Gonzo Jornalismo na Virada Cultural de BH. Saiba como três dos nossos repórteres passaram a madrugada na noite mais animada da cidade.

 

A Transite enviou três aspirantes a gonzo jornalistas para passarem a noite na 3ª Virada Cultural de BH, entre sábado e domingo, 12 e 13 de setembro. O evento aconteceu em todos os cantos da cidade, mas nos concentramos onde estava a multidão, no Centro da capital. Nas ruas lotadas, encontramos muitas coisas e perdemos várias outras. Agora você confere o relato completo dessas doze horas de maratona cultural.

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Gabriel (17h40 – todos os meus horários são estimados): Começou bem. Consegui lugar no Move, o que é sempre uma vitória. Uma moça bonita sorria, de pé, a dois assentos dali. Gente de pé sorrindo assim no Move só pode estar chapada ou acabou de receber uma mensagem romântica no celular. Mas não. Era o pôr-do-sol lá fora, tão redondo e tão vivo como uma bandeira japonesa desfraldada no céu.

Sylvia (17h43): Cheguei ao Conservatório quinze minutos adiantada. Reparei num grupo de turistas alemães discutindo na calçada, tentando interpretar um mapa com a ajuda de seu amigo Brasileiro Bilíngue Genérico. Sempre fico surpresa ao ver estrangeiros em BH (imagino que as passagens de avião para cá estejam muito baratas). Permaneci o resto da noite me perguntando por que os gringos decidiram subir a Afonso Pena para o Conservatório, um programa que com certeza jamais superaria uma batalha de passinhos de funk.

Kaio (18h07): Meu ônibus não passava. Entrei no primeiro em que li “Praça Sete”. Conheci muitos bairros.
Ônibus
K (18h30): Ninguém queria visitar a exposição no Conservatório. Insisti. Insisti. Visitamos. De nada:

https://youtu.be/1x3rEOniQFY

S (18h48): Moças tocando piano. Impossível não se lembrar das cenas nos romances da Jane Austen em que, no meio da conversa, alguém diz “QUE BELA HORA PARA EXIBIR MEUS TALENTOS MUSICAIS!” Passamos por uma mini-capela, um cantor de roupas bufantes e uma atração copiada do Inhotim. Me senti encantada e meio velha.

G (18h50): Eu imaginava em quem os olhos do cantor estavam enquanto ele despejava sua voz, quando havia um público tão pequeno em uma sala tão grande. Ele próprio matou minha curiosidade. Encontrei-o em uma lanchonete horas mais tarde e comentei que o tinha ouvido. “Eu te vi lá”, ele respondeu. Pena que sem cantar.

S (19h02): O início de uma breve porém marcante carreira de sommeliers de vinho barato e catuaba.

Carrefour

G (19h20): No caminho até a rua Aarão Reis, um beco em permanente obra. Tapumes com slogans da Prefeitura fazendo as vezes de parede para moradores de rua, por quem a Virada apenas passava.

S (19h37): Passamos direto pelas exposições e feiras do Viaduto Santa Teresa. Fiquei sem minhas tão desejadas publicações indepedantes.

S (20h02): Artistas cantavam Fernando Brant a metros de nós no palco principal da Praça da Estação, e a mineira incondicional dentro de mim se sentiu uma traidora quando demos as costas pro Clube da Esquina para prestar atenção numa roda de mosh. Os metaleiros expressavam seu grande conflito de “querer dançar mas gostar de música que não dá pra dançar”.

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K (20h02): “Pra que abrir uma roda desse tamanho por causa do mosh? Mineiro tem muito medo”, foi o que ouvi dizer uma amiga paulista enquanto eu me afastava.

K (20h09): Sobre decorações que seriam reprovadas por agentes comunitários de saúde no combate à dengue:
Praça da Estação

K (20h15): Um por um, todos pularam quando mostrei a programação de perto. A palmeira virou aranha.
Aranha

G (20h20): Ninguém disfarçava seus passos Guaicurus adentro naquela noite. Algumas mulheres assistiam à multidão da janela dos hotéis, para os quais eu olhava quando fui atingido por um pacote de camisinha (fechado, amém) que voou do palco. O DJ Mayke Henry despertou a vontade de que toda balada gay acontecesse a céu aberto.

S (20h27): Só a caipirinha Smirnoff pronta sabor amarelo-maracujá que nossas amigas compraram mais cedo pra me tirar as lentes do Raio Problematizador. Foco no palco. Não olhe os cinemas. Não olhe os hotéis. Não se sinta incomodada. Foco na música e nas dançarinas. Foco no casal atrás de você que parece estar mais preocupado em tirar selfie beijando do que aproveitar o evento.
“Daspu é uma puta parada, Daspu é uma parada de puta…”, cantavam. Não tá fácil.

S (20h31): Kaio não bebe. O mapa ficou com ele.

Mapa

S (20h48): “Vou ficar a noite inteira. Daqui eu vou pra Praça da Estação (…) Estou bem ansiosa pro Molejo amanhã”, disse Silvana Ávila, que nos pediu um copo de caipirinha e, de quebra, recebeu nossos corações.

https://youtu.be/29bQCYHkqvA

S (20h54):

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G (21h30): Detrás do grande palco da Guaicurus, vimos o outro lado da Virada, literalmente. As imediações do Shopping Uai descansavam vazias. Eu e Sylvia iríamos nos inscrever na Batalha do Passinho de Funk, mas, graças ao deus do Gonzo Jornalismo, as inscrições terminaram antes que conseguíssemos nossa chance de sermos destruídos no palco.

G (22h30): Lembrete para a vida: os banheiros químicos quase sempre serão melhores que os banheiros de boteco. Mas é apenas no boteco que você vê a dona no balcão estirada como uma namoradeira. Uma que tivesse terminado o namoro e estivesse triste demais para sorrir.

Frei Veloso

G (23h): Anotação sobre a quantidade de vezes que paramos para cumprimentar alguém: aquela teoria dos “seis graus de separação” se transforma em “dois graus de separação”, se você vive em BH. Se estuda na Fafich, então “um e meio”.

S (23h05): Dica para as minas que querem se livrar de ome escroto te enchendo o saco: decore um telefone falso e estabeleça um pseudônimo de festas. Diga “olha, vou te passar meu whatsapp e a gente se fala lá, pode ser?” Aguarde o otário tentar falar com a “Sarah” no número antigo de um amigo seu.

G (23h30): Em busca de uma lanchonete, eu e Kaio caminhamos até a Praça Afonso Arinos, já que a fila para entrar no Parque Municipal tinha o tamanho da Afonso Pena. Subimos Floresta e descemos Bahia. Ou subimos Bahia descemos Floresta. Eu não sei. Alguém solucione essa dúvida nos comentários.

K (23h40): De como nasce a Feira Hippie:
Feira Hippie

G (00h00): Estou chutando o horário. O clima descontraído da cidade nos desarmara. Pensei que fosse um amigo brincando quando uma mão me tomou o celular. Não era. Escorado à grade do Parque Municipal, na rua da Bahia, caí no golpe do “Perdeu, playboy”.

Gabriel Celular

G (00h30): Os computadores disponibilizados pela Prefeitura no Viaduto Santa Teresa funcionavam muito bem. Bloqueei as contas que mantinha no meu celular estupidamente sem senha. O Viaduto permanecia perfeitamente belo-horizontino e o susto do assalto não diminuiu meu entusiasmo em ver a cidade tão cheia e festiva lá embaixo.

K (00h40): Tinha pessoas.
Viaduto

S (00h48): Aproveitando as atrações da Revirada Cultural, resolvi tirar algumas fotos do público. R.I.P. bateria.

revirada

G (01h): Raggae. Hip Hop. Um cara da banda apontando spray de fogo pro céu. A Revirada estava a um triz de ultrapassar o evento oficial em termos de entusiasmo. Que me desculpe o jornalismo multimídia, mas fico feliz de nenhum dos meus amigos terem me filmado enquanto eu dançava na primeira fila do palco. Nem sempre a catarse é uma coisa bonita de se ver.

https://youtu.be/jZAdmCFYnuI

K (01h53): — Tá quantos por cento, Sylvia?
— Sete.
— Quase lá.

Sylvia 2

G (02h): No show mais aguardado da noite, a única coisa em que eu prestava atenção era a dinâmica do casal a alguns metros. A mulher parecia realmente feliz com os braços ao redor das costas nuas do namorado magrelo. Os dentes dela lembravam os da Bela Gil, como que feitos exclusivamente para sorrir.

K (02h15): Do show da banda Sepultura, restou um cover gibberish:
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S (2h20): Acabou o vinho.

G (2h20): Começou a catuaba.

Arrastão

K (02h30): Eu, Sylvia e Gabriel sentados na Aarão Reis em uma parada de ônibus. Do nada, pessoas correndo. E tinha a polícia também. Enquanto eu ainda tentava entender, Gabriel fez-se olímpico. Saiu correndo, equilibrando dois copos cheios de catuaba. Pisou em um prato plástico. Escorregou. Por sobrevivência, largou os copos em cima de uma cadeira qualquer. Só parou quando a multidão à frente se acalmou. Tudo sem olhar para trás. Amazes me the will of instinct.

G (03h): Eu não me lembro do que exatamente aconteceu entre as 03h e as 04h, entre a Praça da Estação e a Praça Sete, mas juro que não bebi tanto assim. Coloco aqui uma memória da noite inteira: cigarros de maconha sendo bolados livremente em todos os pontos da Virada, por todo tipo de gente. Descriminaliza e descriminaliza logo, STF!

G (04h30): O Quarteirão do Soul estava ótimo, mas aquilo de que eu vou verdadeiramente me lembrar sobre ele para sempre é a mochila molhada da mulher dançando à minha frente, que esbarrava em mim o tempo inteiro. “Eu tô um pouco ébria!”, ela me disse, à guiza de desculpas. OK, amiga, a gente te entende.

S (04h43): Independente da hora, lugar, pique ou álcool, soul é contagiante. Mesmo para quem subiu a Amazonas quase arrastado. Mas o ânimo trazido pelo soul é efêmero, como mostra Gabriel numa pose que representa todos nós. #SomosTodosGabriel
Soul

S (5h): É oficial. Desistimos. Não dá mais. Não sou usuária de coca. Vamos pro Parque Municipal tirar um cochilo.

K (5h10): “Galera, cadê a Sylvia?”
Sylvia d

G (05h20): Por que não se faz uma rave no Parque Municipal todo final semana? A Virada provou que o lugar tem o clima perfeito. Além do mais, há pleno espaço para quem desistiu se jogar na grama e dormir até o sol estar forte demais.

Parque Municipal

G (06h): Meu celular reserva acabou servindo para algo mais do que uma triste comparação com aquele que foi roubado. Foi nele que ligamos para o SAMU, à beira da Feira Hippie. Um garoto cambaleava pela entrada do Parque e foi imediatamente cercado pela Guarda Municipal quando derrubou uma grade de isolamento.

G (06h30): Enfim no ônibus, que ao longo do caminho foi se enchendo de outros maratonistas da Virada. Um deles ainda tinha fôlego para cantar, talvez se preparando para o show do Molejo mais tarde. Eu e Kaio tentamos esquecer que em algumas horas tínhamos outra matéria para fazer no Centro, mas mesmo assim só falávamos disso. Acreditem, o jornalismo é legal.

Gabriel Rodrigues

Pra me consolar, ando dizendo que o roubo do celular foi meu primeiro acidente de trabalho como jornalista.

Kaio H Silva

Sylvia Mendonça

Um perdeu o celular. A outra perdeu o BV.