Até banheiro vira lenda e tema de debate na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da UFMG
Por Vinícius Figueiredo de Brito – e com essa matéria eu finalmente aprendi a andar na FAFICH sem me perder
Com a curiosidade aguçada, a Revista Transite foi atrás de averiguar como está a situação dos sanitários da FAFICH nesse semestre de retomada das aulas presenciais e o que a comunidade acadêmica de fato pensa sobre o tema.
As pessoas entrevistadas foram Giullia, Maurício, Sandra, Gabriel e Vitor, estudantes da filosofia, Isabela, Marina, Mariana, Matheus e Zyon, estudantes do jornalismo, Ângela e Sônia, professoras do departamento de comunicação, Elaine, servidora do prédio e uma pessoa funcionária terceirizada que pediu para não ser identificada. São pessoas que circulam diariamente pelo prédio e que usam frequentemente os sanitários.
É importante ressaltar que, durante a apuração, as pessoas funcionárias responsáveis pela limpeza do prédio não se sentiram confortáveis em conversar com a reportagem, com medo de retaliações e consequências advindas de pessoas em cargos de chefia do prédio. Isso prejudicou a apuração e a ampliação das perspectivas abordadas pela matéria.
Galeria de fotos com alguns registros de diversos dos banheiros dos prédios da FAFICH. Imagens: Vinícius Figueiredo de Brito
Diversos pontos de vista
Giullia e Maurício afirmam que os banheiros estão bem melhores do que antes da pandemia. Isabela e Marina comentam sobre como é incômoda a disposição dos papéis higiênicos nas cabines. Elaine diz que já presenciou um episódio de encontrar fezes no chão. Mariana reclama da ausência de absorventes.
Matheus também julga que antes da pandemia era pior. Vitor, como um bom estudante da filosofia , “conspira” por achar que os banheiros estão em situações degradadas para reforçar a visão de balbúrdia que se tem dos cursos de humanas. Sandra sonha em que um dia o prédio tenha banheiros sem demarcação de gênero.
Zyon diz que se incomoda com as pichações. Gabriel vê poesia nelas. Sônia define os sanitários do prédio como “experiências de liberdade e aprisionamento”. Ângela reconhece a “versão fabulatória”, mas reclama da falta de conforto para trabalhadores que passam o dia todo no prédio. Uma pessoa trabalhadora acha que a raiz do problema é a demissão em massa das agentes de limpeza. Ela pediu para não ser identificada.
São diversos os relatos, que se aproximam em alguns pontos, mas que se distanciam drasticamente em outros. É interessante pensar como esses mesmos espaços, projetados com a funcionalidade de servir à higiene pessoal de seus usuários, conseguem despertar uma gama diversa e inusitada de sentimentos e afetações. Principalmente, como são diferentes as expectativas e experiências nos banheiros do prédio.
Um relato é, praticamente, unanimidade: os sanitários da FAFICH estão longe de serem um exemplo de boa higiene e de boa estrutura. Por mais que algumas pessoas não se incomodem em utilizá-los, elas também reconhecem o potencial de ser uma experiência desagradável.
“Eu acho um tanto quanto desconfortável de usar, porque são sujos. Até um tempo atrás, antes da pandemia, não tinha papel. Hoje em dia, fico impressionado que todas as vezes que eu vou tem papel e sabão. Até um tempo atrás não tinha. Então, se você precisasse fazer qualquer coisa além de xixi você estava ferrado.” – comenta Matheus, estudante de jornalismo da UFMG.
Registros de alguns dos banheiros do 3 andar do prédio da FAFICH. Imagens: Vinícius Figueiredo de Brito
Nessas fotos (que incluem banheiros masculinos, femininos e para pessoas com deficiência, todos do terceiro andar), são exemplificadas algumas questões apontadas pelas pessoas entrevistadas. Os pisos sujos, os vasos encardidos, os mictórios sem divisórias e pichados, o banheiro para pessoas com deficiência sem forro no teto e poluído esteticamente e um outro com vaso sem tampa. Todos apontam para a falta de estrutura básica.
“Os banheiros da FAFICH têm um problema sério, porque existe uma tríade do que é um banheiro bom: papel, descarga e tranca. E sempre tem, pelo menos, dois desses fatores. Mas você nunca encontra os três ao mesmo tempo. Você não consegue encontrar os três ao mesmo tempo nesse prédio” – diz Gabriel, estudante de filosofia na UFMG.
Mas esse é um padrão que não se repete em todo o prédio. Os banheiros do quarto andar, utilizados, majoritariamente, por professores, apresentam significativas melhorias nas condições de uso. Dos que foram encontrados destrancados, é perceptível uma melhoria, principalmente na limpeza e na ausência de poluição visual.
Alguns dos banheiros do 4° andar da FAFICH, que apresentam boas condições de uso. Imagens: Vinícius Figueiredo de Brito
Dentre os diversos pontos de vista apresentados, destaca-se um. Relato que aparece mais explicitamente no depoimento de Sandra, mas que também é citado como um ponto negativo por outros entrevistados, é o fato dos banheiros do prédio da FAFICH ainda serem demarcados por gênero.
“Falta uma inclusão maior, sabe? Acho que devia derrubar tudo e fazer um banheiro só pra todo mundo. Que fosse atendido pra todo mundo. Independente de qualquer distinção sexual. Um exemplo bobo: eu tô num restaurante. Se eu tô apertada, eu vou no banheiro que tá disponível. Eu não fico vendo se é feminino ou masculino. Às vezes as pessoas se assustam e dizem que eu entrei no banheiro errado. Eu digo: como assim eu entrei no banheiro errado? Eu entrei no banheiro pra fazer xixi! O vaso tá ali é pra qualquer um, não é não?” – relata Sandra, estudante de filosofia na UFMG.
A solução seria a implementação de banheiros multigênero. No momento, tramitam nas instâncias legislativas projetos conflitantes acerca de como será regulamentado o uso de banheiros que prezam pela diversidade e inclusão no ato básico e biológico de uma pessoa fazer suas necessidades fisiológicas. Exemplo é o Projeto de Lei 5008/20, proposto pelo deputado David Mirando (PSOL /RJ), que visa legalizar o uso de sanitários públicos de acordo com a identidade de gênero.
No âmbito do município de Belo Horizonte, mesmo com a presença da vereadora Duda Salabert (PDT / MG) sendo uma notável defensora da pauta, não há em circulação na Câmara Municipal nenhum projeto de lei em defesa da regulamentação de banheiros multigêneros na cidade.
”Esse problema atinge de modo ainda mais intenso travestis, transexuais e transgêneros, impedidos, muitas vezes sob açoite, de utilizar banheiros de acordo com suas respectivas identidades de gênero” – David Miranda.
O exemplo antagônico é o Projeto de Lei 4019/21, de Julio Cesar Ribeiro (Republicanos / DF), que visa proibir a instalação de banheiros unissex em todo o território nacional. Tal discussão ainda está em debate, estando como julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal.
Problemas administrativos?
Outro fator que chama a atenção, fortemente presente no relato da pessoa funcionária do prédio que pediu para não ser identificada, é como a demissão em massa de funcionários da limpeza impactou para na piora na qualidade da manutenção dos banheiros.
“Tá faltando mais agentes de limpeza! Tinham mais agentes de limpeza, porém tiraram duas, depois mais uma, e foi só diminuindo. Na minha opinião, acho que tão reduzindo gastos. Igual aconteceu com os porteiros. Por exemplo, a maioria delas (funcionárias da limpeza), estão na parte do dia. Elas pegam de 6 às 15:48. Depois das 16h, só fica uma agente de limpeza. Apenas uma agente para ficar recolhendo os lixos, botando saco ou limpando os banheiros.” – diz o funcionário do prédio que pediu para não ser identificado.
Tal fato está intimamente ligado com o recente sucateamento das universidades públicas federais promovido pelo Governo Bolsonaro. Segundo a Nota à Comunidade, do dia 30 de maio de 2022, assinada pela Reitora Sandra Regina Goulart Almeida e o Vice-Reitor Alessandro Fernandes Moreira,o corte de 14,5% anunciado pelo Ministério da Educação, no dia 27 desse mesmo mês, corresponde a uma redução aproximada de R$ 32 milhões em verbas, “que, se mantido, comprometerá o funcionamento e a manutenção da universidade”.
Para lutar pelos direitos estudantis, é necessária uma mobilização de toda comunidade acadêmica, principalmente dos estudantes da graduação – que estão em maioria numérica. É importante lutar para que nossos direitos básicos – como o de ir ao banheiro com conforto, inclusão e salubridade – sejam respeitados.
Durante a reportagem, as pessoas funcionárias responsáveis pela limpeza do prédio não se sentiram confortáveis em conversar com a reportagem, com medo de retaliações e consequências advindas de pessoas em cargos de chefia do prédio. Isso prejudicou a apuração e a ampliação das perspectivas abordadas pela matéria.