Conciliar um curso de graduação com a maternidade pode ser um grande desafio, principalmente se a instituição não fornecer condições mínimas para a manutenção dessas pessoas durante esse período
Por Carolina Cerqueira e Rafael Silva
“Tive que ouvir da coordenadora do meu curso que como eu havia escolhido ser mãe, a faculdade não era mais o meu lugar, que não era mais a minha preocupação, que agora, eu deveria ser exclusivamente mãe. Naquele momento as lágrimas escorreram, porque ser mãe não me exclui de todas as outras coisas, sabe?” Priscila Viana, de 32 anos e aluna do sétimo período de Medicina, relembra assim a falta de apoio que teve quando optou por ser mãe durante o início do curso na Universidade Federal de Minas Gerais.
O ambiente universitário tradicionalmente é pensado para pessoas jovens solteiras e sem filhos, tornando-o desafiador para aquelas que necessitam conciliar as responsabilidades dos estudos com as de suas crianças ou uma possível gestação. As políticas institucionais e o suporte oferecido a esses estudantes ainda são muito limitados e falhos, o que resulta em consequências negativas no decorrer do percurso estudantil das mães na criação de seus filhos.
A prática de conciliar maternidade e graduação
Para Priscila Viana, a decisão de ter filhos durante o curso trouxe desafios significativos para sua trajetória acadêmica. Ela engravidou aos 30 anos, enquanto cursava o terceiro período de medicina. A notícia da gravidez trouxe alegria, mas também uma série de preocupações relacionadas à continuidade dos estudos. “Eu voltei de férias grávida e, quando comecei o terceiro período, já estava com um ou dois meses de gestação. Tive meu bebê no meio do quarto período, e foi uma loucura.”
O curso de medicina, seja na UFMG ou em qualquer outra instituição, é um curso tradicionalmente exigente em termos de carga horária, que necessita de seus alunos quase que o tempo integral dedicados a estudos. “Muitos professores do curso falam que o curso de medicina é ciumento, ele não quer que você tenha outras coisas na sua vida além dela, sabe?”, relata Priscila sobre o comentário frequente ouvido pelos professores na sala de aula.
Durante o quarto período, a aluna enfrentou desafios em disciplinas práticas, como anatomia, realizadas em ambientes insalubres. Ela descreve essa fase como a mais desafiadora de sua gestação, embora tenha tido uma gravidez tranquila e sem complicações maiores.
Priscila buscou auxílio junto à universidade para obter uma licença especial que permitisse concluir o período em casa, após o nascimento do filho. No entanto, essa solicitação foi negada, obrigando-a a retornar às aulas poucos dias depois da cesárea. “Dois dias antes de ganhar meu filho eu tive prova, e dez dias depois tive que retornar porque não podia faltar às aulas.”
Essa falta de flexibilidade trouxe impactos significativos em sua relação com o recém-nascido, já que ela não tinha tempo para amamentar. Outro grande obstáculo foi a falta de infraestrutura da faculdade para as mães. Priscila relata ter precisado trocar a fralda do filho no chão por falta de trocadores e destaca a ausência de qualquer estrutura voltada para mães e bebês. “O prédio de medicina não foi pensado para mães. Não há trocadores, lugares para amamentar ou esquentar uma comida. É um ambiente totalmente adulto.”
Apesar dos desafios, a futura médica destaca o papel fundamental dos familiares e amigos, que a ajudaram a conciliar a maternidade com os estudos.
A rede de apoio é fundamental para que alunas como Priscilla, quando não tem seus direitos resguardados, possam recorrer para que o crescimento e desenvolvimento da criança seja saudável, o que infelizmente, não é o caso de todos.
Jéssica Camila de Oliveira Gonçalves, aluna do curso de psicologia e mãe de dois filhos, compartilhou como foi sua experiência de gravidez durante a graduação na UFMG. Atualmente com 31 anos, ela conta que teve seu primeiro filho aos 24, e o segundo durante a pandemia, enfrentando desafios significativos que incluíram desde o regime especial de estudos até a necessidade de levar seus filhos para a universidade.
Créditos: Jéssica Camila Gonçalves
Quando estava grávida de seu primeiro filho, Jéssica enfrentou dificuldades para seguir com os estudos. “No final de 2016, eu mal cabia na carteira da faculdade, precisei solicitar o Regime Especial logo no início do semestre por questões de saúde relacionadas à gestação. O regime foi confuso, alguns professores optaram por não me dar atividades adaptadas e solicitaram o trancamento parcial de suas matérias por mim.” Eventualmente, ela decidiu trancar totalmente o curso e só retornou após um ano.
Já durante a segunda gestação, que ocorreu em plena pandemia, ela conseguiu continuar estudando e estagiando graças ao ensino remoto emergencial. No entanto, o segundo semestre de 2022, com os dois filhos pequenos em casa e as demandas da graduação,ela conta que o processo foi desafiador: “eu acabei não dando conta e tranquei novamente o curso, só retornando quando meus filhos já estavam vacinados contra a COVID-19.”
Além das dificuldades de conciliar a maternidade com os estudos, Jéssica conta também dos desafios que já enfrentou na universidade. “Os maiores constrangimentos que já passei levando meus filhos foram por causa da estrutura física e de outros alunos. Trocar fraldas em bancos de concreto ou lidar com alunos que reclamavam do barulho das crianças foram algumas das situações que me marcaram.”
Embora a FUMP tenha prestado assistência financeira e apoio psicológico, a aluna do décimo período de psicologia sente que ainda há muito a ser feito para mães estudantes na UFMG.
Para ela é necessário algumas adaptações na infraestrutura dos campus, como espaços familiares e brinquedotecas, além da inclusão de dependentes na assistência estudantil, oferecendo-lhes acesso aos Restaurantes Universitários, consultas médicas, odontológicas e psicológicas. “Se eu pudesse mudar algo na UFMG para que o ambiente fosse mais inclusivo para as mães, começaria por essas adaptações”, conclui.
A estudante Victoria Joyce de Araújo Ferreira, de 26 anos, entrou na UFMG para fazer pedagogia no primeiro semestre de 2024. Ela passou o primeiro período conciliando a rotina acadêmica com a gestação dos seus gêmeos e relatou as dificuldades enfrentadas no decorrer desse seu início como aluna da instituição.
“A estrutura da faculdade não está preparada para receber gestantes. A começar pelas carteiras da sala, que eu já não estava cabendo mais, e com os bebês ficaria inviável também, porque na faculdade não tem um espaço próprio, por exemplo, para amamentação. A UFMG não fornece esse suporte.”
Créditos: Victoria Joyce
A experiência da graduação não é novidade para a aluna. Ela se formou em letras pela UNIBH e contou como tem lidado com esses diferentes cenários no decorrer da sua segunda formação. “A maior dificuldade acredito que não seja a faculdade em si, mas conciliar ela com o trabalho integral e a gestação. Eu trabalhei de forma presencial até o sétimo mês e ia pra faculdade todos os dias depois do trabalho. Já tive essa experiência na minha outra graduação, conciliar trabalho com o curso, e era bem cansativo, mas voltar a essa rotina gestando foi bem pior no quesito cansaço. Consultas, exames e ainda os trabalhos da faculdade, tem sido tudo bem corrido, especialmente agora nessa fase final de preparos para a chegada dos bebês.”
Legislação e os posicionamentos das instituições:
A reportagem buscou o Diretório Central dos Estudantes (DCE) para entender como era feito o auxílio a esse grupo de estudantes, que informou que o órgão auxilia todos os estudantes que procuram a gestão, seja nos trâmites ligados ao colegiado ou a diretoria, seja nos fatos mais cotidianos e corriqueiros.
“Além disso, fazemos a busca ativa de estudantes cujos casos chegam ao nosso conhecimento. A nossa função é atuar junto aos CAs e aos DAs para garantir os direitos não só das estudantes mães e /ou tutores solo na Universidade”, afirma Jéssica Camila.
Em contrapartida
Vitória e Priscila contam que não buscaram ajuda com o DCE ou nenhum outro coletivo. Já Jéssica Camila procurou ajuda do DCE logo no retorno às aulas após o período de dois anos de pandemia.
“No retorno precoce presencial da UFMG, eu busquei ajuda do DCE para que fosse verificada a manutenção do remoto para grupos de risco (já que tanto eu quanto meus filhos pertencíamos ao grupo de risco) e a resposta que obtive deles foi de que naquele momento eles tinham outras prioridades e que os alunos precisavam do retorno presencial para conviverem e por questões de saúde mental. Eu me senti negligenciada pelo DCE naquele momento e mantive meu trancamento total até que meus filhos tivessem acesso à vacina” explica Jéssica.
No que se refere à estrutura da UFMG, as queixas são semelhantes: a instituição não está preparada para recepcionar as mães com suas crianças ou receber pessoas que gestam. A mesma Universidade que apresenta projetos muito interessantes sobre o universo da maternidade, é a mesma que não fornece uma estrutura mínima para recepcionar quem faz parte desse grupo.
Mesmo realizando campanhas sobre a importância do aleitamento materno, não oferece um espaço para mães amamentarem suas crianças sem passar por quaisquer constrangimentos ou uma estrutura adequada para que as pessoas que gestam tenham conforto dentro das salas de aula.
No Brasil, existem algumas leis e normativas que protegem e garantem direitos para estudantes grávidas e mães durante a graduação, sendo as principais: a lei de diretrizes e bases da educação de número 9.394/1996, artigo 53 que diz que as universidades podem e devem adotar normas internas – com base na LDB – para atender às necessidades de estudantes grávidas e mães.
O outro artigo é o 24, que assegura aos alunos com necessidades de apoio educacional especializado, incluindo grávidas e mães, adaptações na grade curricular para seu melhor aproveitamento acadêmico.
Essas legislações e normas garantem que estudantes grávidas e mães tenham direitos resguardados, promovendo a continuidade dos estudos e a inclusão em ambientes universitários.
A UFMG conta com departamentos específicos que visam prestar apoio a alunos de baixa renda ou que apresentam alguma deficiência ou outros casos. No caso de pessoas grávidas ou mães, existem setores como a Fundação Gomes Pimentel (FUMP) e a ProGrad.
De acordo com a FUMP, a instituição acolhe mais de 3 mil estudantes da UFMG, e dentre eles, cerca de 287 se identificam como mães. Esse grupo, segundo a entidade, é prioridade na hora de acesso às Políticas de Permanência e Assistência Estudantil. De forma que elas podem realizar o acúmulo de bolsas, como: Auxílio Transporte (AT), Auxílio a Estudantes com Filhos (AEF), integral e Auxílio Manutenção integral AM).
O auxílio a estudantes com filhos tem o valor de R$ 200,00 e são destinadas para aqueles que sejam comprovadamente classificados nos níveis I, II e III, que necessitam de apoio financeiro para garantir o cuidado educacional de seus filhos com idade entre 0 a 5 anos e 11 meses, enquanto frequentam as atividades acadêmicas.
A mãe que visa conciliar a rotina acadêmica com a maternidade, e muitas vezes não tem com quem deixar as suas crianças, pode escolher deixá-los em creches da região em que reside ou dentro da própria UFMG.
Dentro do campus Pampulha há a EMEI Alaíde Lisboa, que atende crianças no período integral ou parcial a partir de 0 a 5 anos de filhos ou crianças sob guarda legal de integrantes da comunidade universitária (inclusos docentes, discentes e servidores técnico-administrativos em educação).
Para concorrer a uma vaga é necessário preencher um formulário disponibilizado pela Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) e realizar o envio dos documentos solicitados.
Segundo o edital, (norma 1.7) para as vagas do próximo ano, poderão ser matriculadas crianças já nascidas e contempladas com vagas que estiverem com 4 meses completos até 1/2/2025.
A quantidade de vagas é dividida por faixa etária, e é divulgado apenas no momento do sorteio, que é realizado de forma virtual no canal do Youtube do CAC/UFMG. Ao decorrer do ano, são disponibilizadas listas de espera para os diferentes blocos de vagas e as quantidades variam entre 3 a 5 por bloco.
Pessoas em situação de vulnerabilidade não têm preferência na obtenção de vagas nas instituições de ensino básico dentro do campus. Com isso, é possível observar que as alunas não têm a garantia que conseguirão matricular seus filhos na escola, tendo que optar por vezes, por creches particulares.
Em pesquisa divulgada pelo jornal O Tempo, consta que a média no valor das creches pode variar entre 250 a 450 reais, ultrapassando os 200 reais do auxílio a estudantes com filhos disponibilizado pela FUMP.
Os gastos financeiros de se ter uma criança não ficam restritos apenas ao ensino, mas também a alimentação, vestuário e produtos de higiene infantil, seja fraldas, shampoos e sabonetes específicos para crianças.
A Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), tem como responsabilidade elaborar, coordenar e avaliar as políticas que contribuem para a permanência e o percurso acadêmico dos estudantes, segundo os princípios de igualdade, oportunidades e equidade de direitos na instituição.
Os grupos de acolhimento são outra alternativa para que essas alunas consigam apoio, sendo espaços onde os alunos podem compartilhar suas dificuldades e experiências em um ambiente seguro.
Mas para a parcela que prefere ter uma gestação longe da sala de aula e para que estejam presentes nos primeiros meses da vida do recém-nascido, existe a opção de Regime Especial.
A partir do oitavo mês de gravidez e nos três meses após o parto é permitido solicitar que as atividades acadêmicas sejam realizadas em casa, com a flexibilidade de prazos e avaliações. As faltas durante esse período são justificadas, e o retorno às aulas pode incluir novas adaptações, garantindo que a maternidade não interrompa sua formação. Para solicitar o regime, a aluna deve apresentar atestado médico à coordenação do curso e os professores das matérias que a aluna esteja matriculada devem concordar com essas normas. Caso o professor não libere a aula, só resta a opção do trancamento da disciplina.
Moradia estudantil
As moradias universitárias são indispensáveis para que não haja uma grande evasão estudantil. Uma parte dos discentes que vêm de locais distantes da universidade e não tem condições de pagar um lugar para morar, são contemplados com um lar até o fim da sua graduação.
O lugar que é destinado ao acolhimento de alunos, ainda não apresenta um local específico para pessoas com filhos. Com isso, caso uma pessoa venha a engravidar residindo nas moradias universitárias, ela é retirada desses espaços.
A reportagem questionou a FUMP e o PRAE para entender mais a respeito dessa política.
De acordo com a FUMP “o atual contexto das moradias universitárias não contempla as condições de infraestrutura para o acolhimento de crianças, tampouco há arcabouço legal devidamente constituído e suficiente para esta acolhida de crianças neste espaço institucional”.
Já o PRAE nos informou que “assim como outros órgãos correlatos de outras universidades, tem batalhado junto ao MEC recursos para criação, ampliação e adaptação das moradias para que satisfaçam as necessidades das mães estudantes e gestantes.”
A questão referente às moradias nas universidades federais ainda é algo que anda em passos bem lentos. É possível observar a tentativa de balanceio a partir da promoção de auxílios estudantis, seja os de creche, moradia e demais que busquem a manutenção dos estudantes que conciliam o cuidado com a família e a faculdade.