Dossiê: Transporte

O que você faz enquanto espera o ônibus? Conversamos com pessoas enquanto elas aguardavam o transporte público e agora te contamos as histórias.

 

A hora do encontro é também despedida

A plataforma dessa estação

É a vida desse meu lugar Milton Nascimento e Fernando Brant

Com os olhares desviados, o casal discute sobre o futuro incerto. A preocupação maior é com a nova vida que irá nascer. A gravidez não é indesejada, mas estava fora dos planos e pode gerar conflitos entre as famílias. Essa bem que poderia ser a cena de um filme ou de uma novela das oito. Mas aconteceu enquanto Maria Margareth esperava o seu ônibus. Ela assumiu a posição de observadora, captando partes do dilema do casal.

 

01 - Ponto de ônibus na Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte - FOTO Eduarda Rodrigues

 

Todos os dias a história se repete para Maria Margareth e também para grande parte das pessoas que dependem do sistema de transporte público: levantar cedo, enfrentar o ônibus lotado, quilômetros de engarrafamento. E na volta para casa não é diferente. Mas no meio dessa rotina está o ponto de ônibus. Centenas dessas pessoas se encaminham para algum deles neste momento, desejando que hoje seja um dia de sorte e que a condução não demore a passar. Alguns se sentam quando há bancos disponíveis, já outros preferem ficar de pé mesmo, vigiando o número da linha que está chegando.

Nos pontos espalhados pela cidade, os passageiros compartilham sentimentos como  raiva, inquietação, frustração e ansiedade. Sentimentos esses que podem significar inúmeras insatisfações com a vida pessoal ou profissional.

 

Sem conversa e sem sorrisos

 

Bruno e Pedro, estudantes de engenharia na PUC – Coração Eucarístico aguardam todos os dias, no final da tarde, seus respectivos ônibus, 4405 e 1404C, no ponto da Rua Pará de Minas. Os dois jovens relatam que não costumam presenciar muitas coisas diferentes durante a espera. Na maioria das vezes passam o tempo conversando entre eles, sem observarem muito quem está ao lado. O que chama a atenção dos estudantes é que enquanto no período da manhã as pessoas estão apressadas, na parte da tarde, elas se mostram mais indispostas e cansadas, justificando assim o motivo pelo qual muitos evitam qualquer tipo de interação.

Ágda, que pega o ônibus 2102 na Av. Afonso Pena, em frente ao Parque Municipal, acredita que sempre pode acontecer algo interessante enquanto se espera um ônibus. Entretanto, as pessoas estão estressadas de mais para repararem.

No mesmo ponto, Rayane e Mayara reclamam que a demora do transporte é constante e deixa as pessoas mais impacientes. Segundo as duas amigas, o melhor jeito é tentar passar o tempo escutando uma música no celular ou batendo papo, mas apenas entre elas.

 

Espera interminável

 

Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte, a cidade conta com uma população de quase 2,5 milhões de pessoas, das quais 1,5 milhão usam o ônibus como meio de transporte. São 3,8 milhões viagens/dia em BH e 6,3 milhões de viagens/dia na Região Metropolitana. 44,6% dessas viagens são através de metrô e ônibus.

 

02 - Ônibus se enfileram na Avenida Afonso Pena - Foto Eduarda Rodrigues

 

Todos esses dados podem indicar inúmeros fatores referentes à situação atual do transporte público. Entretanto, não são suficientes para representar a realidade diária desses 1,5 milhão de usuários. Eles podem ser altos ou baixos, gordos ou magros, extrovertidos ou tímidos, gostarem de ir à praia ou preferirem passar as férias em uma cidade do interior de Minas.  Os perfis serão sempre variados, mas alguma coisa em comum eles têm: a espera.

Ninguém se sente confortável quando precisa desperdiçar boa parte do tempo esperando, esperando e esperando. Isso, consequentemente, gera ansiedade, mau humor, insatisfação e mais um turbilhão de outros sentimentos negativos.

Mas, já que nada pode ser feito além de ficar parado e torcer para que o trânsito esteja bom, as pessoas tentam reinventar formas de se distraírem enquanto estão no ponto de ônibus. Alguns leem, usam o celular para ouvir música, trocar mensagens ou jogar e outros poucos observam o comportamento alheio desejando que tudo aquilo acabe logo.

Observar o comportamento alheio, aliás, é algo que Ana Luiza faz sem medo. A estudante, moradora do Padre Eustáquio, conta que sempre pega ônibus S54 no mesmo lugar por volta de 17hrs, o que lhe garantiu alguma familiaridade com quem também está por ali no horário. De tanto reparar nas pessoas por meses deu preferência para que uma mulher se sentasse quando chegava à condução por acreditar que ela estava grávida. Só que o tempo passava e barriga ficava do mesmo tamanho. Então, Ana decidiu parar de ceder o assento e se conformar com o fato de que a mulher estava mesmo era fora do peso.

Casos como esses não são raros. O que acontece é que, às vezes, na pressa do dia a dia, reparar na pessoa ao lado é algo quase impossível. Isso pode ser apenas por questão de insegurança. Uma pessoa com um determinado estilo de roupa ou um comportamento suspeito pode despertar muitos olhares desconfiados.

O clima de insegurança, aliás, é mais um dos elementos presentes nos pontos de ônibus. Atualmente, devido aos altos índices de violência, as pessoas se mostram mais retraídas umas com as outras. Se alguém puxa papo ou aborda o outro de uma forma mais invasiva pode ser reprimido facilmente e quem estiver por perto opta por se afastar, na maioria das vezes para evitar qualquer tipo de confronto. As amigas Rayane e Mayara relatam essa insegurança nos pontos. Segundo elas, não é bom acreditar em qualquer um que se encontra pela rua. É importante ter atenção a qualquer detalhe fora do comum.

 

“Lugar de interação?”

 

Em algumas outras situações mais incomuns é possível escutar breves diálogos. É o tempo muito quente ou muito frio, o time que goleou ontem, a falta de infraestrutura do transporte público, as altas taxas de impostos cobradas pelo governo, ou mesmo, a corrupção sem fim. Assuntos que tratam de interesses gerais e que acabam levantando discussões pouco aprofundadas, perfeitas para quem não tem muito tempo de conversa e nem muita paciência para grandes debates.

Com isso, o ponto de ônibus pode ser encarado como um espaço de passagem. É um lugar de encontros e despedidas. Entretanto, ele não é a finalidade do trajeto. Quem passa por ali quer que o tempo passe logo, que exista a possibilidade de conseguir um lugar para sentar dentro do ônibus e que o trânsito colabore. Mas, por mais que se evite, há uma mínima porcentagem de interação entre os personagens que estão parados nos pontos, mesmo que seja em forma de pensamento. Uma coisa é certa: esse ‘lugar de espera’ sempre afetará com alguma intensidade a vida daqueles que passam por ali, independente do que acontecer.

Eduarda Rodrigues

A Avenida Afonso Pena reúne tudo aquilo que a cidade grande tem para quem, como eu, vem do interior: muitos carros, muita gente e muito barulho. Durante a apuração, subi pela Avenida investigando seus pontos de ônibus e a correria da rua mostrou outra face sua: a da espera.

Isabela Meireles

Nunca pensei que puxar conversa no ponto de ônibus fosse tão complicado. A maioria daqueles que abordei mostrava-se receosa e até mesmo descontente por ter que conversar com alguém estranho. Foi uma grande surpresa para mim.