Um relato sobre a experiência de acompanhar a palestra para mulheres que querem ser líderes promovida pelo Google.
Hoje, 29 de maio de 2019, decidi aprender mais sobre liderança e talvez uma coisa ou outra sobre empreendedorismo. Bem, não foi exatamente hoje. Há algumas semanas, através de alguma rede social, fiquei sabendo que haveria uma rodada de palestras no evento “Cresça com o Google” em BH. Era a principal informação que eu tinha, já que a descrição publicada nos meios de comunicação se resumia a um “release”. A palestra que mais me chamou atenção foi a de “Capacitação para Mulheres”, prevista para ter início às oito horas e término ao meio dia no Expominas, centro de convenções localizado na zona oeste de BH.
Os temas propostos incluíam liderança feminina, técnicas de negociação, finanças pessoais, ferramentas e soluções digitais do Google e as tais soft skills (atributos pessoais para ser bem-sucedido no trabalho), em alta no mercado, principalmente, na etapa de recrutamento. Em uma sociedade com tanta desigualdade me pareceu importante dar algum destaque para a participação feminina no mercado de trabalho em um evento como esse. E sendo mulher também poderia ser uma forma de me preparar e capacitar, eles deveriam poder me ajudar, não? Afinal, é o Google…
Decidi ir, sem saber muito o que esperar, mas com esperança de aprender como alguém lidera ou deveria liderar. É claro que temia só uma palestra feita por coach, algo mais próximo do campo da autoajuda. Ao chegar no centro de exposições, fiquei surpresa tanto com a quantidade de pessoas que se acumulavam na entrada quanto com o grande interesse das mulheres no workshop. Uma imensa fila se formava do lado de fora enquanto esperávamos para sermos liberadas para o credenciamento. Depois dessa etapa fomos liberadas e chegamos no hall do centro de exposições onde vários elementos “instagramáveis” da Google (afinal, aparentemente parte da experiência era atualizar o feed) estavam dispostos e longas filas se formavam para tirar fotos em frente a eles. O evento começou com um atraso de 30 minutos.
A palestra
Durante o evento soube que a “Capacitação para Mulheres” faz parte de um circuito feito ao redor do país, além do vínculo com um programa global do Google chamado Womenwill que “combate as desigualdades relacionadas à falta de informação e capacitação para ajudar as mulheres em todas as áreas de que são excluídas”. Eles acreditam que “o mundo digital é a ferramenta que as levará ao sucesso e nosso instrumento para promover a igualdade para as mulheres em todo o mundo”.
Segundo dados do Womenwill, as mulheres constituem metade da população economicamente ativa em todo o mundo, mas geram apenas 37% do PIB. Além disso, globalmente, apenas 36 mulheres para cada 100 homens ocupam posições de liderança como legisladoras, gerentes ou diretoras. No Brasil, segundo relatório de 2018 realizado pela GEM são cerca de 51,9 milhões de empreendedores no total (38%), dentre os quais cerca de 23,8 milhões são mulheres, ou seja, menos da metade.
Mas não demorou muito para eu perceber que não me encaixava no público que estava presente. Por meio de perguntas feitas pela palestrante notei que existia uma faixa etária predominante de mulheres entre 30 e 40 anos e raríssimas exceções acima dos 60 anos, muitas das últimas buscando reinserção no mercado. As dicas quanto a isso foram sendo dadas aos poucos, mas o click aconteceu nesse momento:
Realmente, talvez eu não tenha a cabeça de uma líder.
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Mas afinal, o que nós mulheres fomos fazer lá mesmo?
Uma manhã de palestra não permite que o ouvinte saiba tudo sobre liderança, finanças pessoais ou como ter um negócio bem-sucedido e talvez nem mesmo um ano de palestras possibilite isso, é apenas um empurrão para te incentivar a viver experiências essenciais no processo de formação de uma líder. Ao final das falas de diversas mulheres empreendedoras de áreas e contextos diferentes, pude perceber como a construção do caminho de cada um dentro do empreendedorismo ou em qualquer outra ocupação é pessoal e que realmente não existe fórmula para o sucesso como muitos defendem por aí. Eu não saí de lá sabendo o que é exatamente ser uma líder, ainda quero descobrir, mesmo que seja aos poucos. Assumo que gostaria que houvesse uma resposta pronta para todas as minhas perguntas em relação ao tema, mas aparentemente elas não existem.
Empreendedoras em BH
Com minha participação no evento surgiu uma curiosidade sobre quem são as mulheres que empreendem em BH, as suas histórias, além de como a tecnologia tem influenciado no trabalho delas. Entrevistei algumas empreendedoras para entender um pouco melhor como funciona esse universo e torná-lo mais palpável. Foram-me indicadas algumas mulheres com as quais poderia conversar e percebi que, coincidentemente, elas tinham ofícios em áreas semelhantes que englobavam festas e eventos.
Marianna Valle, 25 anos
Marianna entrou no ramo da confeitaria aos poucos, com um passo de cada vez, fazendo cursos específicos e arriscando gradualmente. Ela começou a vender doces na faculdade para pagar um congresso fora da cidade e o continuou fazendo já que as pessoas “amavam e sempre compravam”. Mas, com o tempo, foi percebendo que aquilo que era antes uma forma de complementar a renda, na verdade, era sua verdadeira profissão; algo que realmente gostava de fazer e onde diz que se encontrou profissionalmente.
Quanto ao empreendedorismo, que agora põe em prática, diz que deveria ser um tópico estudado ao menos um pouco em todos os cursos da faculdade. Mesmo com o fato de que nem tudo que é colocado como ferramenta importante se aplica a todo tipo de negócio, sendo necessária a adaptação de acordo com a necessidade e circunstância.
A conta no Instagram da “Valle1doce” funciona como uma espécie de portfólio, já que é por lá que a maioria dos clientes conhecem seu trabalho e posteriormente entram em contato. Além de prover essa plataforma, a internet é uma fonte de conhecimento que ela usa para aprender coisas novas e inovar no seu trabalho. Algo que ela busca fazer constantemente ao se inspirar em pessoas que são referência, se atualizar em relação as novidades no mercado e fazer cursos de aperfeiçoamento.
Hoje a rotina é intensa, principalmente às quartas e domingos. Apesar de poder fazer o próprio horário, a carga de trabalho é grande e mesmo tentando separar um dia da semana para descansar nem sempre isso é possível. Além de passar a maior parte do tempo em pé, a carga horária chega a 14 horas por dia considerando todo o processo de preparação dos doces.
Luciana L.A. Ventura, 33 anos
O surgimento da ByLu Arranjos Florais foi, segundo Luciana Ventura, consequência de uma falta de identificação com a carreira que começou a seguir. Com mestrado e doutorado em nutrição pela UFMG, após finalizar seus estudos percebeu que suas opiniões e conceitos sobre as metodologias de ensino, mas principalmente sobre certas burocracias nas universidades a incomodavam tanto que desistiu de atuar ali.
Depois de muito conflito decidiu seguir outro caminho. Conseguiu focar em design, teve que escolher uma de suas modalidades, algo que também não foi tarefa fácil já que gostava de design de moda, de ambientes, de interiores, gráfico, de acessórios, de calçados e de flores.
Tentou o ramo do design de calçados, mas após um ano percebeu que o investimento necessário estaria muito além de suas condições. Com um pouco de ajuda do acaso foi por outro caminho ao transformar um hobby em negócio, depois que uma amiga fez uma proposta: “Mas de onde vieram as flores então? Eu sempre tive arranjos florais na minha casa, por hobby. Aprendi sozinha, vendo tutoriais na internet e tentando. Sempre fui a amiga e a “tia” que fazia os arranjos para os inúmeros chás comemorativos, etc. Então, um dia, uma amiga me veio com a seguinte proposta: “Lu, eu gostaria que você fizesse dois arranjos para o aniversário da minha filha, mas eu quero te pagar, quanto fica? ”. Neste momento, meu marido que estava do meu lado me atentou: “Você não está procurando algo para fazer? Que tal essa oportunidade? ”. A partir daí eu abracei esta ideia totalmente. ”
Investiu tempo em estudos sobre empreendedorismo, fazendo diversos cursos gratuitos disponibilizados pelo SEBRAE. Também focou na aprendizagem sobre “negócios online”, pois desde o princípio sabia que a empresa inicialmente não teria um espaço físico.
As redes sociais, mais especificamente o Instagram, foram e são importantíssimas para o andamento do negócio, já que possibilitam que diversas pessoas consigam conhecer o trabalho de Luciana. Algo que ela identificou logo de início quando, após três meses do início do negócio, uma grande marca nacional com sede no Rio de Janeiro a contratou para fornecimento de arranjos florais para duas de suas lojas em Belo Horizonte semanalmente. Apesar do Instagram funcionar como uma vitrine, não é essa a única função usada pela empreendedora, que tenta incorporar algumas estratégias de marketing. Luciana também fala dos desafios de ser uma empreendedora, dos riscos calculados a serem tomados, muitas decisões que só podem ser feitas com suporte pela experiência. Além disso, a carga horária também é um dos fatores negativos já que ela acaba pensando na empresa 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias no ano, mesmo que sem querer. As ideias podem surgir a qualquer momento e mesmo no que eram para ser momentos de férias. Por isso, ela ressalta a importância de estabelecer limites para si mesma. Apesar de todas as desvantagens, ela fala com muita animação e amor do seu trabalho e diz não se arrepender de sua escolha.
Ana Cris, 28 anos
Após se formar em turismo na UFMG, Chris trabalhou durante 4 anos em uma agência de intercâmbio e teve uma empresa de doces de menor porte se comparada com a atual “Vai Ter Festa”, negócio de que agora é dona. Antes de comprar a empresa ela passou por diversas funções, como montadora de festas e coordenadora.
Do Instagram partem em média 60% das vendas, algo que é impulsionado por diversas estratégias tais como promoções, aviso de eventos e divulgação paga. É também uma forma de acompanhar a concorrência e fontes de inspiração. Quanto ao empreendedorismo, há muito tempo as ilusões quanto a esse tipo de ocupação já foram quebradas:
“Eu sou empreendedora desde criança. Sempre tive atitudes empreendedora então minha visão sempre foi otimista. Porém eu tinha uma falsa ilusão que empreender era ser dono do seu tempo. Na verdade, você trabalha muito mais do que em uma empresa tradicional. E eu não sabia disso. Mas acho incrível em muitos aspectos. ”
Além da responsabilidade depositada em uma única pessoa, a carga horária chega a 12 horas seguidas em dias de evento. Nos demais dias da semana a jornada de trabalho vai de 8h às 19h de segunda a sábado incluindo trabalho em home office e idas a locais para realizar a compra de materiais.
No entanto, poder trabalhar em horários não necessariamente comerciais e de acordo com o seu próprio tempo, podendo experimentar ideias e inovar são defendidos por ela como contrapontos as desvantagens que o empreendedorismo traz.
Empreendedorismo é para mim?
Quanto a mim, vou me tornar uma líder ou uma empreendedora? A possibilidade de ter uma ideia e colocar em prática através do empreendedorismo é extremamente interessante, mas existem coisas a serem pensadas antes de abrir um negócio, sacrifícios e decisões que estão para além da forma como o empreendedorismo aparece muitas vezes glamourizado. Além do investimento financeiro e pessoal, há jornada de trabalho excessiva e incerteza, afinal, uma coisa que o empreendedorismo não propicia na vida de ninguém é estabilidade, nem financeira e nem de direitos trabalhistas.