A cidade é feita por quem a vive. Conversamos com belo-horizontinos comuns para saber quem é a Belo Horizonte que eles ajudam a construir.
Por Marina Dayrell
Com o seu jeitinho de cidade do interior, mas com vontade de ser grande, há 116 anos Belo Horizonte se desenvolve como uma das principais capitais do Brasil.
Na bagagem, leva consigo uma infinidade de pessoas que nasceram aqui, que vieram de outros lugares, que se mudaram, que querem voltar, que não sentem falta, que a amam e que a odeiam. De alguma forma, todas elas tiveram as suas vidas marcadas por BH, e algumas dessas histórias elas compartilham comigo, com você e, principalmente, com a cidade.
Vida
Thamara Oliveira nasceu e morou em Belo Horizonte até os 12 anos, quando se mudou para Itaguara, junto com a mãe. Aos 19, voltou a morar na capital para fazer um cursinho preparatório para o vestibular. Hoje, aos 20, ainda reside em BH e estuda na UFMG.
Do interior, sente falta de poder ir a pé para todos os lugares, mas gosta do movimento da cidade, onde há um bilhão de coisas para fazer. E não só em relação aos bares, mas também aos cinemas, museus, parques e teatros.
A questão da mobilidade urbana a irrita bastante, e no momento mantém uma relação de ódio com o MOVE. A sua implantação, ao invés da ampliação do metrô, só faz sentido para as empresas de ônibus, que são as únicas que ganham com isso. O sistema não funciona direito e foi feito às pressas. O BRT eliminou várias linhas, que são até famosas na cidade, e fez um monte de gente que pegava um ônibus ter que pegar dois ou três. Para quem mora no Cidade Nova e estuda na Pampulha, conviver com o BRT é um exercício diário.
Apesar dos problemas, não se vê morando em outra cidade do Brasil. Ama BH. Cada lugar que você vai, encontra um conhecido: é difícil se sentir sozinha. Gosta do clima, das pessoas e dessa cara de cidade grande, ao mesmo tempo em que mantém um pezinho na roça. Conhece cada cantinho da capital como conhece o próprio quarto.
Do passado, sente falta das barraquinhas de camelô nas ruas do Centro. Lembra de assistir, junto com quase 80 mil pessoas no Mineirão, o Cruzeiro ser campeão da Copa do Brasil de 2003. Para o futuro, não imagina muitos avanços. Vê as pessoas cada vez mais estressadas, o espaço público mais restrito e a piora do trânsito. Se tivesse poder para fazer o quisesse, construíra um metrô subterrâneo tão eficiente quanto o de Nova York. Imagina que sonho?
Liberdade
Júnior, como é conhecido pelos amigos, morou em Belo Horizonte durante 23 anos, na Barragem Santa Lúcia e no Sion. Há oito anos não vê a capital. Hoje, seu lar temporário é em Nova Lima, em um dos presídios da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, a APAC.
Quando a mãe foi morar em Raposos, Junior tentou ir junto, mas não aguentou a tranquilidade do interior e voltou para BH. Para ele, a capital é a cidade coração, com todo o seu movimento intenso. Em qualquer lugar tem algo para fazer. Tem sempre uma balada, um restaurante, um Xico da Carne, um Xico do Churrasco, um Xico de alguma coisa.
Hoje, não conhece ainda as novas baladas, mas lembra que gostava de ir a lugares como o Café Cancun, o Mercado Central, o Hard Rock Café e a um restaurante japonês na Raja Gabaglia. Ali em frente ao prédio da TIM. Recorda de quando levava a filha aos parques Guanabara e Municipal e sente falta de ir até a Lagoa da Pampulha. Tem saudade do dia-a-dia da cidade, de ver a movimentação e até do trânsito. Sente falta de sair de manhã e ver todo mundo pegando o ônibus. Tem saudades de ver a cidade anoitecer. Quando ganhou liberdade temporária, pegou o carro de um amigo e rodou por grande parte de BH. Terminou a noite vendo a vista lá do Mirante do Mangabeiras. Sente falta da liberdade e do seu lugar favorito: o motel Forest Hills.
Na APAC ele ouve a rádio Alvorada e lê jornais e revistas. Por eles, sabe que a cidade tem mudado bastante e que o trânsito só piora. Ouviu falar que a Savassi está com outra cara. E tem certeza de que, quando terminar a sua pena, vai ficar perdido em BH. A memória que ele tinha foi apagada por todas as mudanças urbanas. Viu, em uma reportagem da VEJA, que existem novas baladas na cidade e que o Chalézinho mudou de lugar. De certeza, só que quando sair, vai morar na capital e jantar em um restaurante bacana.
Se pudesse mudar qualquer coisa, investiria em projetos sociais para crianças, adolescentes e menores infratores. Essas crianças precisam ser tiradas das ruas de BH para deixarem de ser testas de ferro para bandidos. Belo Horizonte também precisa de uma APAC e o governo tem que parar de dar apenas pão e circo. Para definir a cidade em apenas uma palavra, sem titubear, escolheria “Liberdade”.
Paixão
João Antônio Neto tem 61 anos e mora desde a adolescência em Belo Horizonte. Veio para a capital para estudar e nunca mais quis ir embora. Há alguns anos mora em São José da Lapa, mas vem à cidade todos os dias trabalhar como entregador.
Apaixonado por BH, sente saudades de morar na cidade. Apesar de ser do interior, não gosta do seu clima pacato. Já a capital é a paixão da sua vida. Mas nem tudo o agrada. O trânsito, por exemplo, incomoda demais. O odor da lagoa da Pampulha também está insuportável. Para ir lá, tem que tampar o nariz. João acha que o prefeito deveria passar mais vezes pela orla – mas não, ele só anda de helicóptero.
Quando olha para o passado, vê que muitas avenidas famosas mudaram. A Antônio Carlos melhorou demais. Tá muito bonita. Para ser perfeita, BH só precisava de uma praia. Mas, já que não tem como, fica com as visitas ao seu lugar favorito na cidade: a Praça do Papa. Daqui não sai de jeito nenhum, só se for para o cemitério.
Costume
Osvaldo Teixeira tem 72 anos e mora desde os 18 em Belo Horizonte. Nascido em Montes Claros, veio para a capital por causa do exército e nunca mais foi embora. Não sabe ao certo se gosta de morar aqui, mas já se acostumou.
Aposentado e atualmente vigia de carro na região do Funcionários, seus lugares favoritos na cidade são o Jardim Zoológico, o Parque Municipal e a Praça da Liberdade. Ele reconhece que hoje a praça está muito diferente do que era quando chegou à capital. Os bairros também mudaram bastante, e o número de prédios cresceu. Se lembra da obra que fizeram para fechar o Rio Arrudas. Cobriram a fatia que importava para o governo e deixaram as outras do mesmo jeito. O resto que se dane.
Daqui para frente, torce para que a cidade melhore.
História
Gabriela Filippo nasceu em São Paulo, mas há um ano e meio se mudou para Belo Horizonte para estudar na Universidade Federal de Minas Gerais. Quando chegou à capital mineira, se acostumou rápido com a cidade porque grande parte dos novos colegas de sala também é de outros lugares.
Ela sente muita falta do metrô paulistano, mas adora morar em BH, mesmo com os problemas de trânsito. Gosta bastante da pequenez da cidade, que a permite ir a vários lugares a pé. Outro ponto positivo são as praças, tão bonitas e agradáveis. Em São Paulo, não é costume se passar tempo em praças porque elas são sujas e feias. Um de seus lugares favoritos aqui é a Praça da Liberdade. Lá, você pode usufruir do tempo de várias maneiras, desde sentar e observar o movimento até praticar algum esporte.
Quando chegou à BH, a Avenida Antônio Carlos ainda não estava em obras, mas, um tempo depois, começou a construção do BRT. Naquela época, não entendia ao certo a proposta do empreendimento. Achava que as estações no corredor dos ônibus eram apenas um ponto mais moderno. Em sua primeira semana na cidade, queria pegar um ônibus para ir ao Centro e acabou errando o sentido da linha. Como resultado, foi parar em Venda Nova.
Sem conhecer a cidade, não imaginava que fosse gostar tanto de morar nela. Define BH como “História”, por causa de sua arquitetura antiga e conservada. Por ela, sente bastante carinho e afirma: isso de Belo Horizonte ser uma roça é mentira.