Frequentes em aulas, festas, centros de convivência e restaurantes universitários, cachorros abandonados que vivem pelos campi da UFMG integram a comunidade universitária
Por João Pedro Alcântara
Nos meses que seguiram após o retorno das atividades presenciais na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, foi possível perceber um aumento preocupante de cachorros abandonados vivendo no campus Pampulha. Por ser um local aberto e de grande extensão, é comum o trânsito de diversos tipos de animais, sejam eles domésticos ou silvestres, nas imediações do campus.
A médica veterinária residente em saúde pública na UFMG, encarregada do manejo e adoção de cães e gatos da ONG Adote Um Focinho – organização responsável pelo cuidado dos animais nos campi -, Camila Siqueira revela haver um registro da entrada de animais abandonados, e que atualmente habitam o campus Pampulha 15 cães. Esse número permite dimensionar a questão para discuti-la.
Diariamente em suas rotinas, a comunidade universitária convive e interage com esses cachorros. Até onde permite a palavra, pode-se dizer que os cãezinhos foram acolhidos pela comunidade. Não é incomum encontrar um certo cão, batizado de “Xerife” pelos estudantes, vagando entre as mesas do Restaurante Universitário I no horário em que é servida a janta. Da mesma forma, é corriqueira a presença do cachorro Banzé em diferentes aulas, nos mais diferentes horários.
O convívio com os cães não ocorre apenas de forma presencial e direta. Os universitários tratam de compartilhar nas redes sociais as aparições e interações com essas celebridades da UFMG. Para além da presença constante na página do Instagram de mensagens anônimas, “Spotted UFMG”, foi criado na mesma rede social o perfil “Banzé Dogs”, com o objetivo, segundo seus criadores, de ajudar a “reduzir o estresse dos amigos estudantes” por meio da postagem de fotos e vídeos dos cachorros.
Mas, apesar das doses diárias de fofura e da “terapia canina”, responsável por aliviar o estresse da rotina acadêmica, é necessário indagar se a comunidade universitária, em número significante, está ciente da situação desses cães para além do superficial dos contatos e interações esporádicas e fluidas do cotidiano.
Ainda que acolhidos pela comunidade universitária, é importante sempre ressaltar sua verdadeira condição, a de abandono. Os cachorros que hoje habitam o campus estão ali porque foram abandonados por alguém nas imediações da universidade, ou estando em prévia situação de abandono, de alguma forma chegaram até o campus.
Nesse cenário, Camila esclarece quais são as medidas tomadas em relação aos animais abandonados que adentram os campi. “Os registros de entrada dos animais são feitos pelas unidades do campus em que eles apareceram pela primeira vez e em quais condições, e reportadas à comissão de registro e manejo. Em caso de abandono é feita a tentativa de identificação do responsável, através de testemunhas e câmeras de vigilância, além da abertura de boletim de ocorrência”.
Lembrando que o abandono de animais é enquadrado como maus-tratos, e consequentemente crime pelo Art. 32, da Lei Federal nº. 9.605, de 12.02.1998 (Lei de Crimes Ambientais) e pela Constituição Federal Brasileira, de 05 de outubro de 1988. Caso presencie qualquer tipo de maus-tratos, não se omita e denuncie. As denúncias devem ser feitas para o órgão competente de seu município. No caso de Belo Horizonte, podem ser feitas para a policia civil através do número do Disque-Denúncia, 181.
Visando lidar com as questões ligadas a maus-tratos e abandono de animais nos campi, a UFMG instituiu, por meio da Portaria N.º 174, de 8 de Julho de 2019, a Comissão Permanente de Política de Animais nos Campi. Em matéria referente a criação da comissão, noticiada no portal de notícias da UFMG em 24 de julho de 2019, o ex-presidente da comissão – na época integrante do Departamento de História da FAFICH, mas agora aposentado -, professor Luiz Carlos Villalta, pontuou os objetivos da iniciativa.
“As primeiras iniciativas serão educativas. A comunidade que frequenta os campi precisa internalizar que não se deve alimentar os animais, por exemplo. As espécies silvestres, como os micos e aves, devem procurar seu próprio alimento na natureza. Já os domésticos são alimentados por profissionais designados, que fornecem ração apropriada […] queremos coibir práticas criminosas. Reforçamos que os campi não são ambientes adequados para animais domésticos”.
Diante disso, Camila reforça a posição da universidade e a atuação da comissão para com os diversos cuidados necessários aos animais dos campi. “A UFMG, através da Comissão Permanente de Animais nos Campi, executa uma política de manejo ético populacional de cães e gatos e vigilância da fauna silvestre. A universidade julga ser fundamental conscientizar, sensibilizar e mobilizar a comunidade acadêmica e a comunidade externa à UFMG em relação ao problema de abandono de animais, que é uma via importante de entrada para os animais presentes na universidade”.
Ao contrário de uma primeira e suposta visão, na qual se imagina que os cachorros habitantes dos campi estão em uma situação completa de abandono, sem nenhum acompanhamento que contemple sua saúde, higiene e alimentação, tanto a comissão quanto a ONG Adote Um Focinho, por meio da Escola de Veterinária da UFMG, realizam essas medidas de cuidado e monitoramento.
Camila explica de que forma esse acompanhamento é realizado. “Há cuidadores nomeados e voluntários nas unidades que são responsáveis pelos cuidados básicos e alimentação e reportam à comissão necessidades específicas dos animais. Além disso, toda a comunidade é estimulada a enviar informações sobre os animais”.
Ainda que os cachorros que habitam os campi proporcionem alegria diária e reduzam o estresse da comunidade universitária, e por melhor que seja o acompanhamento veterinário recebido por eles, suas vidas seriam melhores se eles tivessem um tutor de verdade, e realmente vivessem sob um único teto, e não na imensidão cheia de risco dos campi.
A partir dessa noção, a Comissão Permanente de Política de Animais nos Campi, a ONG Adote um Focinho, e as páginas Spotted UFMG e BanzeDogs – por meio da divulgação -, se empenham e mobilizam em campanhas de adoção responsável para proporcionar uma vida melhor a esses animaizinhos.
Frequentemente essas campanhas são promovidas dentro e fora da universidade, e com ajuda da comunidade universitária, elas podem ser ampliadas e divulgadas para obterem um alcance maior. A ONG Adote um Focinho criou um portfólio de animais para adoção. O documento é constantemente atualizado para auxiliar e facilitar as campanhas, e pode ser encontrado no Instagram da organização.
Em fevereiro deste ano, um dos queridinhos da UFMG, o cachorro Machado, estudioso e frequentador assíduo de várias aulas – chegando até mesmo a receber um diploma não oficial dos estudantes, foi adotado através das campanhas de adoção.
Vale lembrar que para aqueles que não possam adotar, a ONG informa que há outras formas de ajudar, como: Apadrinhamento; Escala de passeios; Dando amor e carinho; Compra de Ração e medicamento; Oferecendo Lar Temporário para animais no pós castração ou durante determinado período. Para ajudar, entre em contato com a ONG através do número (31) 98806-7262, ou através do perfil @adoteumfocinho no Instagram.
A comunidade universitária pode compensar toda a alegria e divertimento que recebem dos cachorros abandonados da UFMG, por meio da ajuda nas campanhas de adoção, bem como seguindo as recomendações propostas pela comissão e pela ONG Adote Um Focinho. Apesar de “adotados” pelos estudantes, assim como o Machado, os outros cãezinhos também merecem um lar para receberem o cuidado e carinho que merecem.