Insuficiência das bolsas de estágio enquanto fonte de renda e ausência de foco em aprendizado são alguns dos desafios para os estudantes de graduação da maior Universidade Federal do país.
Por Vitória Rocha Custodio
Maria Eduarda, estudante de Artes Visuais de 19 anos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),é natural de Divinópolis, e, como muitos outros estudantes da universidade, se mudou para Belo Horizonte para frequentar o curso. A aluna, em seu 5° período, agora faz estágio no Centro Cultural UFMG. O estágio não é obrigatório, mas ela viu a experiência como uma oportunidade de inserir-se no mercado de trabalho e ter as primeiras experiências profissionais na área de atuação.
Assim como para Maria Eduarda, o estágio é, para muitos estudantes, a porta de entrada para o mercado de trabalho, e pode ser viabilizador de muitas conquistas profissionais, e encaminhar o estudante para uma carreira bem sucedida.
Mas apesar de parecer uma oportunidade de ouro, pode, muitas vezes, não ser exatamente o que se espera devido ao cenário de cargas horárias não respeitadas, acúmulo de funções, desvalorização da função e estagiários frustrados e mal pagos vivenciados por muitos estudantes
Estágio: aprendizado ou exploração?
A Lei de Estágio (11.788/2008) categoriza a experiência como “aprendizado de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular”, e apesar do estágio realizado por Maria Eduarda não ser obrigatório, esse não é o cenário vivido por todos os estudantes. Julia, estudante do curso de Ciências Biológicas da UFMG, precisou realizar o estágio supervisionado obrigatório para concluir a formação, já que o estágio obrigatório está presente em boa parte dos cursos da Universidade Federal de Minas Gerais. Para os alunos desses cursos, não é possível se formar sem realizar uma experiência de estágio.
Mas, ainda que para a universidade e para a legislação a experiência seja parte da formação, como um campo de aprendizado, no mundo real boa parte dos estagiários relatam sobrecarga e expectativa de desempenho igual a funcionários regulares das instituições em que estagiam.
A estudante Júlia, do curso de Ciências Biológicas, relata sobrecarga em sua experiência “o meu setor, na escola em que estagiei, era completamente desestruturado, eu e a outra estagiária basicamente realizávamos todas as tarefas sem supervisão, e muitas vezes eram coisas que nem contribuíam com o nosso aprendizado”, lamenta. E Julia não é a única, em respostas ao formulário utilizado pela reportagem para procurar entender melhor a opinião dos estudantes, vemos relatos como:
“fui […] social mídia de uma empresa privada, 6h por dia com as exatas mesmas atribuições e responsabilidades que os CLTs da empresa”
“Já estagiei em uma startup de educação, onde os estágios eram sobrecarregados e a bolsa não estava ajustada para o nível de responsabilidade”“(…)as coisas não funcionam de uma maneira linear e o estagiário era mais um faz-tudo do que alguém que aprendia algo.”
“(…)ser estagiário é ter em mente que você vai ser rebaixado “abaixo” dos funcionários, e é mais suscetível a sofrer assédios de diferentes níveis e formas.”“Estagiei em mais de um lugar enquanto estudei na universidade e falo com convicção que na maioria eu não aprendi nada e só fui desviado da minha função.”
“(…)esses lugares precisam de mais funcionários e nesse processo a função ”estagiário” cai por terra junto com o interesse de ensinar.”
Relatos como o da Julia e demais estudantes, exemplificam um processo de sucateamento da experiência de estágio, que passa de algo focado no aprendizado, à exigência similar ou igual ao trabalho regular, em que muitos enfrentam a dualidade: manter a carga horária e não entregar tanto quanto se espera, correndo o risco de ser substituído, ou extrapolar a carga para entregar o que é esperado. Soma-se isso ao fato do estagiário ser um funcionário mais barato e mais facilmente descartável para as instituições. Como consequência, o resultado são estudantes mal pagos, frustrados, e em sobrecarga, que lutam para conciliar os estudos e o trabalho.
Instituições públicas ou empresas do setor privado?
Dentre as diversas modalidades de estágio, estão aqueles realizados em empresas do setor privado, instituições públicas e até mesmo internamente, na própria universidade. Cada tipo possui suas vantagens, mas estagiar em uma instituição privada parece ser mais atrativo para os estudantes, já que, em média, oferecem uma bolsa ligeiramente mais alta, variando entre R$1.000,00 e R$1.500,00, com uma infraestrutra melhor, e uma possibilidade de desenvolvimento de plano de carreira ou efetivação, mais ainda com a desvantagem de serem os principais casos em que os estudantes relatam sobrecarga. Já as instituições públicas ficam bem atrás, na maioria dos casos chegando a pagar menos de R$1.000,00 mensais, acompanhados de um vale-transporte, e plano de carreira praticamente inexistente, já que é muito improvável continuar a trabalhar nesses lugares, uma vez que, para atuar como funcionário regular é necessário a prestação de concurso público. Já a UFMG oferece bolsas que raramente ultrapassam os R$750,00, muitas vezes sem vale-transporte ou qualquer outro benefício.
Além dessas 3 modalidades há ainda os programas de estágio, também oferecidos por empresas do setor privado, e que parecem suprir o que se espera da experiência, além de apresentarem um plano de carreira estruturado com a possibilidade real de efetivação e foco no aprendizado, com o objetivo permanência e formação de uma base de conhecimento sólido na área. A bolsa para esses programas de estágio podem chegar até os R$2.000,00 mensais, acompanhados de benefícios como vale-alimentação, convênio médico, odontológico e de academia. Parece o cenário ideal, se não fosse a dificuldade para conseguir esse tipo de estágio. Além de serem oferecidos somente de 1 a 2 vezes ao ano, as vagas desse tipo são muito concorridas, e o processo seletivo frequentemente se estende por mais de 10 etapas, com diversos tipos de avaliação que se alongam por meses, o que torna o acesso à essas vagas extremamente restrito, principalmente aos estudantes que já exercem outras atividades profissionais.
Mesmo com a ocorrência dessas raras oportunidades, o professor Felipe Viero, responsável pelos estágios do curso de Jornalismo, relata que, ainda que maior parte dos estágios do departamento sejam oferecidos pelo setor privado, a média de valor das bolsas ainda fica por volta dos R$1.000,00.
E a bolsa, dá?
No mundo ideal, o estudante se dedica 100% aos estudos, contando com uma rede de apoio financeiro e podendo aproveitar completamente as experiências promovidas pela universidade, sejam as propostas das aulas, participação em grupos de pesquisa e atividades extra curriculares ou o próprio estágio. Mas a realidade é bem diferente, já que uma parte significativa dos estudantes, também exercem atividade remunerada para se manter, como é o caso da estudante Maria Eduarda, citada no início desta reportagem, e Julia, que também precisa pagar parte das contas com a bolsa recebida. Nesses casos, muitas vezes a bolsa estágio é responsável por garantir a manutenção dos estudantes na universidade, principalmente quando se trata de estágio obrigatório, o que significa que, em algum momento, o estudante terá que estagiar, e se não for possível receber ajuda de uma rede de apoio, a bolsa estágio fica a cargo de sustentar o estudante. Nesse cenário, a pergunta que fica é: a bolsa estágio é satisfatória?
Foram analisados dados de algumas bases para responder essa pergunta. Segundo o site custodevida.com, frequentemente utilizado pelos internautas para calcular o custo de vida de variadas cidades no território nacional, o custo de vida em Belo Horizonte no ano de 2024 pode chegar a R$5.000,00. Mas considerando a experiência de Maria Eduarda, para ela, os gastos para se manter na universidade são distribuídos da seguintes maneira:
E sem considerar imprevistos, gastos com saúde, lazer e materiais para a própria faculdade, que no caso de Maria Eduarda, estudante de artes visuais, não fica em menos de R$150,00 por mês. Assim, o custo de vida pode ultrapassar R$2.000,00, o que, em contraste com o valor médio da bolsa de R$1.000,00, já nos ajuda a responder a pergunta.
Ou seja, fica evidente que, principalmente as bolsas oferecidas pelas instituições públicas ou pela própria UFMG, não são nada satisfatórias para suprir as necessidades dos estudantes, principalmente levando em consideração que boa parte dos estágios nem mesmo oferece vale-transporte, o que pode elevar ainda mais o custo de vida estimado. As instituições privadas se safam por pouco no quesito compensação financeira, mas não saem ilesas, apesar de oferecerem uma remuneração mais satisfatória e uma experiência de carreira futura melhor, muitos estudantes relataram situações de sobrecarga mais frequentes nessas instituições.
No fim das contas, tanto boa parte dos estudantes que registraram suas respostas para a reportagem via formulário da plataforma Google, quanto Maria Eduarda, categorizam o estágio como, de maneira geral, positiva, já que invariavelmente conseguem sua primeira experiência profissional e são inseridos no mercado. Entretanto, ela relata que, mesmo com o bom aproveitamento, o estágio ainda não é satisfatório financeiramente, ressaltando que não se sente suficientemente compensada pelo trabalho que exerce.
* Reportagem produzida na disciplina Laboratório de Produção de Reportagem sob supervisão da professora Dayane do Carmo Barretos