Visitamos um mosteiro de carmelitas descalças e conversamos com algumas monjas para entender como é viver em clausura no século XXI.
Em uma rua residencial do bairro Monsenhor Messias, a Desembargador Tinoco, um tipo diferente de casa chama a atenção, já que ostenta uma capela na entrada. É o mosteiro Carmelo Nossa Senhora Aparecida, lar de 14 monjas que vivem em clausura. Isso significa uma vida dedicada inteiramente à oração em vida monástica.
Quando chegamos ao Carmelo, a missa diária das 7h, aberta ao público, já havia terminado há algum tempo. O clima era de calmaria já nos jardins discretos, mas bem-cuidados, em frente à capela, e essa calma nos seguiu durante toda a visita.
O único momento em que vimos uma irmã fora da moldura de grades foi quando cumprimentamos uma monja que era conduzida ao dentista por uma amiga. No hall, a jovem irmã que nos recebeu pela portinhola gradeada de uma porta de madeira pediu com timidez, mas alguma animação, que aguardássemos pela Irmã Maria Aparecida, com quem poderíamos conversar por mais tempo. Ela se referiu a nós, dois meninos de vinte anos vestindo calças jeans, como “senhores”.
Sala de visitas
O final do ano é um período de especial meditação no mosteiro, pois ele marca o Advento, época que precede a comemoração do Natal. Receber-nos a esta altura do ano foi uma exceção. Algumas das irmãs apostam em um dos grandes valores tanto do cristianismo quanto do jornalismo, o ato de fazer o testemunho, ou seja, divulgar informações, e por isso ficaram felizes em abrir para nós as portas do Carmelo.
O parlatório é onde acontecem as conversas entre as irmãs e os visitantes do mosteiro. Uma pequena parede com grades de ferro divide o amplo cômodo em dois. A princípio, uma cortina pesada nos impedia de ver a outra metade do quarto. Na metade destinada às visitas, a mesma simplicidade bem organizada que encontramos no hall: um armário com portas de vidro em que se via o artesanato produzido pela monjas, uma bíblia aberta, o retrato do Papa João Paulo II na parede e meia dúzia de cadeiras antigas que se vê em antiquários.
O som de trancas sendo abertas anunciou a chegada da Irmã Maria Aparecida. Rapidamente ela diminuiu o clima de seriedade do cômodo abrindo as cortinas e distribuindo um sorriso simpático. Logo chegou também a Irmã Maria das Graças. Todos os cumprimentos tiveram de ser arranjados através das grades.
Entre o hábito marrom-escuro e o véu negro, apenas o rosto das monjas fica visível, e é nele, portanto, que fica marcada a expressividade das irmãs nas poucas vezes em que conversam. Elas têm apenas duas horas diárias e os domingos de livre socialização entre si, que chamam de “recreio”. Fora desse horário, restringem as palavras ao mais essencial, como a orientação para execução de alguma tarefa.
A Irmã Maria Aparecida vive no Carmelo há 37 anos. Hoje ela tem quase 60, idade que os olhos verdes detrás dos óculos, cercados por pouquíssimas rugas e animados por uma fala doce, mas enérgica, jamais denunciariam. A Irmã Maria das Graças, 41 anos, vive no mosteiro há menos tempo, uma década. Ela fala clara e articuladamente, detendo os olhos castanhos no interlocutor com segurança por alguns segundos, mas desviando-os logo em seguida. Elas brincam que, apesar de serem da Ordem das Carmelitas Descalças, estão sempre calçadas com uma sandália.
A vida antes do hábito
Quando escolhem a vida monástica, as mulheres geralmente assumem um nome diferente do registro civil. A Irmã Maria Aparecida não precisou fazer a mudança, já que foi batizada com um nome acentuadamente cristão. O nome que consta na identidade da Irmã Maria das Graças, por sua vez, é Idelazir. Essa troca assinala a desconstrução da vida anterior ao mosteiro, a fim de se construir dentro dele uma nova realidade. Além do novo nome, cada monja é reconhecida pelas irmãs no mosteiro pelo toque de um sininho, único para cada uma.
A vida da Irmã Maria Aparecida sempre esteve próxima da Ordem do Carmelo. Na rua da casa onde ela cresceu, na cidade mineira Três Pontas, existia um mosteiro que lhe encantou desde a infância. Inicialmente, a família não aprovou a decisão da jovem de 20 anos de se tornar monja, e Aparecida passou três anos sem ouvir palavra da mãe, que encarou a decisão do modo que é comum em muitas famílias de irmãs: como uma perda.
As relações familiares foram reatadas ao longo do tempo, mas as visitas que Irmã Maria Aparecida faz aos parentes, geralmente permitidas em períodos de luto, continuam a terminar em pedidos de que ela fique mais um pouco.
Quando atendia apenas por Idelazir – nome por que sua família ainda a chama -, a Irmã Maria das Graças passou muito tempo sem sequer pensar na possibilidade de um dia se tornar monja. Frequentava a igreja, mas não havia encontrado a vocação cristã para o confinamento. Foi após o término de um namoro que se entregou mais às atividades de sua paróquia, em Goiás. Integrou-se cada vez mais à Igreja, até ser notada pelo pároco responsável pela comunidade, que sugeriu que procurasse alguns mosteiros para ver se aquela vida lhe agradava.
E agradou. Primeiro, ela tentou vaga em um mosteiro de Brasília, mas ele já estava cheio demais. Foi quando descobriu o Carmelo Nossa Senhora Aparecida que encontrou o novo lar para a vida toda.
Cada irmã chegou ao Carmelo de uma maneira diferente. A descoberta da vocação não segue regras e não está associada a um só tipo de pessoa. A Irmã Maria Aparecida rememorou, por exemplo, a história de uma monja que, sob o nome de Lavínia Guimarães, foi esposa de um embaixador com quem viveu em condições luxuosas em cidades do mundo inteiro. Após tornar-se viúva, decidiu seguir a vida monástica e doou todos os seus muitos bens para a Igreja, a qual integrou como Irmã Maria da Encarnação.
A rotina entre os muros
No Carmelo Nossa Senhora Aparecida, as tarefas são distribuídas entre as monjas semestralmente. Assim, todas acabam cuidando igualmente da portaria, da cozinha etc. O dia delas começa antes do amanhecer e às 7h acompanham uma missa aberta ao público, seguida pelo café da manhã e uma caminhada pela área do próprio mosteiro, que ocupa um espaço relativamente grande no quarteirão. Ainda que restringida a muros, a vida das irmãs desse Carmelo não carece de natureza e espaço para espairecer, segundo a Irmã Maria das Graças.
Há apenas duas horas no dia que são reservadas para o convívio e a conversação. Durante o restante do dia, as irmãs são bastante reservadas e se dedicam à reflexão, à oração e à execução de suas tarefas de casa. “(Nos recreios) costumamos discutir muito atualidades. Nós não assistimos televisão, mas assinamos o jornal Estado de Minas. […] Também assinamos revistas religiosas, que ficam na sala de espera. […] Somos muito próximas, então também falamos sobre nossos problemas familiares.”, contou a Irmã Maria Aparecida.
A maior parte do contato com seus familiares e amigos se dá através de troca de cartas, além das visitas periódicas. Quando as famílias chegam ao Carmelo, encontram-se com as filhas, netas, irmãs no mesmo parlatório em que fomos recebidos, sob a barreira das grades. Elas só não são suficientes para conter os bebês, que acabam passando para o outro lado para receberem um eventual e rápido colo das monjas.
Atualmente, há computadores no Carmelo com acesso à internet usados exclusivamente para trabalho e demandas do mosteiro, segundo as irmãs. As compras do sacolão, por exemplo, são feitas online no site de um mercado do bairro.
Dentro do mosteiro, há uma superiora e um conselho para tomar decisões importantes que afetam todo o Carmelo. Há votações secretas a cada três anos para decidir quem ocupará os cargos. Ainda assim, a maioria das decisões são tomadas coletivamente.
Uma parte da renda que sustenta o mosteiro vem do artesanato produzido e vendido pelas monjas. Há diversas peças de cerâmica e gesso que adornam o mosteiro, além das que estão a venda, junto com outras peças sendo revendidas. A maior parte da renda chega como doações realizadas pelos fiéis, que, além de dinheiro, costumam doar alimentos básicos, como arroz e óleo, e também tecidos. “Não gastamos com roupa, nós não precisamos andar na última moda, nossas sandálias duram muito”, brincou a Irmã Maria Aparecida.
Entenda melhor
Origem das carmelitas descalças: O termo “Carmelo” remete ao local da origem da ordem religiosa das carmelitas: o Monte Carmelo, em Israel. A ordem das carmelitas descalças é uma vertente do catolicismo surgida em 1562 por vontade de Santa Teresa de Ávila, que pretendia retornar aos princípios mais elementares do Carmelo: a vida simples em comunidades pequenas dedicada ao silêncio e à oração. Existem tanto homens quanto mulheres dentre os carmelitas descalços.
O surgimento do Carmelo em BH: A construção do Carmelo Nossa Senhora Aparecida foi idealizada por Monsenhor Messias e o primeiro arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antônio Santos Cabral. Segundo o site do Carmelo, o terreno foi doado ao arcebispo e o dinheiro para construção veio de um prêmio de loteria doado por Hilária Bueno Salles (Laly), que mais tarde integrou o Carmelo até o fim da vida. As portas do mosteiro estão abertas há 74 anos.
Como se tornar carmelita descalça: Comprometer-se à clausura como carmelita descalça é uma decisão que exige certeza. Por isso, são muitas as etapas por que uma mulher precisa passar antes de vestir o véu negro, que assinala seu status definitivo como monja. O processo inicial de aprendizado dura oito anos. O primeiro ano se passa frequentando o Carmelo esporadicamente, para dar início à adaptação ao ambiente e ao grupo de monjas. No ano seguinte, começa o período de discernimento, que dura cerca de sete anos. Durante esse tempo, a monja decide se quer seguir o estilo de vida da clausura e usa um véu branco, marca de quem ainda é uma noviça.
Em Belo Horizonte, existem três mosteiros de carmelitas descalços. Apenas um deles é feminino e é também o único em que há regime de clausura.
Nossa, é bastante tempo para integrar às Irmãs Carmelitas! Mas acredito que seja realmente necessário!