Conheça a nova cena do teatro belo-horizontino.

 

Grupos como Espanca!, Quatroloscinco, Cia. Luna Lunera, entre muitos outros que surgiram a partir dos anos 2000, fazem parte de uma época de efervescência das artes cênicas em BH. Apesar de recente, esse novo movimento confirma uma marca da cidade, a existência e formação de grupos teatrais, de dança, teatro de bonecos e de outras expressões artísticas, a exemplo dos grupos Galpão, Corpo e Giramundo.

Embora tenham diferentes propostas de linguagem e pesquisa, certas características são comuns aos novos grupos, e até mesmo diferenciam eles de seus antecessores. Mais abertos e em constante diálogo uns com os outros, é normal que integrantes de um grupo realizem trabalhos em parcerias com os demais, ou ainda, que os espaços de ensaio e apresentação sejam compartilhados ou cedidos para determinada atividade.

Essas trocas, além de artísticas e de experimentação, em muitos casos são estratégias de sobrevivência, pois dessa forma, mesmo sem grandes incentivos financeiros e com a falta de constância de público, conseguem dar sequência a seus projetos sem precisar pagar as altas taxas cobradas por casas de espetáculo particulares. Quando os grupos conseguem um espaço próprio, é necessário ocupá-los, o que é conseguido por meio desses intercâmbios, e também com atividades de formação e ensino.

Outro aspecto que parece ser comum a muitos dos grupos que vêm surgindo é a valorização da composição de seus próprios textos. As produções nascem de uma criação coletiva e por meio de pesquisas que esses grupos realizam em busca de desafiar códigos já convencionais do teatro.

Em transformação, os Menestréis ErraMtes e o 21 gramas são grupos que, apesar de possuírem propostas diferentes, surgiram há pouco tempo dentro de todo esse panorama cênico de BH. Ao conhecer suas dinâmicas e atividades, sem esquecer das individualidades que os formam, é possível pensar em como eles dialogam com a atual cena teatral da cidade e sobre o que acham do que vem sendo feito pelos grupos com uma trajetória um pouco mais consolidada.

 

Os Menestréis ErraMtes

 

Em 2012, quando Jhonathan Oliveira estava no curso profissionalizante de teatro da PUC Minas e Zack Magiezi participava de uma oficina de palhaço, os amigos resolveram fazer uma experimentação.

Num domingo pela manhã, vestidos de palhaço, entraram no metrô na Estação Eldorado e foram para o centro ver a reação das pessoas. Ao chegar na Praça da Estação, decidiram caminhar até a Praça 7 e depois até a Feira Hippie. Durante o percurso, interagiram com as pessoas que estavam nas estações, com os passageiros que estavam nos vagões e, já nas ruas, com todos aqueles que passavam por eles.

Gostando da experiência, resolveram convidar amigos que se interessavam pela arte do palhaço para fazer pesquisas e intervenções. Foi assim que surgiu, em maio daquele ano, os Menestréis ErraMtes.

Entre as atividades desenvolvidas pelo grupo, Jhonathan, o palhaço Cabeludo, comentou sobre uma que ocorre em algumas segundas-feiras do ano. Nesses dias, por volta de sete horas da manhã, eles levam uma grande faixa para a Praça 7 com a frase “Hoje seu dia vai ser incrível”, dando assim, um grande bom dia a todos.

O integrante da trupe disse que normalmente as pessoas passam umas pelas outras sem ver quem está ao seu lado, o que está acontecendo, mas que quando aparece uma figura diferente, que nesse caso é alguém caracterizado de palhaço, a rotina delas é quebrada, e elas parecem tomar um certo susto. Zack, o palhaço Quixote, fala que tem gente que não acredita na espontaneidade da ação, pensam que eles estão ganhando alguma coisa para estar ali.

Desde o início do grupo, mudanças são constantes. Alguns integrantes saíram e outros entraram. Jhonathan e Zack disseram que quando começaram a receber convites para ir em orfanatos, creches e asilos, perceberam que o trabalho estava ficando mais sério e que alguns não iriam continuar, pois participavam dos Menestréis ErraMtes apenas como um passatempo, uma “coisa bonitinha” nas palavras de Jhonathan. Da formação original, apenas ele e Zack permaneceram. Hoje, a trupe, que chegou a ter oito integrantes, conta também com José, o palhaço Gome, e Bruna, a palhaça Gesolmina.

Com frequência, são convidados a fazer intervenções durante atividades de outros grupos e também os convidam para participar de algumas de suas ações. Jhonathan destaca que é importante que os grupos que estão surgindo mantenham contato para se ajudarem e divulgarem uns aos outros. Entre as experiências que o grupo teve, Jhonathan contou sobre um visita feita a Sabará:

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Os Sarais ErraMtes e o Jantar Poético são outras ações que o grupo desenvolve. Inicialmente, o intuito era que o jantar fosse uma intervenção para anunciar o sarau que aconteceria uma semana depois. A ideia do jantar é imitar a dinâmica de um restaurante, porém na rua. Geralmente feita em parques da cidade, eles levam mesas e cadeiras a esses lugares, forram elas, colocam velas, talheres, pratos e copos. Têm garçons, cozinheira e maître, como em um restaurante.

Com a estrutura montada, convidam pessoas que estão por perto para se sentar; quando alguém compra a ideia, recebe um cardápio que contém o nome de vários poetas e uma pequena descrição da vida e obra deles, como se fosse uma comida e seus ingredientes. Feita a escolha, o pedido é levado para a cozinheira – enquanto isso os clientes são entretidos pelos demais integrantes da trupe – que escolhe um poema do poeta escolhido e dá para o garçom. Este vai até a mesa do cliente e lê a poesia para ele. Como a proposta deu certo, eles resolveram adotá-la não só como um convite para o sarau, mas também como uma atividade independente.

Os saraus, por sua vez, começaram a ser realizados também em praças. Neles, os Menestréis faziam cenas curtas de circo e misturavam com poesia. Mas, no final de 2013, conseguiram um espaço fixo para se reunirem – dividido com um grupo de estudos de alunos da UFMG e com um grupo evangélico de metaleiros – e desenvolverem novos projetos. Com isso e com a chegada de novos integrantes, decidiram experimentar outras linguagens artísticas. Um exemplo disso foi a realização do sarau antropofágico, que, a partir da temática da antropofagia, abriu espaço para as mais diversas performances.

Projetos individuais dos integrantes também foram viabilizados. Jhonathan, por exemplo, ao lado de uma amiga, realiza uma vez por mês o projeto “Leituras Eróticas”. Durante o evento, quem lê algum conto ou poema erótico nu, ganha uma taça de vinho.

Localizado embaixo do tradicional edifício Maletta – em uma galeria que tem três salões de beleza, um escritório de assessoria contável e uma barraca de flores –, o espaço que o grupo possui é alugado e a pretensão é de que no final deste ano o segundo andar seja transformado em um acervo de pesquisa e estudo, com os próprios livros, revistas e discos que ocupam o local, e que a parte de baixo se torne uma galeria de arte e que também seja destinada a qualquer tipo de performance ou exposição.

Para os integrantes do grupo, embora dois anos de existência possam parecer pouco,a verdade é que é um bom tempo, pois já passaram por muito. Algo que Jhonathan valoriza bastante é a possibilidade de ter um lugar permantente para os trabalhos que realizam. Sobre isso, o artista diz o seguinte:

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21 gramas

 

Foto 6 - Da esquerda para a direita, Lucas Herch, Vanessa Gabriela, Lucas Vasconcellos, Mariana Siha, Tomás Sarquis. Crédito - Foto cedida pelo 21 gramas

 

No mês de agosto do ano passado, durante o laboratório de cenas curtas A-mostra.lab, alguns dos atores que hoje integram o grupo 21 gramas se apresentaram com as cenas “Só para lobos” e “Vermelho Veia”. À época, aproveitavam um espaço no Palácio das Artes para ensaiar, uma área externa próxima ao curso profissionalizante de teatro da PUC e, quando esses lugares não eram possíveis, chegaram a fazer um rodízio em espaços disponibilizados pelos próprios atores, e até mesmo usaram a Praça da Liberdade para tal.

Neste ano, já com um nome firmado, estão com mais dois projetos: montar a cena “Breu”, uma adaptação de Lovecraft, e a peça “Roleta Russa”, que tem origem no livro “Notas do subsolo”, do mesmo escritor. Com a primeira, pretendem participar novamente do A-mostra.lab. Com a segunda, a intenção é estrear de forma independente, embora ainda dependam de conseguir um lugar e data para isso. Recentemente decidiram fixar os ensaios em um só lugar, muito em função da dificuldade em transportar o cenário.

Sentados no chão da garagem da casa de Lucas Vasconcellos, no bairro Anchieta, local escolhido para dar sequência à criação teatral, o grupo contou que os elencos para seus trabalhos não são fixos, às vezes alguém não atua e fica na iluminação, em outras um dos integrante assume a direção. Há casos em que a criação é coletiva e também há atores que foram convidados a participar apenas de determinada proposta cênica.

Durante a conversa, revelaram que o pertencimento ao grupo não é a única atividade artística e muito menos profissional de cada um. Diego Roberto estuda Teatro no Cefar (Centro de formação artística da Fundação Clóvis Salgado) e está construindo junto ao grupo Cia. 15 uma cena de melodrama para tentar participar do Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, além de outra cena para a A-mostra.lab; Vanessa Gabriela ensaia outra cena que também será apresentada nesse laboratório de cenas curtas e estuda Teatro no Cefar; Lucas Hermuch participa de um grupo de montagem na Escola de Teatro PUC Minas; Mariana Siha trabalha com design e é fotógrafa do grupo; e Lucas Vasconcellos e Tomás Sarquis estudam Direito na UFMG e na PUC, respectivamente.

O grupo diz ter uma investigação filosófica em suas criações – interessa a eles pensar sobre o ser humano. Para isso, se apoiam em textos clássicos, como o de Dostoievski neste ano, “Drácula”, de Bram Stoker e “O Uivo”, de Allen Ginsberg, no ano passado. Questionados se com isso eles se distanciavam de outros grupos de teatro belo-horizontinos, que tem apostado na escrita de sua própria dramaturgia, Lucas Vasconcellos entende que eles não fogem exatamente dessa proposta. Segundo ele, o grupo faz uma adaptação dos textos e, com isso, cria sua própria dramaturgia.

“Drácula”, que deu origem à cena “Vermelho Veia”, por exemplo, foi citado como um trabalho de muita ousadia e inovação, pois resolveram trabalhá-lo “sem maniqueísmo, sem esse conflito do bem e do mal”, comenta Lucas. Eles vêem que de certo modo foi uma comédia de humor negro, e as pessoas que viam a cena não sabiam se podiam rir. Por isso consideram ser uma dramaturgia que também combina com a proposta desses grupos, de explorar novas possibilidades, mas acham que tem um material muito bom que pode ser usado para isso, e que não precisam necessariamente partir do zero.

Tomás acrescentou que esse hibridismo possibilitado pelo resgate de textos clássicos e a adaptação feita lhes é algo muito caro, uma vez que trabalham com escritores que teriam lançado as bases do pensamento filosófico da pós-modernidade.

Sobre uma tendência comum a grupos teatrais de Belo Horizonte, de ficarem em cartaz por curtas temporadas devido à dificuldade em se conseguir retorno financeiro e de público por um período maior de apresentações, Lucas Vasconcellos considera que é uma questão complicada, pois percebe que algumas vezes passam despercebidas com os poucos dias que se tem para assistir às peças.

Ainda sobre a cena teatral da cidade, Tomás critica as leis de incentivo. Para ele, a estrutura burocrática, os opacos critérios para que projetos sejam aprovados, o atrelamento aos interesses dos patrocinadores e a lida com eles acabam por gerar um jogo de interesses muito complicado.

A exemplo da ideia que o grupo tem de estrear a peça “Roleta Russa” de maneira independente, o ator pensa ser interessante um resgate às origens, quando essas leis não eram necessárias: “nego alugava o teatro, cobrava ingresso, se precisasse de pegar empréstimo pegava e com a bilheteria cobria os custos, e com isso a cena era mais descentralizada”, comenta. Hoje, ele percebe um teatro muito segmentado, pois “têm os teatros dos porões e o teatro Bradesco, por exemplo, e públicos muito específicos também”. Para Tomás, seria interessante descentralizar essa estrutura, atingir todos esses públicos.

Em relação à interlocução com outros grupos, acham importante estabelecer contato, trocas. Como a A-mostra.lab acontece no Esquina, espaço gerido pelos grupos Teatro Invertido e Mayombe Teatro, Vanessa fala que já pesquisou muito sobre eles, “que estão sempre com as portas abertas para isso”. Ela acha esse diálogo muito importante, afinal, os grupos que hoje tem um reconhecimento maior começaram como o 21 gramas, tiveram que escolher um nome, não eram conhecidos e havia quem não acreditasse no trabalho deles.

Lucas Hermuch diz que o relacionamento com outros grupos gera muito aprendizado a partir das diferentes visões que cada um tem, da experiência trocada. Diego diz que mesmo que o outro grupo não tenha uma linha parecida, na troca é possível absorver aprendizados interessantes.

Pedro Lucchesi

Ser ator é uma dentre as tantas profissões que queria ter, quem sabe algum dia.