Em tempos de incertezas na política brasileira, a Transite visitou o bairro de Belo Horizonte que registrou mais votos brancos e nulos nas eleições para prefeito em 2016.
Falta de confiança nos políticos, descrença e desesperança são argumentos recorrentes na fala dos moradores do bairro que mais teve votos brancos e nulos nas eleições para prefeito de Belo Horizonte em 2016, o Vila Clóris, que fica na região norte da cidade. “É o bairro que mais tem pessoas inteligentes”, brinca Marina Pereira, 59 anos, moradora do bairro há cerca de 20. Ela conta em quem votou no segundo turno: “Candidato 00”.
“Se continuar do jeito que está, ninguém sobrevive”, afirma Marina Pereira. “Nós não temos segurança, nós não temos perspectiva de que eles [os políticos] façam alguma coisa, então eu voto nulo por esse motivo, independentemente de partido”.
O marido de Marina, Roque Vieira, 74 anos, com quem ela mantém uma mercearia em uma das principais ruas do bairro, provoca: “Nós votamos em candidatos diferentes porque ela é cruzeirense e eu sou atleticano”. A brincadeira tem explicação: tanto João Leite (PSDB), quanto o eleito Kalil (PHS) fizeram carreira no Clube Atlético Mineiro – o primeiro, como goleiro, enquanto o segundo, como técnico.
Jairo Diniz, mecânico de aeronaves aposentado, faz a mesma brincadeira com o eletricista Walmir Afonso, que votou em Kalil “para o João Leite não ganhar”. “Aqui tem muito cruzeirense”, diverte-se Jairo, que anulou o voto. “Com essa cachorrada aí não dá, não”, diz, “Kalil, pra mim, não vai resolver nada, e o João Leite é coligado com o Aécio, então, pra mim, está fora”. Para um candidato a prefeito ganhar o voto de Jairo, “ele tem que fazer alguma coisa. O João Leite tirou a moral da polícia com os Direitos Humanos dele aí”.
Walmir, à esquerda, com o amigo Jairo. “O pessoal não tá bobo mais, não! Tá acordando!”, diz Jairo
Vanessa Guimarães, funcionária de escola pública de 29 anos, mudou-se para Santa Luzia há três, mas continua votando no Vila Clóris. Este ano, o voto dela foi branco. “Pelo menos eu tenho consciência de que eu não votei em ninguém, então eu não coloquei ladrão lá em cima”, afirma. “Eu acho que eles [os políticos] têm que fazer o que eles falam. Eles falam uma coisa pra gente na televisão, e, na hora em que estão lá [no poder], eles não fazem nem metade. O pessoal vai falar com eles, eles simplesmente não dão ouvidos. Agora você vê todo mundo, em época de eleição, depois você não vê mais ninguém”.
Há quem sequer tenha saído de casa para anular o voto, tamanha a insatisfação com os candidatos. É o caso de Maryangela Gonçalves, que não vota “desde a Dilma”. “Que democracia é essa em que eu sou obrigada a votar?”, diz. “Eu não tenho necessidade do meu título. Eu não vou sair do país, eu não vou fazer concurso público, eu não vou fazer nada que necessite dessa documentação, então eu não estou preocupada com isso. O que eu vejo é o seguinte: um país onde eu tenho vergonha dos políticos, não da política”.
A Vila dentro do Vila
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Vila Clóris é relativamente alto. Ele chega a 0,832, pontuação maior que o IDH da Estônia, na Europa, e quase o mesmo dos Emirados Árabes. O bairro também supera a média de BH, cujo IDHM bate nos 0,810. Em termos de renda, o bairro fica com 0,812; no quesito longevidade, 0,903; já na educação, 0,786.
Um passeio pelas ruas do bairro sugere que as condições de vida não são as mesmas em todos os pontos dele. Ao redor das vias mais comerciais do Vila Clóris, a Rua das Gaivotas e a Avenida Cristiano Guimarães, os quarteirões seguem um desenho regular e as casas aparentam conforto.
A Rua dos Pica-Paus, próxima a uma das áreas mais movimentadas e comerciais do bairro
Na região mais baixa do bairro, bem ao lado da Avenida Cristiano Machado e atrás da Faculdade Una, unidade Linha Verde, vivem moradores remanescentes da Vila Bacuraus, que até 2007 era uma pequena favela incrustada no Vila Clóris. A maioria das pessoas que povoavam a favela foi remanejada para um conjunto de apartamentos mais adiante na Rua dos Bacuraus, como parte do programa Minha Casa Minha Vida.
As casas que permanecem na região da antiga Vila Bacuraus, à beira de um córrego com água de nascente que vem da área da Mata do Planalto, são simples, algumas com tijolos expostos e aspecto de permanente construção.
A parte da Rua dos Bacuraus em que ficava a vila homônima
Maria Lúcia de Oliveira, doméstica de 55 anos, presidiu a associação de moradores da Vila Bacuraus e ainda vive na mesma casa que fazia parte da favela. Este ano, o candidato dela foi Kalil, que ela acredita ser “diferente. Os outros já estão há muito tempo, né. [Kalil] pra renovar”. Ela conta ter ajudado na campanha de muitos políticos, mas se desiludido ao longo do tempo. “Só não me arrependo de ter trabalhado pro Aécio”, afirma.
Ela reclama da situação da área em que vive. Aponta os postes de madeira do trecho de rua, inclusive um que está dentro da casa do irmão. Segundo ela, a Cemig cobra dos próprios moradores para que os postes sejam modernizados e colocados na beirada do passeio, como os demais do bairro. A reportagem procurou a Cemig, que respondeu que a padronização dos postes é de responsabilidade da Prefeitura, mas que as estruturas de madeira não comprometem a segurança e o fornecimento de energia.
Na calçada de casa, repleta de material de construção, ela conta: “A gente não pode fazer nada, porque a Prefeitura fala que já indenizou, que é dela. A gente vive na luta pra murar, ou cercar, e também não pode. Vem a polícia com o pessoal da Prefeitura, embarga. Ano passado já teve isso”. Ela garante que, assim que Kalil tomar posse, vai cobrar medidas de reparo na rua novamente.
A vizinha de Maria Lúcia, a aposentada de 73 anos Maria Aparecida, diz que há cerca de três anos precisou derrubar a garagem, construída para proteger o carro da filha, porque foi ameaçada pela Prefeitura de pagar multa pela construção no terreno.
Maria Aparecida, moradora do bairro desde a Vila Bacuraus: “O povo vê tanta coisa errada”
Ela não vota desde os 70 anos, idade em que o voto se torna facultativo, e não faz grandes apostas na escolha de quem continua votando. “Não tenho esperança, não”, diz, “Mas fazer o quê, vamos ver”.
Maria Lúcia conduz a reportagem à rua de cima, o Beco Tucano, que acredita ser um dos pontos mais problemáticos do bairro. “Continua sendo o Beco dos Papagaios”, diz, em referência ao nome da ruela na época em que ali era a Vila Bacuraus. “Continua um beco estreito, sem esgoto”.
O Beco Tucano, antigo Beco dos Papagaios, onde os moradores reclamam de falta de esgoto canalizado
Segundo moradores do beco, o esgoto passa de casa em casa antes de desembocar na rede da Copasa. A rede que interliga o sistema das casas, eles afirmam, foi construída com o dinheiro deles, além da taxa que pagam pelo esgoto todo mês. O trecho que ficou a cuidado da Copasa foi malfeito, apontam, e já apresenta sinais de deterioração.
Hélio Santos, morador do Beco Tucano, mostra a conta de água. A instalação da rede de esgoto da Copasa aparenta causar estragos no asfalto
A Copasa foi procurada pela reportagem, mas até o fechamento da matéria ainda não havia se pronunciado.
Hélio Santos, aposentado de 68 anos que vive e dirige uma pequena mercearia no beco, diz que vota enquanto tiver “perna e força”. “Não tem ninguém que você joga lá dentro que preste. Todos entram lá a fim de roubar a gente”, diz, sobre os políticos. Apesar de nenhum candidato ter agradado este ano, escolheu um deles na urna. “Branco, não. Dar viagem perdida? Ou tudo ou nada”.
Anselmo Paulo no Beco Tucano, em uma pausa da obra na casa da sogra
Anselmo Paulo, aposentado de 64 anos e vizinho de Hélio, também escolheu um candidato, embora contrariado. “Eu votei pra não votar em branco, mas benefício eu não espero, não”. A postura, porém, pode mudar nas próximas eleições: “Eu não tenho plano de votar mais, só se for um cara que eu conheça, que é lutador igual a mim, aí eu dou o meu voto sagrado. O cara pode não ganhar, mas aí eu sei que é um cara batalhador”.
Na parte alta do bairro, na mercearia de Roque e Marina, a conversa havia sido parecida. “É importante que a sociedade veja que político nenhum faz nada pra nós. Nós pagamos, eles só administram o nosso dinheiro”, ela disse, pouco antes de um cliente entrar na lojinha. “Eu gostaria que chegasse alguém para realmente olhar pra nós. Nós, que sustentamos o país, os trabalhadores honestos”.
Moro no bairro e consegui converter 7 votos nulos da minha rua para a candidata Áurea Carolina, mas no segundo turno não teve jeito, anulei com o 99 (será que tem como saber quantas pessoas votaram 99 Transite?).
Oi, Naiara. Atualizamos a matéria com uma lista de todas as porcentagens de votos nulos por bairros. Confere aqui! =)
Gente, que matéria ótima!