Estudantes contam suas experiências ao escolherem a UFMG como destino acadêmico, enfrentando mudanças geográficas, desafios emocionais e a busca por redes de apoio 

Por Maria Eduarda Cardoso

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), consagrada como a instituição federal de ensino superior mais bem classificada do Brasil, atrai estudantes de todo o país em busca de uma educação de excelência. Segundo o relatório de ‘análise do perfil socioeconômico dos ingressantes matriculados na UFMG no período de 2003 até 2022’ do Setor de Estatística da Pró-Reitoria de Graduação da UFMG, cerca de 34,66% dos ingressantes em 2022 eram provenientes de outros estados e do interior de Minas Gerais. Enquanto isso, os estudantes originários da capital mineira representavam 44,22% do total. Esses números refletem a diversidade geográfica dos estudantes que escolhem a UFMG para sua formação.

A mudança para Belo Horizonte é uma realidade para muitos desses jovens, representando não apenas uma transição acadêmica, mas também um desafio significativo na construção de novas redes de apoio. Pensando nisso, é interessante pensar nos desafios e dificuldades enfrentados pelos estudantes que vêm de outras cidades para estudarem na UFMG. Por que eles escolheram uma universidade longe de casa? Como foi a adaptação em Belo Horizonte? Ser de outra cidade impacta a vida deles de alguma forma? Eles conseguiram construir uma rede de apoio emocional onde estão agora?

Para responder tais questões, conversei com três estudantes da UFMG de diferentes cursos e cidades para entender como vem sendo a experiência de estar longe da cidade natal e se eles acreditam possuir alguma rede de apoio em Belo Horizonte. Vale lembrar que há diferentes histórias de vida e múltiplas experiências dentro da universidade, por aqui faremos apenas um recorte de algumas delas. 

Vitor

Vindo de Congonhas (MG), Vitor tem 21 anos e faz licenciatura em Letras. Escolher estudar na UFMG não foi apenas uma decisão acadêmica para Vitor, mas também uma escolha estratégica devido à proximidade com sua cidade natal. 


Foto enviada por Vitor / Imagem: Acervo pessoal

Morando longe da família, Vitor enfrentou desafios significativos, especialmente por não estar acostumado a ficar distante de seus familiares. A adaptação inicial foi difícil, mas ao longo do tempo, ele aprendeu a lidar com o afastamento. Sua cidade natal, Congonhas, está relativamente próxima para visitas mais frequentes, geralmente a cada duas semanas, proporcionando uma sensação maior de proximidade.

Embora aprecie o que Belo Horizonte tem a oferecer, Vitor confessa que prefere o interior devido ao custo de vida mais baixo e à tranquilidade. Construir uma rede de apoio na cidade foi fundamental, e Vitor teve a sorte de contar com o suporte de sua namorada, Emily, que compartilha a mesma cidade e curso. Desde o início, eles têm sido um apoio mútuo, enfrentando juntos os desafios da vida universitária em uma cidade grande.

Lagoa da Pampulha / Imagem: Enviada por Vitor

Apesar de ter feito alguns amigos no curso, Vitor sente falta do apoio familiar, pois precisa lidar com todas as responsabilidades sozinho. A mudança de uma cidade do interior para Belo Horizonte representou uma transição marcante. Ele destaca as demandas diárias, como preparar suas refeições, cuidar da casa e conciliar faculdade e trabalho, como elementos desafiadores.

 “A gente sai de uma bolha muito grande que é a cidade do interior, vem pra uma cidade grande igual BH e tem que se virar sozinho pra tudo […] se você não for lá e fizer sua comida ou comprar, que seja, não vai ter nada pronto pra você dia nenhum, você vai ter que limpar uma casa […] além da questão da faculdade e trabalho que você tem que conciliar, e também as próprias questões de casa mesmo, de cuidado com a casa e de cuidado consigo mesmo, então acaba que vira uma demanda muito maior”. 

Quando o Vitor foi para Belo Horizonte pela primeira vez, em 2020, não foi nada fácil a adaptação pois ele ainda não tinha se adaptado à ideia de se mudar e foi pego de surpresa sendo antecipado para começar o curso no primeiro semestre. Com a pandemia, Vitor voltou para a sua cidade e foi nesse período que foi se preparando para, de fato, morar sozinho e passar pelos desafios da universidade. 

A experiência na UFMG foi influenciada pela natureza flexível de seu curso em Letras, onde não há turmas fixas devido à variedade de disciplinas optativas. Ele observa que isso dificulta a formação de vínculos fortes com colegas, especialmente durante a pandemia, quando as interações eram limitadas.

“Eu acho que a própria organização do meu curso, a Letras, não facilita que a gente faça vínculos muito fortes com as pessoas porque a gente não tem turmas fixas como outros cursos têm. É um curso muito flexível nas disciplinas optativas, então eu tenho a opção de escolher disciplinas optativas que talvez um possível amigo não vá escolher. […] acho que na pandemia também ninguém se conhecia, só que eu conhecia a Emily, então os trabalhos que eram em dupla ou grupo, o meu ponto de apoio, ainda mais naquele momento que a gente estava nas mesmas matérias, sempre foi a Emily. E acaba que isso, de certa forma, fez com que nós dois não nos aproximássemos muito de outras pessoas”

Vitor enfrenta a difícil tarefa de conciliar a vida morando sozinho com os compromissos acadêmicos. Ele destaca os desafios em conseguir cozinhar enquanto estuda e trabalha, recorrendo ao bandejão universitário para garantir suas refeições durante a semana, apesar das filas e do tempo de locomoção.

Quanto ao desempenho acadêmico, Vitor acredita que morar sozinho não impacta tanto, mas reconhece que teria uma abordagem mais saudável às atividades acadêmicas se estivesse com os pais. A vida adulta apresenta desafios, e Vitor sente saudades de casa, embora a intensidade tenha diminuído ao longo do tempo.

“No dia-a-dia não é uma coisa que me corrói [a saudade] […] mas em alguns momentos pesa um pouquinho, se tiver passando por um momento mais difícil ou se tiver mais exausto, mais cansado.[…] sinto uma saudade em um nível mais saudável e não em um nível corrosivo”

Com a graduação se aproximando, Vitor não planeja permanecer em Belo Horizonte. Ele enxerga melhores oportunidades profissionais em Congonhas, com um custo de vida mais acessível e condições de vida melhores.

Maria Amélia

Maria Amélia tem 21 anos, é de São Brás de Suaçuí (MG) e é graduanda do 8º semestre de Arquitetura e Urbanismo. A escolha da UFMG foi motivada pela reputação de qualidade de ensino e pela proximidade geográfica com sua cidade natal.

Foto enviada por Maria/ Imagem: Acervo pessoal

Apesar da proximidade, Maria Amélia sente profundamente a falta de sua cidade do interior. A cada final de semana, ela faz a viagem de volta para matar a saudade, revelando o impacto que a distância tem em sua adaptação a Belo Horizonte. Ela confessa que essa dificuldade acaba afetando sua relação com a cidade e com a universidade, tirando um pouco do brilho da experiência acadêmica.

Morando em um pensionato, Maria Amélia encontrou apoio e amizade entre os colegas de moradia, de faculdade e de estágio. Embora esses colegas sejam um ponto de apoio, ela destaca a dificuldade de se encontrar com amigos do Campus Pampulha durante a semana, devido à rotina corrida. No entanto, a estudante se sente amparada em Belo Horizonte, especialmente pelo fato de sua cidade natal não estar tão distante, permitindo que ela retorne quando necessário.

A adaptação de Maria Amélia é um desafio constante, e ela nota uma maior facilidade em se aproximar de colegas vindos de outras cidades e estados do que com aqueles naturais de Belo Horizonte. A identificação com quem também está “perdido na cidade grande” cria laços mais fortes.

“Às vezes quando a pessoa já é natural de BH, como mais da metade dos meus colegas, não rola tanto essa identificação quanto com uma pessoa que tá perdida na cidade grande igual você. Eu sinto que eu consigo ter muito mais essa relação, essa rede de apoio, com outros estudantes que também são do interior.”

O retorno frequente a São Brás de Suaçuí impacta seu envolvimento com a universidade, levando-a a perder atividades fora dos horários regulares da semana. Além disso, a responsabilidade de lidar com tarefas domésticas interfere em suas experiências e atividades acadêmicas, tornando a relação mais desafiadora. De toda forma, ela não acredita que seu desempenho acadêmico tenha diminuído por isso, só é mais cansativo.

Maria Amélia nota diferenças significativas de Belo Horizonte em relação à sua cidade natal, principalmente nas relações interpessoais, no custo de vida e no tempo de deslocamento. O ritmo acelerado de Belo Horizonte não se alinha aos seus gostos, e ela expressa a intenção de retornar a São Brás de Suaçuí após a formatura, embora sinta insegurança em relação à vida profissional na cidade interiorana.

Júlia

Julia tem 19 anos, é de Santo André (SP) e encontrou em Belo Horizonte não apenas um novo lar, mas também desafios e conquistas enquanto cursa Relações Públicas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com pouco mais de um ano na capital mineira, Julia compartilhou um pouco da sua experiência de se mudar para uma cidade distante de sua família. 
Foto enviada por Julia / Imagem: Acervo pessoal

Ao chegar em Belo Horizonte, Julia conhecia apenas a prima, com quem mora até hoje. Inicialmente, a relação entre as duas não era tão próxima, mas ao longo do tempo, construíram uma grande amizade. Julia destaca que a decisão de estudar na UFMG foi motivada pela proximidade, se comparada às outras universidades, e pela qualidade do curso de Relações Públicas oferecido pela instituição. No estado de São Paulo o mesmo curso também é ofertado na Universidade de São Paulo (USP), mas não a atraiu por ter a grade curricular muito focada em comunicação organizacional. 

A mudança para Belo Horizonte foi inicialmente encarada como uma “aventurinha”, uma oportunidade de conhecer novas pessoas e iniciar o curso desejado. No entanto, após alguns semestres na UFMG, a sensação de novidade está diminuindo, e Julia começa a sentir mais a falta do conforto que a família proporcionava, especialmente de seu irmão mais novo.

A distância considerável entre Belo Horizonte e Santo André limita as visitas de Julia à sua cidade natal, que ocorre principalmente em feriados prolongados. O custo e a dificuldade de obter passagens frequentes de avião também contribuem para essa limitação. Julia expressa o desejo de voltar com mais frequência se estivesse mais perto, destacando a saudade do convívio familiar.

Apesar das saudades, Julia gosta muito de sua vida em Belo Horizonte. 

“Talvez seja o contrapeso porque eu gosto muito daqui, apesar de sentir muitas coisas sobre estar longe de casa […] gosto muito do pessoal daqui, acho que me dei bem […] tenho pessoas queridas”

Sobre ter uma rede de apoio na cidade, ela diz que não se compara com o amparo da família.

“Não chega perto da questão família […] mas existem pessoas que eu me sinto confortável pra recorrer”

Ela destaca o apoio de pessoas próximas, incluindo sua namorada e sua prima, como uma rede de suporte em momentos difíceis. Julia menciona também a importância dos amigos da faculdade e de algumas pessoas queridas do time de vôlei em sua vida social, embora admita que só pediria ajuda a essas pessoas se estivesse precisando muito, já que não gosta de se sentir um peso. Além disso, ela admitiu que ainda está no processo de aprofundar essas relações.

“Faz um ano que eu tô aqui e aí eu acho que tô me abrindo agora pra poder firmar essas relações mais profundamente”

A experiência universitária de Julia é marcada por uma dualidade de sentimentos. Ela acredita que estaria mais envolvida nas atividades acadêmicas se estivesse mais próxima da família, mas reconhece que a distância proporciona liberdades e independência. O desafio de lidar com tarefas domésticas e questões de saúde por conta própria é uma realidade que os estudantes que deixam a casa familiar enfrentam.

O futuro de Julia permanece incerto quanto ao local de residência após a faculdade, mas uma coisa é clara: sua jornada em Belo Horizonte é marcada por desafios superados, amizades construídas e a busca contínua por equilibrar a saudade da família com a descoberta de uma nova vida.