acordar esporadicamente.
O BRT, previsto inicialmente para entrar em funcionamento em janeiro de 2013, perece antes de nascer. Planejado para três avenidas (Antônio Carlos, Cristiano Machado e Pedro II), o projeto foi reduzido e só será implantado nos corredores da Antônio Carlos e Cristiano Machado, com um custo estimado de R$ 1,5 bilhão e sem data prevista para a entrega. Quanto à mobilidade tanto de deficientes, quanto das pessoas com mobilidade total, o professor e especialista em transporte urbano da UFMG, Ronaldo Guimarães Gouvêa é enfático. “Não sou contra o BRT. É claro que ele pode melhorar o transporte público e condições de acessibilidade da cidade. Mas ele não é, nem de longe, a solução. E isso os belo-horizontinos precisam saber. Se o BRT começasse a funcionar hoje, já seria insuficiente para a nossa demanda de transporte. O projeto já nasce superado. E os técnicos do governo sabem disso”.
Não é favor. É obrigação
Belo Horizonte vive um de seus tantos dilemas. Seja no papel ou nos números oferecidos pelos órgãos responsáveis, apresenta índices positivos que passariam cheque de cidade modelo se não fosse o dia a dia daqueles que dependem da defasada e despreparada acessibilidade urbana que a mesma oferece. Histórias como as de Ítalo e Sandro são apenas duas em meio à multidão quase invisível aos olhos engessados do restante da sociedade, atribulados com suas dificuldades, mas tão parcos com as dos outros. Mesmo assim, esses homens mantém algo próximo ao otimismo, temperado com boa dose de resignação.
“Apesar da mobilidade do deficiente em Belo Horizonte ser ridícula, as calçadas destruídas, os operadores do transporte publico despreparados, BH só perde para Curitiba a meu ver. Ou seja, está entre as capitais menos ruim, se é que dá para acreditar. Lá fora a coisa é pior ainda”, atesta Sandro Waldez.
“Hoje minha família conseguiu comprar um carro, o que nos tirou do sufoco que era utilizar o transporte público sendo deficiente. Mas vejo que é devagarzinho que a coisa vai melhorar mesmo. Tenho esperança no metrô, que pode ajudar a desafogar bem e proporcionar acesso aos deficientes com mais eficiência.” afirma Ítalo de Souza.
A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, proclamada pela ONU, resume bem em seu artigo 3: “As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana. As pessoas deficientes qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadão da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar uma vida decente, tão normal e plena quanto possível” e em seu artigo 8: “As pessoas deficientes têm o direito de ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social”, o que buscam os deficientes: além da mobilidade em uma cidade como Belo Horizonte, mais igualdade e dignidade.
Quando a mobilidade não tem limites
Programa de inclusão e mobilidade urbana faz de Contagem cidade pioneira – e aclamada – no tratamento de seus deficientes físicos.
O nome é sugestivo e não poderia ser diferente. Em meio a tanta dificuldade enfrentada pelas pessoas com mobilidade reduzida na capital mineira, um sopro de ar fresco sempre é bem-vindo. O bom exemplo vem da prefeitura de Contagem-MG, que dá prova cabal de como é possível implementar e articular políticas públicas de qualidade para seus cidadãos e tratá-los com a dignidade que lhes é de direito.
Idealizado pelo governo municipal de Contagem, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte com aproximadamente 638 mil habitantes, o programa Sem Limite nasceu em 12 de fevereiro de 2007, sob administração da então prefeita Marília Aparecida Campos (PT). Pioneiro no país, seu objetivo é promover de forma gratuita a inclusão do cidadão com deficiência física com alto grau de comprometimento na sua mobilidade, facilitando seu deslocamento, com exclusividade para o atendimento escolar e tratamento de saúde. Regulamentado pelo Decreto Municipal 1836 de 02/05/2012 o programa recebe investimentos com recursos do próprio município.
Somente para 2013 foram previstos R$ 3,5 milhões. É resultado de uma parceria entre três administrações indiretas do poder público municipal: Autarquia Municipal de Trânsito e Transportes – TransCon, responsável pelo gerenciamento e operacionalização do programa; Secretaria Municipal de Educação e Cultura – SEDUC, responsável pelo custeio de 80% dos gastos; e Fundação de Assistência Médica e de Urgência de Contagem – FAMUC, responsável pelos outros 20% dos gastos. O primeiro plantio era então feito para uma semente que vingaria ao longo dos anos seguintes. As diretrizes determinam que a cada quadriênio o programa passe por uma avaliação do governo, que decidirá pela sua continuidade ou não, levando em conta fatores como a satisfação da população, qualidade do serviço e avanço nas questões sociais, de saúde e pedagógicas. Em 2013 o Sem Limite foi renovado pelo governo do atual prefeito Carlin Moura (PcdoB) até 2017.
O modus operandi do programa vem funcionando em harmonia ao longo desses anos. Como serviço gratuito, atende pessoas de baixa renda (um salário mínimo como parâmetro) com alto grau de comprometimento dos movimentos e que por este motivo não têm acesso ao sistema de transporte público convencional do município. Dessa forma, licitações públicas foram abertas às pessoas interessadas em aderir ao programa para serem os permissionários – motoristas cadastrados e treinados pela TransCon – que fornecem vans adaptadas para o transporte de pessoas com deficiências diversas. Esses veículos devem apresentar, obrigatoriamente, capacidade para o mínimo de três cadeiras de rodas e seis acompanhantes em cada um deles, além de elevadores ajustáveis e conforto básico aos usuários. Os permissionários recebem em média R$10.800 mensais como pagamento e manutenção da frota
É possível sim
“É um trabalho muito bonito e recompensador” define Sheila Manoel, atual Diretora Geral do Programa Sem Limite. Como integrante da Secretaria dos Direitos e Cidadania de Contagem, Sheila encabeça o programa desde junho desse ano. Desde então, vem trabalhando na reformulação de alguns pontos administrativos, visando o aprimoramento do projeto como um todo. “Atualmente temos 25 vans nas ruas e mais de 290 cadastrados. O processo de adesão está fechado no momento pois estamos trabalhando outras possibilidades, como um reequilíbrio no quadro de cadastrados e adição de novas vans. Nesse período do segundo semestre o programa passará para a autarquia da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência Física, mobilidade reduzida e atenção ao Idoso, o que exige uma reformulação inicial” afirma Sheila.
Equilíbrio soa como mote do programa. Desde o cadastramento até o transporte final dos usuários, existe uma preocupação em manter o Sem Limite funcionando sem tropeços. Logo de início, os interessados em utilizar o serviço passam por um processo de triagem rigoroso: o mesmo prevê que pessoas inscritas no programa sejam transportadas gratuitamente para tratamento de saúde e estudos.
Cada beneficiário tem garantido o transporte para ir e vir à escola, dois atendimentos fixos semanais (para tratamento em clínicas) e mais um atendimento esporádico semanal, que deverá ser usado para consultas médicas e/ou exames laboratoriais. É necessário também se enquadrar em requisitos como: ser morador do município de Contagem; estar devidamente cadastrado no programa; ter renda igual ou inferior a um salário mínimo e ter alto grau de comprometimento na sua capacidade de locomoção, que impossibilite o acesso ao transporte coletivo convencional. Após o período de inscrições os usuários são avaliados por uma junta médica e, se aprovados, o transporte será iniciado conforme horário agendado na TransCon, oferecendo os veículos adaptados durante 16h por dia.
Entretanto, visando maior comodidade e rapidez do transporte e atendimento, a prefeitura do município tem feito esforços para mudar a realidade das muitas viagens. O primeiro passo foi investir em capacitação dos profissionais de saúde da própria cidade. Em seguida, novas vagas em concursos públicos para preenchimento de cargos na área de saúde do município foram abertas, já pensando posteriormente na conclusão da reestruturação do Centro de Atendimento de Consultas Especializadas Iria Diniz, situado no bairro Eldorado. Ainda, a prefeitura firmou convênio com clínicas da cidade para algumas modalidades de atendimentos especializados, com intuito de trazer a maioria dos atendimentos para Contagem. Atualmente, é facultado ao programa a possibilidade de realizar atendimento em outras instituições sediadas em outros municípios nas situações em que Contagem não ofertar a especialidade e o atendimento for integralmente custeado pelo poder público.
Reconhecimento embasado em números e ações
A representatividade do Programa Sem Limite pode ser constatada em números. Segundos dados de 2010 do IBGE, Contagem abriga 638 mil habitantes, dos quais 14.027 apresentam algum tipo de deficiência. Os números são elevados, assim como em Belo Horizonte, que tem hoje um dos índices mais altos de população com deficiência, beirando os 165 mil do total de 2,5 milhões de habitantes. O Balanço Financeiro de 2012 do município demonstra que os valores gastos em despesas nas áreas de transporte, saúde e educação – em milhões, respectivamente: R$ 28,7; R$ 326,8; R$ 263,3 – impulsionam um IDH considerado alto (0,756).
Mas com uma minúscula parcela dos recursos já se torna possível manter um projeto de política pública como o Sem Limite, orçamentado em R$ 3,5 milhões ao ano. A pequena fatia em meio ao mar de dinheiro despendido agrega um ponto positivo para a Prefeitura de Contagem; a obrigação e cumprimento de se investir em questões públicas como mobilidade e transporte de deficientes de forma eficiente. Levando em conta mais uma vez a proporção dos valores investidos no Sem Limite – 80% educação e 20% saúde – esses setores contribuem com parcela ínfima de seus orçamentos para a articulação de um projeto tão benéfico aos indivíduos e famílias afetadas.
A Prefeitura de Contagem faz questão de frisar também os números do transporte coletivo que proporciona. Segundo a TransCon, o levantamento do primeiro semestre de 2013 contabilizou 304 veículos na frota de ônibus municipais, os chamados “verdinhos”. Desse total, a prefeitura afirma que 89,8% deles são adaptados para deficientes físicos, com elevadores e assentos especiais. “Contagem tem hoje uma frota de ônibus adaptados que supre a maior parte da necessidade dos nossos usuários. A gente entende que o serviço possa enfrentar reclamações, como praticamente todo serviço público de uma grande cidade. Contudo, a alta porcentagem dos carros adaptados nos faz acreditar que o mesmo é pensado em todos os tipos de usuários. E a nossa perspectiva é melhorar ainda mais essa marca existente”, afirma Uíssila Cunha, assessora responsável pela TransCon. Ainda segundo o órgão, a decisão judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de agosto de 2013, que obriga a prefeitura de Contagem a se adequar às normas de acessibilidade e mobilidade, já vem sendo cumprida conforme impetrada judicialmente.
Trabalho premiado
Essa ambição segue uma lógica. Prefeito eleito em 2012 com incríveis 66% dos 390 mil votos disponíveis, Carlin Moura parece entender a importância de viabilizar melhores condições de mobilidade aos deficientes de sua cidade. A renovação do Sem Limite logo que assumiu deu uma amostra de que o programa traz benefícios tanto para sua população, quanto para a cidade em si. Em 02 de setembro de 2009, a ex-prefeita Marília Campos foi até Brasília representando Contagem para ser condecorada com o título de Cidade Cidadã, em decorrência do programa. O prêmio é promovido pela Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados, com o objetivo de premiar e destacar cidades que tenham implementado políticas públicas de mobilidade urbana sustentável e inclusivas. Contagem participou na categoria de cidades acima de 100 mil habitantes e disputou a indicação final com uma capital, Natal (RN).
Somado a isso, para 2014 estão previstas novas vagas abertas no Sem Limite, a adição de 25 novos veículos à frota atual, além de possível aumento no valor do repasse anual. Vale ressaltar que apenas entre os permissionários, são gerados mais de 50 empregos diretos e outros indiretamente, com a subcontratação de auxiliares, mecânicos e afins.
Talvez a grande ousadia do programa seja resgatar com dignidade, direitos básicos como o de ir e vir, acessar serviços de educação e saúde essenciais para a pessoa com deficiência e mobilidade reduzida. Acima de tudo, proporcionar algo que parece óbvio e se prova totalmente viável, mas que ainda esbarra em interesses políticos ou no descaso do poder público. Ações como o Sem Limite ajudam a romper, mesmo que ainda paulatinamente, um verdadeiro estigma: oferecer dignidade aos deficientes não é mero favor, mas um compromisso que deve envolver os governos com toda sociedade.