Em terras mineiras, o cafezinho é como um colega de sala para os universitários
Por Laura Torres e Milena Rago

Se Minas Gerais fosse um país, seria o maior produtor de café do mundo. Como o maior do Brasil, o estado produziu 29,2 milhões de sacas de 60 kg de café na safra de 2023/2024, representando 50,2% da produção nacional, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Dessa forma, Minas abastece o planeta, sendo responsável por uma em cada quatro xícaras produzidas. É por isso que, nessa região, o café não é apenas uma bebida: é um patrimônio. Além da importância econômica, também representa afeto, tradição e, claro, sobrevivência acadêmica.
Dentro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa cultura não poderia ser diferente. O cafezinho, como é carinhosamente chamado pelos mineiros, ocupa um local de destaque no dia a dia de quem frequenta esse espaço. Donizete Pereira de Souza, de 27 anos, é aluno do curso de Engenharia de Minas da UFMG e bebe até 6 xícaras por dia. Segundo ele, são duas xícaras na parte da manhã e mais quatro na parte da tarde. Esse alto consumo é uma característica que pode ser percebida em toda a população brasileira. De acordo com uma pesquisa da Embrapa, o café é a segunda bebida mais consumida do Brasil, perdendo somente para a água.
O fechamento de cantinas
Nos últimos meses, alguns contratos de licitação do serviço de cantinas na faculdade venceram. Como consequência, muitas foram fechadas e a rotina dos estudantes foi extremamente afetada. O impacto social da ausência da cantina da Faculdade de Letras (FALE), por exemplo, levou os próprios frequentadores a organizarem diferentes alternativas para manter o café circulando nessa região do Campus Pampulha. Uma delas foi a criação de um grupo na plataforma WhatsApp para a compra e venda de comida, chamado de “Lanches FALE” e organizado pelo Diretório Acadêmico do prédio.

Assim, garrafas compartilhadas entre os próprios estudantes para manter o copinho de todos abastecido mostram como o grão realmente representa essa comunidade. Nesse contexto, João Pedro Ribeiro, 21 anos, aluno de Jornalismo e consumidor diário da bebida, opina sobre o fechamento da cantina. “Está prejudicando muito o nosso cotidiano, mas pelo menos ainda temos a [cantina] da Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) em último caso. Como só estou na faculdade à noite, tenho evitado consumir café de qualquer maneira nesse horário. No entanto, em casos de necessidade, acaba afetando meu planejamento. Nesse sentido, a abertura de cantinas populares, como a do CAD 2, são indispensáveis para preencher lacunas que a instituição acaba deixando”, diz.
Porém, o impacto não se restringe aos prédios com cantinas fechadas. Aqueles em que a lanchonete permanece aberta também foram prejudicados. Donizete, que frequenta a cantina da Engenharia, relata que as filas estão gigantescas. Isso muda a rotina de todos e, consequentemente, o consumo de café. “Entre o turno da manhã e o da noite, a diferença na experiência universitária não está apenas no tempo reservado às aulas. Enquanto os estudantes da manhã tomam café para conseguir começar o dia, os da noite o tomam para conseguir continuar e vencer o cansaço das horas de trabalho ou estudo”, reflete João.
Além disso, Donizete percebe que um dos fatores influenciadores na quantidade consumida é o nível de estresse em que está no momento. Ele declara que essa é uma motivação importante para tomar a bebida. “Antigamente, eu só bebia porque era muito gostoso; hoje em dia, tomo mais pela energia fornecida pelo café e também para ajudar contra o sono, já que durmo pouco”, relata.

Dá pra substituir?
Pensando que uma das maiores motivações para os estudantes consumirem café é a energia e o alívio do sono, é de se imaginar que outras bebidas energéticas também cumpram esse papel. Entretanto, não é o que acontece. Donizete relata que até consome, mas não no dia a dia. Ribeiro completa afirmando que também as bebe, mas com baixíssima frequência.
No âmbito das vendas, é possível perceber que essa ainda é a bebida que mais está presente na rotina dos estudantes. Isso pode ser visto no fato de que, nas cantinas alternativas, as bebidas energéticas não estão presentes nos cardápios. Contudo, as empresas que comercializam energéticos não pensam assim. “O público universitário é um grande consumidor de bebidas energéticas pelo fator marketing dessas bebidas e pela necessidade da rotina voltada para estudo, trabalho, festas e esportes”, de acordo com um funcionário da Red Bull.
Na visão dele, a marca acredita que todos os produtos cafeinados (sejam bebidas ou comidas) são possíveis concorrentes. Ele conclui: “Existe uma pauta de prioridade naquilo que é um concorrente mais direto, mas a marca acredita que todos os produtos cafeinados são concorrentes”. Apesar da popularidade de bebidas energéticas industrializadas, como a própria Red Bull, o café ainda permanece como a escolha principal entre os estudantes da Fafich. Para muitos, isso ocorre por ser uma opção mais barata e uma alternativa menos danosa à saúde.

Ao comparar as informações nutricionais do café preto (sem açúcar) e um energético comum, a diferença é gritante. O energético tem mais calorias, principalmente por causa do açúcar. Enquanto isso, a quantidade de cafeína é semelhante. Ademais, de acordo com o Ministério da Saúde, o café tem antioxidantes naturais que fazem bem para a saúde cardiovascular. Dessa forma, quando consumido sem ou com pouco açúcar, o café é menos prejudicial, principalmente por não possuir aditivos artificiais. Além disso, uma bebida energética não tem o mesmo valor afetivo e nostálgico do que o cafezinho, que é tão tradicional. E, para quem mora no estado, essa é uma característica essencial.
Firme e forte
É notável que essa bebida já é parte essencial da rotina dos mineiros, e no ambiente universitário não poderia ser diferente. Além de estimular a concentração ou se manifestar como um aliado na luta contra o sono, a “hora do café” já se tornou um ritual na rotina de todo brasileiro.
Um estudo da Unifal-MG aponta que consumidores relacionam o café com lembranças e emoções positivas. A experiência de Donizete vai ao encontro disso. Para o estudante: “Café é combustível e também é vida. O sabor me lembra de momentos bons que já passei e de boas fases da minha trajetória, tanto pessoal quanto acadêmica”.
*Reportagem produzida na disciplina de “Laboratório de produção de reportagem” sob a supervisão de Dayane do Carmo Barretos.