A população LGBTQIA+ vive em constante vulnerabilidade social, mas será que a universidade é um espaço seguro para eles?

Por Alicia Coura

Alunos fazem “beijaço” na Faculdade de Direito da UFMG em luta contra a homofobia em 2015 
Divulgação/Guilherme Coura e Isabela Finelli

As histórias de pessoas LGBTQIA+ que saem do interior para viver na capital podem ser complexas e até mesmo difíceis de se ouvir. Afinal, ser uma pessoa LGBTQIA+ no Brasil pode não ser uma das coisas mais simples do mundo, mas a complexidade e pluralidade de cada indivíduo faz cada história se tornar única. Essa é a história de Malia, João e Pedro, estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que largaram tudo na cidade natal e vieram para a capital de Belo Horizonte viver o sonho da liberdade. 

Sou LGBTQIA+ e vim do interior, e agora?

Já imaginou viver toda uma vida em uma cidade com costumes conservadores e não se sentir  confortável para permanecer ali sendo você mesmo? Essa é a história do João, de 22 anos, estudante de jornalismo na UFMG. Ele nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Santa Bárbara do Oeste, mas viveu por 14 anos em Americana, no estado de São Paulo. Ele conta que um dos principais motivos da saída do interior foi a falta de oportunidades no mercado de trabalho na área de comunicação, mas que uma questão individual fez com que sua decisão fosse tomada mais rapidamente: João é bissexual, e conta que no interior nunca se sentiu confortável o suficiente para ser ele mesmo. Ao considerar que teve uma descoberta tardia, ele afirma que a UFMG o ajudou muito a perceber que ser LGBTQIA+ é algo normal, assim como reconhecer que existem muitas pessoas iguais a ele. 

A vinda para a capital em busca de melhores condições de vida é algo recorrente em muitas histórias, principalmente daqueles que moram em cidades do interior e não reconhecem espaço de crescimento pessoal e profissional na cidade de origem. Em busca de melhores condições de estudos para, assim, conseguir entrar no mercado de trabalho, a universidade federal é considerada, muitas vezes, um bom local para essa mudança drástica. Além disso, as instituições federais são reconhecidas por serem locais democráticos que abraçam as diversidades. 

2ª Parada LGBT+ da UFMG em 2019. Divulgação / Frente Autônoma LGBT

Em 2023, a UFMG foi considerada a terceira melhor universidade do país, e a quinta da América Latina por um renomado ranking internacional, o Academic Ranking of World Universities. Esse pode ser um dos motivos para a universidade ser tão procurada pelos jovens de todo o país, e é onde tudo começa. Mas será que a UFMG realmente é um espaço seguro para a comunidade LGBTQIA+?

 Segundo relatório desenvolvido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é um dos países que mais matam LGBTQIA+ no mundo. Além disso, em 2023, o grupo Diverso UFMG, núcleo de estudos de sexualidade e gênero da Universidade de Minas Gerais, realizou uma pesquisa acerca da população LGBTQIA+ de Belo Horizonte. De acordo com a pesquisa, dentre as pessoas entrevistadas 99% da amostra tinha a sua orientação sexual ou identidade de gênero parcialmente (48%) ou totalmente (51%) pública. Omedo da rejeição e o medo da discriminação são as principais causas que dificultam que as pessoas de assumirem a sua identidade enquanto LGBTQIA+, conforme aponta a pesquisa.

“Se eu pudesse dizer o papel da universidade é entender que ser uma pessoa bissexual é ok, tá tudo bem ser, entendeu? Não é um crime, você não tá fugindo de nenhuma norma, você não tá cometendo nenhuma blasfêmia, tu não tá cometendo nenhum ataque ao poder público” defende João. 

Redes de apoio são importantes?

A falta de uma rede de apoio é um aspecto presente em muitas histórias de pessoas da comunidade. Isso porque, em muitos casos, as pessoas que assumem sua orientação sexual para a família são rejeitadas e até mesmo expulsas de casa. Assim, o acolhimento oferecido pela UFMG foi um dos principais critérios adotados por Malia Galvão, estudante de 22 anos, ao escolher sair de sua cidade. Ela é uma mulher trans, nascida em Leopoldina, interior de Minas Gerais. Ela começou sua transição de gênero no início da faculdade, em 2021, e explica que veio para a capital à procura de um ambiente mais favorável para sua transição. “Eu precisava buscar novos lugares, lugares maiores, mais diversos, com mais pessoas iguais a mim, onde eu me encaixasse melhor e pudesse me desenvolver”, conta Malia.  

A sua história é um pouco diferente da de João, mas elas se cruzam a partir da entrada na universidade,  que foi um marco na vida dos dois. Ela conta que o seu “desabrochar” para a transição de gênero foi a entrada na UFMG, que fez com ela começasse a fazer terapia. Na terapia foi onde a questão da transgeneridade começou a se desenvolver, e a universidade teve um papel muito importante nisso. 

“A universidade teve um papel muito importante de acolhimento nessa fase tão complexa, tanto pelos meus amigos que me deram muito suporte emocional, quanto pela instituição em si que se mostrou aberta a todas as minhas demandas.” conta Malia. 

Apesar do acolhimento oferecido pelo contexto universitário, ela conta que lidar com a solidão é algo frequente na sua rotina. Isso porque a UFMG ainda tem poucas pessoas trans ingressantes, o que faz com que ela seja a única na maioria de suas aulas. A UFMG ainda não adotou a política de cotas para pessoas trans e ela afirma que isso se reflete na prática do cotidiano. De acordo com o Ministério da Educação em 2024, apenas seis universidades federais, das 69 existentes, adotam a política em cursos de graduação, e outras sete estudam implementar a medida. 

Conhecendo o amor pela primeira vez em Belo Horizonte

Pedro, estudante de jornalismo, de 22 anos, vindo do interior de São Paulo,descobriu a sua sexualidade e o amor na capital. Ele conta que, ao mudar para Belo Horizonte, se sentiu confortável o suficiente para explorar a sua sexualidade. Foi nessa oportunidade que ele deu um beijo em uma pessoa do mesmo gênero e se apaixonou. Pela primeira vez na vida, Pedro conta que amou e se sentiu amado.

João também conta que, quando começou a estudar na UFMG, foi a primeira vez em toda a sua vida que se sentiu 100% confortável para ser ele mesmo. 

Afinal, a UFMG é diversa?

A saída do interior e o ingresso na universidade, pode ser uma das principais mudanças de toda a vida de um estudante, especialmente no caso de pessoas LGBTQIA+. Se mudar para um novo local sem conhecer ninguém e, principalmente, sem uma rede de apoio, não é algo fácil. Por isso, se reconhecer nos espaços, e se identificar com as pessoas do convívio é essencial para viver uma nova experiência de forma positiva. Assim como João, Pedro e Malia, muitos estudantes LGBTQIA+ que ingressam na UFMG passam por isso todos os anos. 


* Reportagem produzida na disciplina Laboratório de Produção de Reportagem sob supervisão da professora Dayane do Carmo Barretos