O Circuito Cultural Liberdade é o mais importante conjunto cultural de Belo Horizonte, mas muitos cidadãos ainda não possuem acesso pleno ao espaço doze anos após sua inauguração.
Por Vitor Linhares
Linda, acolhedora, aconchegante. Essas são algumas palavras usadas para definir a Praça da Liberdade pelos moradores de Belo Horizonte. Localizada no coração da Savassi, a Praça da Liberdade surgiu como o centro do poder político estadual na construção da capital mineira e se transformou no mais importante centro cultural da cidade no ano de 2010, com o projeto “Circuito Cultural Liberdade”.
O Circuito não se restringe a área do centro, mas os museus da praça chamam a atenção pela sua localização privilegiada e pelo conjunto arquitetônico clássico que caracterizam a imagem do local, que passou a ser usado como espaço de cultura após a transferência da administração do estado para a Cidade Administrativa, na região de Venda Nova.
Direito do cidadão
O artigo de número 215 da Constituição de 1988 considera como dever do Estado a garantia ao acesso e exercício da cultura nacional e o Circuito Liberdade reflete esse dever do Governo de Minas Gerais. A proposta de ressignificar as antigas sedes do poder político foi uma forma de reutilizar espaços históricos como forma democrática de acesso à cultura. Entretanto, ainda que a entrada em todos os museus seja franca, o espaço, doze anos após sua inauguração, não é acessível plenamente para certas camadas da população belo-horizontina.
Empecilhos logísticos da cidade
O acesso à praça é bem mais complicado que qualquer obra de arte contemporânea para os moradores de regiões distantes do eixo Afonso Pena e Avenida do Contorno. Para Guilherme Sommerfeld, ir para a Savassi é ao mesmo tempo rotina e sacrifício. O Analista de Sistemas de 26 anos trabalha no Santo Antônio e faz a jornada Pampulha-Savassi diariamente: “Normalmente vou de ônibus, gasto, pelo menos, uma hora para chegar, não frequento muito a praça, apenas passo por ela”.
O ônibus é o principal meio que os moradores da Zona Norte usam para se deslocar para a zona sul, principalmente pelos ônibus MOVE, que foram inaugurados em 2014, que são conhecidos por sua superlotação e falta de veículos de linhas muito requisitadas, como 51 e o 5106. O estudante Júlio César, morador do Santa Branca, usa o 51 e o 5106 frequentemente e revela o quão exaustivo é a viagem: “O ônibus sempre demora e quando passa já está cheio. Às vezes o ar-condicionado estraga ou até o ônibus para no meio da avenida”. O trânsito fora da pista preferencial também é um desestimulante para os moradores da região, Danielle Fortes (40) é instrutora de trânsito e uma amante dos museus e da região da praça: “A praça faz parte da minha rotina, levo meu filho e gosto da calmaria e da energia do lugar”.
Marília Ferreira Dias, de 69 anos, mora no bairro Vera Cruz, na região Leste da cidade, e gosta muito de visitar os museus e a praça, principalmente no fim de ano, mas tem que investir uma hora do seu dia para ir de sua casa até a esquina da Rua Gonçalves Dias e Avenida João Pinheiro. Para ela, a mobilidade urbana ainda é um fator que atrapalha o deslocamento e ,mesmo sabendo da maioria das exposições pelo e-mail da Prefeitura, Marília não visita a praça com a frequência que gostaria.
Marketing e publicidade
A propaganda é parte fundamental para a captação de novo público. Seja por meio de internet, rádio, televisão ou jornal impresso, boas estratégias de marketing podem gerar mais interesse nas pessoas em visitar o museu. Porém, os museus da praça não possuem uma estratégia de marketing tão eficiente.
Os perfis dos museus são caracterizados por terem um número expressivo de seguidores, mas um engajamento médio muito inferior, por exemplo o CCBB, que conta com mais de 100 mil seguidores, mas suas postagens recentes têm pouco mais de 600 curtidas em média, o que representa menos de 1% do número de seguidores.
A falta de divulgação é um acréscimo para o apagamento dos museus para a mentalidade geral da população. Entre os entrevistados, nenhum se mostrou satisfeito com o marketing atual dos museus e a maioria desconhece as redes sociais dos museus e pouco escuta sobre eles em meios como televisão e internet.
Alice Melgaço, dezoito anos, mora no Santa Efigênia e estuda na Escola de Design da UEMG e visita a Praça todos os dias antes ou depois da aula, e mesmo gostando de ir aos museus, muitas vezes perde o interesse pela falta de divulgação: “Acho que divulgar mais faria mais pessoas irem, porque assim como eu muitas vezes as pessoas não sabem da exposição que muitas vezes estariam interessadas em ir”.
Danielle reforça que ir a praça é uma atividade de lazer, mas o trajeto longo, mesmo em veículo privado é desanimador, “principalmente pelo trânsito das vias” e que a falta de propaganda e divulgação dos museus a faz frequentar pouco os espaços culturais que tanto gosta por não saber o que esperar e até “esquecer” dos museus.
Desigualdade socioespacial da região
A região da Praça da Liberdade é conhecida por ser uma área nobre da cidade e a desigualdade entre pessoas de regiões distintas é um fator de isolamento de grupos minoritários da praça.
Larissa Cristina, é moradora do Ouro Preto e tem pouco tempo na rotina para se deslocar para a praça, mas reforça que, mesmo com toda a beleza, o espaço social da Praça da Liberdade não é acolhedor: “Acho um lugar com comércios relativamente caros. Nos ambientes que fui haviam poucas pessoas pretas”. Essa visão sobre a segregação social da Praça e dos museus já foi debatida. A doutora em economia e professora da UFMG Ana Flávia Machado realizou um estudo, em 2018, entre alunos de escolas públicas distantes do centro sobre o acesso aos museus. Entre os entrevistados, 60% dos jovens nunca haviam ouvido falar sobre o circuito, e dentre os que o conheciam, a maioria apenas visitou os museus em visitas escolares e nunca com a família. Além disso, Ana constatou que o nível de escolaridade da mãe desses jovens era diretamente ligado à frequência que os mesmos visitavam o circuito.
Posição da Administração
O Circuito Cultural da Liberdade quanto contatado se absteve de responder as perguntas acerca de dados concretos do perfil dos visitantes dos museus e sobre dados mais minuciosos quanto ao alcance da publicidade dos museus.
Ainda assim, é visível que o acesso aos museus da Praça da Liberdade ainda é muito precário para aqueles que moram distante do centro da cidade e não se enxerga de forma clara medidas tanto da Administração do Circuito quanto da Secretária de Cultura do Estado de Minas Gerais para mudar essa situação que se perpetua desde a criação do complexo cultural em 2010.