Percorremos ao Lagoinha para saber o que moradores do lugar pensam sobre as expropriações no bairro decretadas pela Prefeitura para atender ao projeto Nova BH.
Por Cristiane Duarte, Izabella Lourença e Mariana Alencar
A história de Belo Horizonte não é novidade para quase ninguém: Aarão Reis, engenheiro-chefe da Comissão Construtora da Nova Capital, buscava inovações urbanísticas, e a capital mineira foi projetada aos moldes de Paris. Dessa forma, delimitada por uma avenida de “contorno” (que até hoje é assim batizada), a zona urbana era formada por ruas que se entrecortavam perpendicularmente, ignorando o traçado do relevo irregular da cidade.
Ao mesmo tempo em que a zona urbana de BH se desenvolvia, nasciam bairros localizados nos arredores da Avenida do Contorno, como é o exemplo da Lagoinha. No fim do século XIX, a região foi ocupada por imigrantes portugueses, espanhóis, italianos e turcos. Ali, residiam também pessoas do interior de Minas, operários que trabalhavam no centro, mas moravam no novo bairro.
Conhecida como uma área suburbana, a Lagoinha era um bairro típico de periferia. As construções se resumiam a barracos; tratava-se de uma zona de boemia, de prostituição, onde a polícia sempre se fez presente para controlar a população tida como “insalubre”.
Hoje a paisagem do chamado Complexo da Lagoinha é muito diferente daquela que se via nos primórdios do processo de urbanização de BH. Parte da história do bairro foi apagada por viadutos que entrecortam a Avenida Antônio Carlos. A Lagoinha e seu bairro vizinho, o Bonfim, são lugares de passagem de quem vai da região centro-sul para a Pampulha. Com isso, a história, a tradição e a beleza desses bairros tradicionais de BH encontram-se escondidas da população e esquecidas pelo poder público.
Quem vai do Centro até a Lagoinha, se depara com uma paisagem complexa e contrastante. Cortando o bairro, há a Antônio Carlos, duplicada desde 2007 e tomada pelos viadutos. Logo mais à frente, sentido Pampulha, há uma das favelas mais conhecidas e perigosas de BH, a Pedreira Prado Lopes. Ali perto, localiza-se o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI). Já nas ruas do bairro, é possível ver construções antigas prestes a serem tombadas e um comércio ainda tímido. Ali, há também ferros velhos e locais de reciclagem.
Na tradicional e estreita Rua Itapecerica, que se inicia na Praça do Peixe e vai até onde hoje se localiza o Hospital Municipal Odilon Behrens, é possível ver vários antiquários localizados em construções antigas do bairro. Há também lojas, supermercados, igrejas, bancos, farmácias e casas, muitas casas.
Na Rua Além Paraíba, via que delimita os bairros Lagoinha e Bonfim, encontra-se um dos pontos mais conhecidos da região, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. A rua e a igreja foram palcos da ação de moradores contra a Prefeitura de Belo Horizonte, em 2013.

A Igreja Nossa Senhora da Conceição, um dos pontos tradicionais do bairro Bonfim
(Foto: Cristiane Duarte)
Revitalização sem diálogo
No dia 28 de junho de 2013, a prefeitura publicou o decreto n°15.252, no qual, dentre outras coisas, constavam informações de que o órgão administrativo solicitava a expropriação de 20 imóveis, localizados nas ruas Além Paraíba e Bonfim, próximos à Avenida Antônio Carlos. Esse decreto possui artigos que permitiam a expropriação, a qual poderia receber atenção de caráter de urgência, em juízo, se a prefeitura assim achasse pertinente e necessário para o seu cumprimento. O decreto entrou em vigor no dia de sua publicação.
A iniciativa da prefeitura era iniciar as medidas relativas ao projeto Nova BH, idealizado pelo órgão administrativo, no qual há pretensão de que, em 20 anos, diversas mudanças ocorram em vários locais da cidade. Uma delas seria mudar a sede da prefeitura, que hoje se localiza na Avenida Afonso Pena, para a região da Lagoinha/Bonfim. A intenção do projeto, no entanto, não foi bem recebida pelos moradores, que só foram informados sobre essa medida em setembro, dois meses após o decreto, quando as ordens de despejo começaram a serem expedidas com o prazo de 30 dias para que os imóveis fossem desocupados.
Oscar Gonçalves, que mora na Além Paraíba e é presidente da Associação dos Moradores do Bairro Lagoinha e Adjacências, conta que sua associação realizou uma reunião na Igreja Nossa Senhora da Conceição para discutir o caso com os moradores que seriam atingidos pela ordem de despejo e outros representantes da comunidade. Eles se organizaram para mostrar à Prefeitura que grande parte da população do bairro era contrária ao projeto. Após várias reuniões, o projeto foi cancelado e destinado para outro local: o estacionamento da atual rodoviária da capital mineira.
Para Oscar, a rejeição dos moradores tem vários motivos. Um deles é que o bairro, antes de ser um local da cidade é, sobretudo, uma região de história, de habitações e habitantes, cuja real necessidade seria a “requalificação do local” e não o que foi proposto pela prefeitura: um projeto de “revitalização” e desenvolvimento do espaço, sem explicações claras de como seria a execução. Além disso, de acordo com o morador, o termo “revitalização” é inapropriado, uma vez que para revitalizar algo, é preciso que aquilo esteja morto – o que não é o caso do Bonfim/Lagoinha.
Outro ponto que favoreceu a rejeição da população em relação ao projeto foi que, além de os moradores não terem sido procurados para conversar sobre o que gostariam que fosse de fato desenvolvido no bairro, e sobre como seria feito qualquer processo, a implementação da nova prefeitura iria, sobretudo, expulsar os moradores do seu entorno por consequências como o aumento do IPTU e do custo de vida. Além disso, segundo Oscar, o local precisa de outros investimentos, como melhorias nas linhas de ônibus e o uso das casas mais antigas para atividades culturais e sociais, como teatros e museus, que chamassem a população para seu desfrute.
Ao ser indagado se a prefeitura fez alguma oferta sobre os possíveis valores de indenizações para os moradores que seriam retirados, Oscar afirmou que a possibilidade e o interesse de qualquer morador dos 20 imóveis sair de sua casa jamais existiu. Dessa forma, em nenhum momento avaliaram a possibilidade de qualquer valor.
O vendedor de uma loja de antiquários da Rua Itapecerica, que faz divisa com a Além Paraíba, Harley Langar, também foi contra o projeto: “O trânsito aqui já é o caos, com a sede ficaria bem pior. Eu não concordei”. Ele se preocupa também com a história do bairro e as casas em fase de tombamento que seriam derrubadas. Segundo Harley, “a associação de moradores passa na loja, pergunta, faz abaixo assinado e avisa da reunião”, mas ele mesmo nunca participou.
Minoria insatisfeita
Na contramão da opinião de Oscar e de outros moradores, o barbeiro Tunay se queixa de não ter participado de nenhuma reunião sobre a apresentação do projeto e diz ter ficado sabendo da proposta por meio de um colega. “Eu acho que, com a prefeitura mais próxima, ela iria observar melhor os problemas que a gente enfrenta”, diz, se referindo, por exemplo, à criminalidade e ao alto consumo de drogas na região.
Outro morador, Luís Cláudio, cliente do barbeiro Tunay, também não participou das reuniões sobre o projeto, mas é a favor da construção do centro administrativo no bairro. “Nós somos minoria. A maioria não quer que venha. Mas não quer que venha por causa do valor da indenização, porque se fosse bem-pago com certeza concordariam”, afirmou. Tunay e Luís acreditam que se a prefeitura tivesse apresentado e explicado melhor como seria desenvolvido o projeto, quais seriam os possíveis valores das indenizações, dentre outras questões que envolveriam os moradores, ela teria conseguido maior apoio da população, que se sentiu insegura com a falta de informações.
O senhor Afonso Xavier, de 77 anos, mora no bairro há mais de 40, e seria despejado se o centro administrativo fosse transferido para lá. Ao ser perguntado se era a favor ou contra a construção do projeto e sua retirada do local, respondeu: “Eu não sou contra. Mas eles [a prefeitura] têm que me dar uma casa”.
Apesar das divergências entre os moradores, graças às iniciativas de parte da população dos bairros Lagoinha e Bonfim, o Projeto Nova BH transferiu seus interesses para a região central da capital, no estacionamento da atual rodoviária. Essa mudança foi um alívio para parte dos moradores, como o presidente da Associação de Moradores, Oscar. Entretanto, segundo ele, a mudança do projeto para rodoviária não sairá do papel. Agora, resta esperar para saber se Oscar está certo ou não.