Frustrações. Falta de recursos. Pouco investimento. Quais as razões comuns às histórias de três pesquisadores, da UFMG, da USP e da Unicamp, para terem deixado ou pensarem em deixar o país? 

Por Izabella Oliveira

Aline Roque é graduada em Engenharia Civil pela UFMG, fez mestrado em Engenharia Geotécnica na Universidade de São Paulo (USP) e está, hoje, do outro lado do mundo, cursando o doutorado nessa mesma área de pesquisa, na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Aline estuda alternativas para o combate ao efeito estufa e às mudanças climáticas por meio do sequestro de carbono, os estudos que desenvolve incluem alternativas para injetar esse carbono da atmosfera no fundo do mar.

Embora a dificuldade de encontrarmos o melhor horário para conversarmos sem que ela risse da péssima capacidade matemática dessa repórter que vos fala para lidar com a diferença de 11 horas de fuso, consegui conversar com a pesquisadora. Em entrevista, ela me conta que, embora a questão na qual sua pesquisa se baseia não tenha tido tanto destaque no Brasil, principalmente no recorte da política do país nos últimos anos, esse assunto é uma pauta a qual todas as universidades de ponta estão voltadas, principalmente após os tratados que visam a significativa redução global da emissão de carbono. 

Quando perguntada sobre quando e porquê saiu do Brasil, ela desabafa: “Foi mais ou menos em 2020… 2020 quase inteiro fiquei nessa luta, nesse ano pandêmico. Tem vários motivos [para eu ter saído], pessoais, políticos… Sempre tive vontade de morar fora, pessoalmente falando, e os últimos anos no Brasil foram muito frustrantes para mim, quase não tive bolsa no mestrado e quando tive foi só por um ano. Eu estava me sentindo muito sem perspectiva. No meu último ano, que foi quando eu consegui trabalhar, eu estava sem bolsa, consegui um emprego dentro da minha área, voltado para a mineração, aí que as coisas melhoraram um pouco.”

Aline Roque trabalhando no laboratório da USP| Arquivo pessoal

Em uma parte da nossa longa conversa, ela divide comigo o percurso que fez para conseguir emigrar, além dos benefícios e dos prejuízos da decisão. 

Como você recebeu essa proposta para sair do país? 

Eu fiz mestrado na USP, durante o mestrado eu já fiquei buscando essas oportunidades internacionais. Busquei oportunidades de doutorado, enviei uns 80 emails para professores, alguns do Canadá, outros de Hong Kong…”

Como você conseguiu chegar até o contato deles? 

Eu lia os artigos dos temas que eu estava interessada, buscava os nomes, mandava email olhando os nomes deles nas faculdades. Enviava esses emails com meu currículo, minhas experiências, no corpo do email eu dava uma resumida também. Perguntava se tinha alguma oportunidade. Três professores responderam e foram solícitos. Eu olhava o currículo do professor e já mandava voltado ao interesse desse professor. Fiz entrevista com os três professores, dois do Canadá e um de Hong Kong.

 Do que você mais sente falta?

Aqui eu ‘tô’ vivendo uma situação muito extrema. Hong Kong ainda é um território independente, então eles falam inglês e chinês, mas falam muito cantonês…e aí eu não faço ideia do que estão falando. Então assim, tudo… da língua, da cultura também, porque aqui eles são muito diretos nas formas de dizer as coisas, é tudo muito direto, eles acham que se cresce por meio da crítica, então às vezes a linguagem é muito dura.”

Quais foram as suas maiores perdas e seus maiores ganhos depois de ter tomado essa decisão? 

Você perde o vínculo com a família, com os amigos, com a sua identidade. Você fica meio sem identificação. Mas, por outro lado, isso te permite criar uma nova personalidade, novas formas de ver o mundo. 

O projeto “Ciência em Risco”, produção audiovisual a qual me foi cedido acesso de forma exclusiva, antes mesmo de ser publicada nas redes sociais, conta mais algumas histórias de casos semelhantes. Carla Nascimento, outro relato que me chamou atenção, fez mestrado com orientação da professora e pesquisadora Leise de Oliveira, educadora que integra o  grupo de pesquisa em Transporte e Logística Urbana (TransLog City). Leise conta que ‘exportou’ sua melhor aluna para a Noruega, se referindo à Carla, e que sabe que ela não volta. 

A experiência de Carla também permeia frustrações, ela relata que queria muito ir a um congresso, pois seria bom para sua carreira, mas aconteceria na Europa e ela não tinha como pagar, também não recebeu ajuda da faculdade, tendo em vista que a instituição não conseguia oferecer o suporte nem mesmo para congressos que eram nacionais. Segundo ela, o dinheiro que a universidade disponibilizava não pagava nem a inscrição do congresso. Então ela começou a vender bolos na faculdade e, com a ajuda da irmã, que estendeu as vendas dos produtos a outros lugares, teve essa como uma alternativa para arrecadar dinheiro por conta própria.

Carla desenvolve um estudo sobre a logística verde das cidades, em uma universidade norueguesa, a Molde University College,  propondo alternativas sustentáveis para o meio urbano. “Um estudo que eu poderia fazer aí e implementar junto com a cidade de Belo Horizonte, por exemplo, eu vim para cá [Noruega], para fazer aqui e implementar uma coisa aqui. Eu poderia mudar a vida [das pessoas] de onde eu vim, ao invés disso, eu tô implementando aqui. É a parte da tristeza que eu sinto, porque a gente ‘batalha’ para ser reconhecido aí, não consegue e aqui a gente é reconhecido, a gente consegue implementar e, aí sim, mudar a vida das pessoas um pouco no dia-a-dia.”

Ela diz que ama o país de origem, que fez de tudo que podia fazer para ficar nele e crescer junto a ele, mas que, assim como ela, vários colegas têm buscado oportunidades fora, por não serem valorizados pelo que fazem no Brasil.

>>> As 2 fotos abaixo como um carrossel/ galeria <<<

Assista o vídeo:

‘Os jovens são o futuro do país’, mas será que o Brasil tem um futuro para os jovens?

Aline, a engenheira com quem conversei, me diz que veio de uma família simples, do interior de Minas Gerais, na qual muita gente não tem o nível superior e que conseguiu se formar e ‘ir mais longe’. Mas, segundo ela, se não fossem governos cujo incentivo na área da educação foi maior, jamais teria chegado onde chegou. E que, se dependesse do governo atual, não teria muitas chances para isso. 

Mauro Teixeira, vice-presidente da regional Minas e Centro Oeste da ABC — Academia Brasileira de Ciência — aponta tal contexto em entrevista à rádio UFMG, na qual traça um percurso dos investimentos do Brasil nos últimos anos e governos. Segundo ele, houveram valores muito substanciais no final do governo Lula e início do governo Dilma, até uma queda quase contínua e com descendência completa desde então. 

 Ouça a fala de Mauro Teixeira:

Essa falta de recursos é o que angustia Aline, que me disse não saber se voltaria ou não ao país de origem. “Essa falta de perspectiva que eu tive no Brasil foi muito frustrante para mim e no início eu tinha certeza que não queria voltar. Eu não sinto que devo algo para o Brasil, sabe? Sempre paguei meus impostos, mas hoje eu vejo que, com tudo que eu aprendi aqui, eu poderia fazer a diferença e melhorar as condições aí se voltasse.” 

Ela conta que em Hong Kong há um conhecimento de que a pesquisa gera valor e isso independe de quem está no poder. No Brasil, segundo ela, não há consenso sobre, portanto, precisa ocorrer no país uma mudança de mentalidade, não só de governo. 

Mas afinal, quais as diferenças entre a carreira acadêmica dentro e fora do Brasil? Aline me diz que a ciência que fazem em Hong Kong não tem nada a ver com a ciência que fazem no Brasil. “Aqui, a pesquisa é para criar um novo conhecimento que vai ter impacto mundial. É um outro tipo de pesquisa, não é a ‘aplicada’. A gente volta à Matemática, Química, Biologia, Física, é uma pesquisa basal.  Eles querem formar líderes para o mundo. Eu tive dificuldade com isso, porque aqui a pergunta que fazem é ‘beleza, mas, com isso, o que você vai contar que criou para o mundo?’ Até porque eles buscam publicar artigos nas grandes revistas acadêmicas, que têm prestígio. Então o que eu desenvolvo não é para falar para as pessoas como fazer ou qual aparelho usar, é para entender nos detalhes como tudo funciona”, afirma.

“Eles querem formar líderes para o mundo”

O que ela categoriza como pesquisa aplicada refere-se à ciência que é capaz de ser convertida em instrumento, aparelho ou tecnologia. Meio no qual as empresas se interessam e no qual elas mais investem.  As famosas patentes, por exemplo, se traduzem como um resultado dessa produção de conhecimento científico universitário que possui, como pré requisito de definição, o viés da aplicabilidade à indústria. 

Contudo, mesmo sendo a área mais atrativa às iniciativas privadas, há um desafio ainda nela. Afinal, não se trata apenas de produzir o tal conhecimento para as indústrias, mas de elas quererem investir nesse conhecimento. Segundo Luciana Julião, jornalista e produtora audiovisual que trabalha na TV UFMG, a universidade não é fábrica, ainda que ela produza e tenha patentes, precisa do apoio das empresas para que essa criação seja aplicada e se converta em soluções comerciais. “Então às vezes tem a patente, mas ela fica parada, esperando a empresa”, conta. Ou seja, até mesmo com a pesquisa pronta e com resultado comprovado, nem sempre o benefício que esta poderia trazer ao público, à Universidade e até mesmo ao Estado, se concretiza.

“A universidade não é fábrica”

Tem que ter quem olhe pelo todo 

Luciana Julião já desenvolveu diversos trabalhos audiovisuais e teve participação na produção do vídeo que integra o projeto “Ciência em Risco”, da UFMG. Tivemos um bate-papo sobre a construção desse material, sobre como ela enxerga o contexto das pesquisas científicas no Brasil e sobre quais as alternativas para torná-lo mais próspero. Perguntei se o investimento privado seria um bom paliativo e ela me diz que “é caminho, não solução.” Para Luciana, as empresas investem nesse modelo de pesquisa aplicada, mas a pesquisa básica, que é o pilar, fica defasada. “A empresa busca o lucro, é preciso ter uma instância maior que olhe pelo todo”, diz.

Segundo a presidente da  ANPG — Associação Brasileira de Pós-Graduandos — Flávia Calé, em entrevista à rádio UFMG, a vinculação da pesquisa com o setor produtivo deve existir, mas não é isso que vai resolver o problema da ciência brasileira. 

Ela acredita que, de maneira geral, há uma elite com uma mentalidade muito predatória, o que se mostra nos crimes ambientais e na pressão pela desregulamentação das leis. O investimento em ciência, tecnologia e inovação, conforme ela, requer visão estratégica que essa “turma” que quer resolver o problema do lucro instantâneo não tem. 

 Ouça a fala de Flávia Calé:

O caso do Leonardo Fadel, estudante na Unicamp, e nossa terceira história desta reportagem, é particular. Ele, que cursa o mestrado em Engenharia Química e trabalha na área de controle de processos, me conta não ter sentido muito o impacto dos cortes, o que achei curioso. Ocorre que, isso se deve ao fato da pesquisa que ele se desenvolve não depender da estrutura da faculdade. 

“Meu projeto se direciona para o que chamamos de ‘visão computacional’, em que utilizamos de imagens e vídeos, juntamente com algoritmos computacionais, para coletarmos informações importantes que podem ser usadas para tomarmos alguma atitude diante do processo ou ajudar a entendê-lo. No meu caso, trabalho com fluxos de uma mistura líquido-gás, dos quais estou construindo um algoritmo para conseguir encontrar a velocidade de escoamento e seu perfil usando apenas imagens coletadas. Dessa forma, eu não preciso de nenhum equipamento interno ou mediadores muito complexos para extrair informações”, relata. O estudante também me conta que consegue fazer as coisas pelo próprio computador e que, quando necessário, pede auxílio à orientadora. 

Mas essa sua realidade é comum aos seus colegas? Ou você vê, no seu ciclo, que alguns estudantes têm maiores dificuldades? 

Os cortes acabaram não me afetando diretamente, mas vejo que afetou alguns dos meus colegas que ingressaram e até então não conseguiram nenhuma bolsa. Eu dei sorte, pois há uma bolsa rotativa destinada a determinada área do meu laboratório, e como uma aluna havia encerrado a pesquisa dela eu era o próximo a poder usufruir. 

Embora sortudo, ele ainda lida com algumas adversidades, a bolsa de mestrado que ganha, considerando o custo de vida de Barão Geraldo, em Campinas, no interior de São Paulo, onde mora, não é suficiente. “Recebo a bolsa Capes, que atualmente está em R $1.500,00 e meus pais me apoiam com o dinheiro do aluguel.”

“Olha, sendo bem sincero…o que eu vejo é que a pesquisa do Brasil está voltada para pessoas com muito privilégio. Ou você tem auxílio de alguém — pais, tios, etc — ou você teria que viver com as contas apertadas em Barão. Querendo ou não, a pessoa que quer mudar de perspectiva de vida, dificilmente vai abrir mão de oportunidades de emprego que são mais rentáveis para continuar na pesquisa”, disse em entrevista. O estudante também acrescentou que sairia do país se tivesse oportunidade, com um característico “Tomara”, como quem torce para que isso aconteça.

E o fundo de emergência? 

Alguns dos assuntos que eu e a Aline tratamos na nossa conversa foram as questões financeiras. Como isso afeta toda a construção de uma pesquisa— que, é lógico, não se dá de uma hora para outra —  e como o valor da bolsa é insuficiente.

“Persistência é a palavra da carreira acadêmica ”

O que você fazia na época do seu mestrado e como o corte de verbas te afetou? Quais pesquisas você estava desenvolvendo? 

No mestrado eu pesquisei sobre o reaproveitamento do lodo de estações de tratamento de água em obras de geotecnia. O lodo que sobra gera diversos problemas sociais, públicos e privados e ninguém sabe bem o que fazer com ele. Agora, é difícil eu julgar até que ponto fui afetada, porque não tenho muito conhecimento de como estava a situação das pesquisas de antes, mas meu primeiro choque foi que eu entrei no mestrado e não tinha bolsa, quando conseguiram bolsa eram poucas e não dava ‘pra’ todo mundo. Minha bolsa era uma bolsa da Fapesp. [Bolsa da] CNPq não tinha nenhuma no meu departamento. Eu só consegui a bolsa por conta de um projeto que eu fiz, acabou o projeto, acabou a bolsa. 

Como era a questão da bolsa, você tinha que ficar restrita às pesquisas e não trabalhar, certo? Mas o dinheiro era suficiente? 

O valor da bolsa era R$2.050, um pouco mais que o comum, por ser do projeto e da Fapesp, mas era vivendo como estudante sempre…ou seja, dividindo apartamento, com medo de não sobrar 1 real para emergência. Persistência é a palavra da carreira acadêmica, você ‘tá’ sempre nessa questão com o dinheiro.

Carla Nascimento, a doutoranda instruída pela professora Leise, que atualmente está na Noruega, teve que trabalhar para dar conta de se manter no período de seus estudos. “Eu tinha uma bolsa do CNPq, eu desisti da bolsa do CNPq para começar a trabalhar porque realmente a quantia que eles pagam para a gente é muito, muito baixa. Dependendo da cidade que você vive no Brasil, você não consegue pagar nem seu aluguel, quem dirá pagar para a publicação de artigo, participar da conferência internacional, ou de conferência até nacional mesmo” conta. 

Segundo ela, devido a inacessibilidade à bolsa, se deparava com uma escolha, ou trabalhar e estudar ao mesmo tempo — que ela afirma nunca ser o ideal — ou procurar oportunidades fora. “Aqui [na Noruega] é mais valorizada essa questão de você ter um doutorado, dá realmente para você sobreviver com a bolsa e se dedicar exclusivamente àquilo que se propôs a fazer.” 

Conforme a ANPG, houve redução de cerca de 63% do poder de compra dos bolsistas, devido à inflação dos últimos 9 anos. Flávia Calé, presidente da Agência Nacional de Pós-graduandos, afirma que “o pós-graduando tem uma condição híbrida, é um estudante em formação, mas também é um profissional da pesquisa”. Para ela, esses jovens exercem um trabalho que deve ser remunerado, valorizado e a bolsa deveria ser compreendida como a remuneração desse trabalho, não como um benefício. 

Flávia acredita que deveria haver uma 13ª bolsa, um valor definido para férias, ou mesmo uma contribuição previdenciária, tendo em vista que essa atividade requer tempo e faz com que, por ingressarem no mercado de trabalho mais tardiamente, a contribuição previdenciária dos pós-graduandos seja menor. 

Sem estruturas 

“Até que ponto o resultado é verdadeiro?”

“O laboratório na USP era muito sucateado, e olha para você ver, um dos melhores do Brasil. Tinham coisas que tinham que ser usadas e descartadas e eram usadas várias vezes, tinham equipamentos que tinham que ser calibrados e não eram”. Por conta disso, Aline, que me relatou sobre essa realidade enfrentada por ela, se faz a mesma pergunta que, acredito, diversos outros pós-graduandos também façam, até que ponto os números são reais? Até que ponto o resultado ao qual se chega é verdadeiro? 

“O Brasil ‘tá’ muito atrasado, é como se a gente tivesse fazendo artesanato. Para você ter noção, aqui [em Hong Kong] eu já comprei um equipamento de 35 mil dólares com verba, um de 25 mil dólares e isso tudo só para a minha pesquisa, quer dizer, a gente nem sabe se vai dar certo e foi só para a minha pesquisa. Então não dá nem para comparar, a comparação não é justa”, disse. 

Conforme o material audiovisual do “Ciência em Risco”, o Laboratório de Difração e Fluorescência de Raio X da UFMG, que é um laboratório multiusuário e que atende 5 universidades e mais de 150 pesquisadores, pode ser um exemplo do caso drástico em que a pesquisa se encontra. Uma mudança no edital do CT-INFRA, organização que fornece recursos financeiros ao laboratório, prevê que o valor do orçamento referente a um ano seja usado ao longo de quatro, desde o atual até 2025. 

A comparação que o professor e coordenador no laboratório de Cristalografia – LabCri, Carlos Basílio, faz retrata bem o significado de se parar um processo de construção de conhecimento no meio. “Você não faz pesquisa, assim como você não mata a sua fome, comendo uma vez só por semana. Você não faz pesquisa com recurso que aparece agora e desaparece por quatro anos”. 

Os prejuízos serão vistos no futuro

Ao longo dos últimos anos, em consideração sobretudo a partir de 2014, a instabilidade econômica se refletiu no número de patentes obtidas pela UFMG. Os gráficos da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT),  mostram que em 2014 houve uma grande queda no número de registros, após um período contínuo de crescimento. Mas o que me intrigou foi que, em 2021, ano com um dos maiores cortes nas verbas de federais, a UFMG conseguiu se manter e teve um alto número de registros. 

Fonte: Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT)

Questionei à Janaína Coelho, que atua na comunicação da CTIT, se ela saberia me explicar as razões para isso e ela me disse que a pesquisa é um processo de anos, que as pesquisas realizadas em 2021 só vão ser concluídas anos depois, portanto não há como ver o impacto imediato. Talvez esses prejuízos dos últimos cortes de financiamento só se manifestem nos resultados de patentes registradas anos depois, aí é quando poderemos ver e entender melhor sobre isso. 

Em nota à comunidade, a UFMG revela que recebeu com estarrecimento o anúncio de mais um bloqueio nos orçamentos das universidades e institutos federais. O mais recente corte, de 14,5%, foi anunciado  pelo MEC nesta sexta-feira, dia 27 de maio, e soma-se aos antecedentes. Segundo a faculdade, essas reduções no repasse de verbas representam um “severo golpe” na capacidade de funcionamento e manutenção da Universidade. 

Nota à comunidade, pronunciamento da reitora| Perfil da Universidade no Instagram

Por que a ‘Humanas’ é a mais prejudicada? 

“O nº de patentes não é uma questão de se medir as humanas” 

No próprio espaço acadêmico brasileiro, pelos próprios estudantes e professores, a ciência sofre desvalorização e preconceito, o que é contraditório, mas revela que a mudança não é algo a se esperar apenas dos âmbitos externos à academia, mas a ser construído inclusive dentro dela. Esse contexto é desenhado, por exemplo, pelo descrédito que os métodos científicos das ciências humanas recebem e pela supervalorização de conhecimentos que se traduzem nos produtos industriais. No contexto dos cortes de verbas, essa área foi a primeira a ter investimentos limitados. 

A produção de conhecimento da área de humanas está diretamente vinculada ao estudo e ao entendimento do corpo social. Já a produção de patentes, por exemplo, exige a aplicabilidade comercial de um conhecimento. Por isso, a área em questão não se mostra como parte ativa dessa produção, embora isso não signifique que a inovação científica não esteja presente nesse campo. 

Fonte: Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT)

“Você não patenteia uma ideia, é um produto, o número de patentes não é uma questão de medir a [área de] humanas.” afirma a jornalista Luciana. Ela me diz que a ‘humanas’ têm perdido espaço e que, principalmente nesse governo, foi a primeira a perder financiamento. 

Para entender melhor o prejuízo, ela cita o exemplo da arqueologia, cuja falta de continuidade nos estudos apresenta danos não só ao pesquisador, mas à sociedade como todo, haja vista que os acervos são, muitas vezes, de milênios, e, uma vez perdidos, não há recuperação. 

As ciências humanas, segundo ela, são essenciais à criação de políticas públicas, por exemplo. “Como saber se a maioridade penal deve ser reduzida ou não? Tem que ter pesquisas que comprovem se a reabilitação funciona ou não, que revelem dados, para que as opiniões não fiquem em achismos e que as políticas públicas sejam realistas.” 

A professora no Departamento de Sociologia e pesquisadora no CRISP,  Ludmila Ribeira, em depoimento ao “Ciência em Risco”, conta que “ainda que a gente esteja reclamando muito do hoje, daqui a 10 anos isso vai fazer muita diferença, é essa que é a grande questão.” Para ela, se não houver uma atenção quanto às pesquisas dessa área, as políticas públicas futuras serão completamente enviesadas.

O problema começa bem antes

Ao ler os documentos da reunião do Conselho Universitário da UFMG, do dia 05 de maio, na qual foi discutida e aprovada a proposta de resolução da Política de Inovação da Universidade, tive que abrir uma aba do Google e usá-la de apoio. 

Notei trechos como: “Nessa, que se constituiu na primeira etapa de construção da Política de Inovação da Universidade, os trabalhos da comissão em comento tiveram enfoque nos seguintes temas: (i) diretrizes gerais para a construção da Política; (ii) reestruturação da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT); (iii) transferência de tecnologias da UFMG para empresas que tenham pesquisadores da Universidade como sócios; (iv) compartilhamento e uso de infraestrutura e de capital intelectual da UFMG.” Busquei algumas das figuras presentes na reunião para conversarmos e para que ela me esclarecesse sobre tais decisões acordadas na reunião e como isso afetará a vida dos estudantes, mas não obtive resposta até o fechamento desta reportagem.

Uma política universitária de esclarecimento que não é clara em si, que não traduz aos universitários de maneira simples o contexto ao qual uma trajetória acadêmica se submete e que não os motiva a participarem, justamente pela falta de acessibilidade, é o início do problema, que vai muito além do dinheiro e da estrutura, ainda que estes sejam os maiores agravantes. Afinal, quando o vocabulário da linguagem é restrito, o entendimento e o interesse também serão. 


Mas, afinal, o que uma patente é?  

Para a Luciana, jornalista na TV UFMG, é um efeito comercial econômico de pesquisas de anos. Para grande parte dos estudantes que conversei, a resposta é incerta, “eu sei que é algo que envolve dinheiro, mas não sei bem o que é”, “sei que é algo importante, né? Mas não sei muito bem definir não”. 

A patente é “um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação”, segundo o site do CTIT. Ou seja, uma pessoa que tem uma ideia inovadora, realiza uma pesquisa e chega a uma técnica ou tecnologia cuja contribuição social será significativa pode patentear sua conclusão. 

Quando se trata de algo novo, o modelo de patente que melhor se adequa é a de invenção, quando se trata de uma melhora em um produto, tecnologia ou conhecimento já existente, a patente torna-se de utilidade. 

Com posse desse direito, o detentor da patente pode impedir com que terceiros produzam e comercializem sua invenção sem seu consentimento. Depois de determinado prazo previsto, a invenção ganha o domínio público.  Portanto, é como se fosse um período de exclusividade para que quem criou tenha o privilégio de aproveitar a criação de maneira exclusiva e para que, caso ceda a replicação a outros, receba um crédito, financeiramente falando, por isso. 


E quais são as instituições que sustentam o sistema de bolsas para os pós-graduandos?  

O órgão responsável por coordenar a Política Brasileira de Ciência e Tecnologia é o MCTI, ao qual estão relacionados o CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, instância que promove o incentivo das pesquisas científicas brasileiras por meio da concessão de bolsas a pesquisadores, sobretudo pós graduandos, assistência à infraestrutura e a projetos. As bolsas CNPq são mencionadas pela Aline e pela Carla na reportagem, o valor atualizado delas pode ser conferido na página do site do governo.

A bolsa da Fapesp, citada em especial pela Aline, é referente à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Esta é uma instituição pública de fomento à pesquisa acadêmica que está vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do governo do estado de São Paulo. A informação de quanto ganha cada bolsista, mediante categoria, está disponível no site. 

Por fim, a bolsa da Capes, que o Leonardo recebe, compete à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A Capes é uma agência governamental, associada ao Ministério da Educação do Brasil, que investe na pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrados e doutorados, para todos os estados brasileiros, atuando na formação de pesquisadores, cientistas e até mesmo de professores. Conforme a última portaria divulgada no site da Capes, os valores podem ser analisados na tabela: