Alunas do noturno depositam seus esforços e sonhos na educação, mas não conseguem enxergar um caminho claro. Entenda os desafios sobre a iluminação inadequada do Campus Pampulha e a sensação de segurança para essas mulheres

Por Gabriela Coelho

Era próximo das 18h:40 quando desci do ônibus. O ponto de chegada foi o mesmo de todos os dias — em frente ao Instituto de Geociências da Universidade (IGC) Federal de Minas Gerais (UFMG). Frequentemente, ao descer pela porta do meio, fico exatamente embaixo de um dos postes de iluminação que há em frente ao prédio. Os olhos de qualquer aluno que inicie sua jornada no campus nessas condições, não estão preparados para os próximos minutos.

Atravessando a rua, a quantidade de luz cai consideravelmente. E é preciso seguir por este caminho na lateral do prédio de Ciências Econômicas para chegar ao destino. Quanto mais próximo da entrada do 2º andar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), menos nítido o caminho se torna. E, para os que temem o desconhecido, não vale se aventurar olhando para o lado esquerdo e notar o breu sobre o terreno ao lado. Os bancos que foram construídos ali não foram planejados para serem usados após o pôr do sol. Será que se trata de alguma estratégia de conservação?

Universidade Federal de Minas Gerais  / Foto: Gabriela Coelho 

A universidade de milhões e o início de um sonho…

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), avaliou a UFMG como a universidade federal com melhor desempenho no Índice Geral de Cursos (IGC) em 2024. Para a classificação do Times Higher Education (THE), também divulgada este ano, a instituição se encontra entre as 7 melhores da américa latina, ganhando destaque com a sua presença feminina representando 53% do corpo estudantil. É notável, dessa forma, o impacto e conceito que mantém nacional e internacionalmente. Mas aguentar os holofotes custa caro.

Em 2023, a verba discricionária da Universidade, ou seja que o empenho não estava previsto por lei, chegou a R$245 milhões, apesar de ameaçada por cortes frequentemente. Além disso, segundo o relatório orçamentário do mesmo ano, só as despesas com energia elétrica chegaram a quase R$22 milhões. Os valores de gastos, ainda, não pretendem diminuir no futuro, tanto por conta da inflação, quanto influências de outros fatores. Afinal, a UFMG está atraindo cada vez mais estudantes do Brasil inteiro. 

De acordo com a Análise do perfil socioeconômico dos ingressantes matriculados na UFMG no período de 2003 até 2022, publicado pela Pró-Reitoria de Graduação, houve um aumento de 46,99% no número de ingressantes entre esses anos. Recortando apenas para os cursos noturnos, o crescimento representa mais de 200%. Dos novos estudantes em 2022, cerca de 35% não é de Belo Horizonte, capital mineira onde o Campus Pampulha está localizado, assim como Luana Maria, estudante natural de Timóteo-MG.

Eu cheguei aqui [Belo Horizonte-MG] e não tinha nada que eu pudesse comparar com a minha cidade. […] Embora a rotina acadêmica da UFMG era algo que eu já estivesse acostumado o ritmo e talvez por ter vindo de uma escola federal […] não foi essa parte que me assustou, mas mais mesmo o esforço que você tem que fazer para estar presente na UFMG para estar na UFMG. […] Então, assim, eu acho que tudo isso foi uma adaptação que para mim levou o primeiro ano de estudo na UFMG

Luana, 26 anos, é estudante do curso de graduação de Ciências Biológicas e representa a comunidade universitária que aplica grandes esforços na sua educação em busca de um futuro melhor. Conforme o conselho da sua própria mãe, é estudando que você vai conseguir mudar a sua vida

Eu tenho muita vontade às vezes de fazer o intercâmbio. Eu tenho vontade de ter um emprego muito bom, de tipo, estudar bastante e tudo isso. Eu vejo a UFMG como um caminho, sabe?

Assim como Luana, a futura engenheira de sistemas Maria Clara (21), residente da região metropolitana de Belo Horizonte, espera que a Universidade abra portas para ela no futuro e elogia: a UFMG é muito boa, é uma das que mais se destaca, tanto no Brasil quanto na América Latina […] aqui a gente tem muito setor de pesquisa na área de tecnologia, tem parceria com internacional, tem pesquisas […]. A mensagem ganha ainda mais peso ao contar que o seu pai também foi filho da Universidade Federal de Minas Gerais, mas deixa claro sobre as questões de infraestrutura que o estudantes vivenciam e ainda mais o peso para as mulheres:

Ele nunca falou muito não [sobre a infraestrutura da UFMG]. Primeiro, porque ele era diurno, não era noturno e segundo que ele era homem também.

 Mas a sua mãe anunciava as suas preocupações em falas como: você tem que tomar cuidado. Eu já escutei caso da Federal, que lá fica achando que é dentro de universidade que está seguro, mas lá é tipo uma mini cidade, então tudo de bom que tem também tem de coisa de ruim.E Clara não hesita em se dobrar a atenção durante sua presença no campus à noite.

…Deu tudo certo?

Eu já desisti uma vez que eu passei em farmácia noturno e minha mãe simplesmente não deixou eu vir em 2016 pelo fato de ser noturno, sabe? Quando ela chegou, ela viu a estrutura da UFMG, ela falou ‘Não!’, você não vai andar aqui de noite de jeito nenhum
Luana Maria

Desde a escolha da sua implantação na Região Pampulha, a cidade universitária da UFMG tem a extensão de área como grande vantagem — característica que animou a escolha do local, como explica Beatriz Fialho na sua dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG sobre a arquitetura no ideário educacional. Mas esse espaço se torna um problema considerável quando não há infraestrutura física para uma boa ocupação dos espaços, sobretudo no que se refere a iluminação e segurança.

Trechos com pouca iluminação — ou até mesmo inexistente — fazem parte da realidade daqueles que frequentam o campus no período noturno. Estacionamentos como o do Centro Acadêmico 2 possuem mais postes do que os longos trajetos entre prédios mais negligenciados. A própria Instituição reconhece o déficit em obras de iluminação em seu Plano de Desenvolvimento Institucional 2018-2023. Já para segurança, consta a intenção de “investir em segurança para os Campi e Unidades, considerando a adoção em maior escala de tecnologias de monitoramento eletrônico (maior cobertura com câmeras, maior estrutura de pessoal para monitoramento de imagens)”, mas sem nenhuma atualização publicada desde então.

Conforme dados fornecidos pela Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) para o Jornal Estado de Minas, a Região da Pampulha se destaca como a segunda regional com maior taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes. Além disso, vale relembrar grandes pontos turísticos e culturais que existem ao redor da UFMG, tornando-a ainda mais acessada, como o Estádio Mineirão e a Lagoa da Pampulha. Em 2023, foram registradas 450 ocorrências dos mais diversos tipos, como furtos, discussões, acidentes com veículos e perdas de documentos pela Divisão de Segurança Universitária (DSU/UFMG). Apesar de anunciarem que crimes mais violentos como roubo e assédio sexual não ocorreram, fica o questionamento seeles realmente são inexistentes, dado relatos de alunas considerados durante a apuração para esta reportagem. A DSU não se pronunciou quanto às perguntas sobre este assunto.

 No geral, sempre que é de noite eu evitava pegar ônibus, sempre, quando eu não tinha carro ainda. Eu não pegava ônibus de noite, porque cada coisa que já ouvi, que amigo próximo sabe, que eu já fiquei assim [preocupada].
Maria Clara

Me diz aonde você vai, que eu vou com a lanterna ♪

*A nuvem de palavras organiza respostas de um formulário de pesquisa com 29 estudantes mulheres da UFMG, mapeando as áreas mais afetadas por iluminação inadequada.

Os locais acima refletem ainda mais que não é mais um caso pontual, se tornou uma questão pública. Mais do que a Luana e a Clara, outras graduandas compartilharam pelo formulário de pesquisa alguns relatos, ao responderem a pergunta: “como e em que medida a percepção de insegurança ou a falta de iluminação afeta sua vida acadêmica?”

Uma experiência que eu tive que assustou eu, assustou o guarda, assustou todo mundo, foi quando eu fazia uma matéria no CAD 2 e eu saí e já tava dando a hora do ônibus. A matéria se atrasou um pouco e eu pensei eu não vou conseguir pegar ele no ponto inicial da Belas Artes, vou tentar pegar ele no ponto da FACE. Eu saí correndo justamente pela rota que eu falei que eu não faria e atravessei o jardim da rotatória ali, correndo. E tipo assim, foi um susto porque eu assustei com o guarda, o guarda assustou comigo, os dois nos assustamos… porque o guarda estava trabalhando num ponto basicamente sem luz, com uma lanterna dele, sabe? E do nada sai uma pessoa correndo do meio do mato. Assim, tipo, eu passei pelo guarda e saí correndo para pegar o ônibus ali na face, que é onde tinha um pouquinho de iluminação.
Estudante de Ciências Biológicas

Por vezes acabei saindo mais cedo de aulas para não perder o horário do ônibus, ou poder ter companhia para chegar em casa.
Estudante da FAFICH

Me preocupa acidentes com atropelamento e quedas por percursos mal iluminados.
Estudante da Faculdade de Letras 

O formulário não pedia identificação por nome, apenas o prédio ao qual estavam vinculadas.

Universidade Federal de Minas Gerais  / Fotografia: Gabriela Coelho 

Se é importante, não é detalhe: não dá para ter mais iluminação?

“Detalhe importante” se tornou um dito bem repetido hoje em dia. A expressão é contraditória, entretanto. Afinal, se algo é um detalhe, por definição, não é significativo. Detalhes são aspectos menores ou complementares, enquanto algo importante tem um impacto maior e merece atenção.  Para uma instituição educacional de prestígio, é normal esperar que as pessoas apoiem seus sonhos e planos aqui dentro. A Universidade Federal de Minas Gerais é referência em pesquisa e ciência, além de ser aclamada pelas relações e parcerias com outras organizações e universidades nacionais e internacionais. No entanto, é irônico que haja um déficit no básico, e que com certeza não se trata de um detalhe: a iluminação.

O nosso curso, ele não é feito só em um prédio, principalmente para os estudantes que estão mais assim, no meio do curso. Começa aquela movimentação entre um prédio e outro, e nesse trajeto aí a gente fica meio que o medo impera um pouco de noite, principalmente entre as mulheres.”
Luana Maria

O caráter histórico explica por que essa questão de infraestrutura afeta de forma mais íntima as estudantes mulheres, e revolta as que escolheram a UFMG pelo seu futuro. Mas, afinal, não dá para ter uma iluminação melhor?  Uma instituição que apoia academicamente seus estudantes também deve priorizar a segurança, mobilidade e acessibilidade no campus. Cabe, por hora, aguardar o planejamento da Universidade para os próximos anos.


* Reportagem produzida na disciplina Laboratório de Produção de Reportagem sob supervisão da professora Dayane do Carmo Barretos