A pandemia de Covid-19 impossibilitou a realização das feirinhas de economia popular que aconteciam na UFMG. Uma das saídas para seguir com as ações foi utilização da internet e das redes sociais. Mas, apesar de óbvia para alguns, a solução foi desafiadora para a maioria dos microempreendedores.

Por Joice Lopes

Isolamento social, fim dos eventos presenciais e cerca de 90 microempreendedores sem expectativas de venda. Esse foi o saldo resultante da pandemia de Covid-19 para os comerciantes que participam das famosas feirinhas populares, que enchiam o campus Pampulha da UFMG de cores, sabores e culturas durante o período letivo.

Diante de um cenário desesperançoso, surge uma saída: levar essas cores, sabores e culturas para o ambiente virtual. Assim foi feito com o trabalho dos feirantes atendidos pelos projetos de extensão Polo Jequitinhonha e Colmeia Solidária. Durante o ano de 2020 e 2021, ambos se organizaram para não deixar a peteca cair e continuar com seus propósitos de sempre: fomentar a economia popular junto às populações e comunidades carentes de BH, da região metropolitana e do famoso Vale Jequitinhonha.

Encontro realizado entre produtores e participantes do projeto Colmeia Solidária. Divulgação: Colmeia Solidária

Apesar de lógico, o processo de tirar as feirinhas do modelo presencial e levar para o ambiente on-line não foi tão simples. Primeiro, o desafio de reunir os comerciantes que não tinham familiaridade com a internet, depois a dificuldade desses microempreendedores seguirem seus comércios em ambientes virtuais. Isso tudo trouxe à tona uma questão: o comércio virtual veio para ficar dentre os comerciantes de economia popular e solidária, ou se tornaram somente um paliativo para épocas de distanciamento social?

Comércio online: solução óbvia ou desafiadora?

Antes de tudo, é necessário entender quem são as pessoas que estão nas pontas desses projetos fomentadores do empreendedorismo popular dentro da universidade. O Polo Jequitinhonha é um projeto de extensão estudantil cujo um dos propósitos é estimular a geração de renda na comunidade do Vale Jequitinhonha. 

Já o Colmeia é um grupo de pesquisa e extensão, criado em 2014 na Faculdade de Ciências Econômicas, com o objetivo de levantar dados e realizar ações de apoio à economia popular. Atualmente, o grupo se aproxima de microempreendedores de BH e, sobretudo, da região metropolitana da capital mineira.

Evento de abertura da 20ª edição da feirinha popular do Polo Jequitinhonha

Ambos os projetos de extensão lidam com empreendimentos da economia popular e solidária, os quais são bastante caracterizados pelo grau de informalidade laboral. Sibelle Diniz, coordenadora do projeto Colmeia, caracteriza esses empreendimentos como “familiares, onde a organização do trabalho é distinta, muitas vezes baseada em solidariedade e reciprocidade. Muitas vezes a produção é feita dentro do próprio domicílio, de forma artesanal”. 

Além do aspecto da informalidade, o perfil dos microempreendedores segue um padrão muito específico. De acordo com dados levantados pelo próprio Colmeia, o público atendido é majoritariamente idoso e de baixa renda. Por esse motivo, algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos grupos dizem respeito à falta de familiaridade com internet e redes sociais. 

Layla é bolsista de extensão do projeto Colmeia Solidária e cuida da elaboração da feirinha popular há cerca de um ano. Segundo ela, o panorama ficou dividido durante o período de paralisação das atividades. Enquanto alguns não puderam utilizar o on-line ao seu favor, outros conseguiram surfar na onda da internet.

“Alguns adquiriram celulares, outros criaram pela primeira vez uma plataforma no Instagram, alguns se adaptaram mais que outros, alguns tiveram prejuízos, outros conseguiram investir um pouco mais e adotaram a comercialização on-line como um novo recurso, utilizado até mesmo com a maior flexibilização em relação da pandemia”, comenta a bolsista do projeto Colmeia.

Joana é artesã e vive da renda que consegue ao vender peças feitas de crochê. Há 20 anos, ela e outros artesãos da cidade de Turmalina passaram a receber o apoio do projeto Polo Jequitinhonha em ações de desenvolvimento da economia popular local. Desde então, Joana participa de reuniões, feiras e outras ações desenvolvidas junto ao projeto de pesquisa e extensão da UFMG. 

Contudo, durante o período de isolamento social foi um pouquinho diferente. “Através do Polo Jequitinhonha meu trabalho foi representado em  uma exposição on-line, onde o mundo inteiro pode ver meu trabalho. Mas infelizmente não consegui acompanhar as outras ações, pois era on-line e tenho dificuldade com redes sociais”, explicou a artesã. 

Divulgação do Catálogo de Natal do projeto Colmeia Solidária no Instagram

Com a paralisação das atividades presenciais, a solução encontrada pelos projetos de extensão para seguir com algumas ações foi adaptar o presencial para o on-line. Mas, a situação de Joana ajuda a explicar o motivo pelo qual a participação dos microempreendedores se enfraqueceu durante o período de isolamento social. 

Dados levantados pelo próprio projeto Polo Jequitinhonha mostram que a adesão dos comerciantes às atividades de apoio à economia popular foi mais baixa em relação às edições presenciais das feirinhas. Nas últimas edições, o evento chegou a reunir 90 produtores, que vieram de 27 municípios diferentes. Contudo, já na mostra virtual realizada durante o período de paralisação de atividades dentro da UFMG, o público não passou de 20 expositores.

O público de comerciantes atendidos pelos projetos Polo Jequitinhonha e Colmeia Solidária reflete um problema de nível nacional. No último semestre anterior à pandemia de Covid-19, uma pesquisa levantada pelo IBGE apontou que 12,646 milhões de famílias não tinham acesso à internet em casa e ainda havia 34,9 milhões de pessoas com mais de 10 anos sem acesso aos aparelhos de celular.

Mobilização

Como as melhores soluções partem do período de dificuldade, os professores, alunos e funcionários públicos que integram os projetos Colmeia Solidária e Polo Jequitinhonha tiveram ideias para divulgar os microempreendedores que tinham dificuldade de acesso à internet e às redes. Além de realizar treinamentos para capacitar os comerciantes que tinham mais familiaridade com a internet para vendas on-line.

Uma das iniciativas do projeto Polo Jequitinhonha foi a viabilização de uma mostra virtual, na qual cerca de 20 artesãos tiveram seu trabalho divulgado por meio de fotos e um breve resumo sobre os produtos, a mão de obra e as formas de contato. A mostra foi alocada ao site do projeto e divulgada por meio das redes sociais.

Já o Colmeia utilizou o Instagram do projeto para divulgar os produtores e artesãos. A cada semana, um microempreendimento era apresentado na rede social. Para completar, em dezembro, o projeto preparou um Catálogo de Natal para fomentar as vendas do final do ano. Ele funcionou como uma mostra virtual, já que contou com fotos, resumo sobre o empreendimento e formas de contato para aqueles que se interessassem em adquirir o produto.

Além disso, também houve um esforço de fazer com que aqueles artesãos que tinham acesso a internet pudessem inserir seus empreendimentos nas redes sociais e lucrar com o comércio on-line. Essa foi uma iniciativa tida tanto pelo Polo Jequitinhonha, quanto pelo Colmeia Solidária. Ambos organizaram um programa de capacitação, no qual os alunos formularam tutoriais ensinando a utilizar plataformas como Instagram e WhatsApp como ferramentas para divulgação e comercialização dos artesanatos. O Colmeia utilizou o     Google Meets para treinar comerciantes que já participavam do projeto. Já o Polo Jequitinhonha lançou uma campanha, na qual os treinamentos eram divulgados em vídeos curtos, por meio das redes sociais.

O retorno ao presencial e as possibilidades de recuo

Última edição da feira popular do projeto Colmeia Solidária. Divulgação: Colmeia Solidária

A essa altura do campeonato, o retorno às atividades presenciais tomou um significado muito maior do que somente mais um formato para a realização da feirinha. Diante de um sinal de baixa adaptação ao cenário virtual, os organizadores do evento, os feirantes e os próprios clientes viram na volta presencial uma esperança para o aumento das vendas. 

A expectativa de retorno por parte das pessoas que fazem parte dos bastidores das feirinhas sempre foi um fato. E não foi diferente em relação aos órgãos de regimento da Universidade Federal de Minas Gerais. 

Em 13 de janeiro de 2022, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) aprovou a resolução 01/2022, que previa um plano para o retorno presencial de atividades dentro da UFMG. Este documento introduziu os procedimentos a serem seguidos por funcionários e demais frequentadores dos campi na Etapa 3. Nessa fase, ficou evidente que todas as atividades que aconteciam em modelo virtual deveriam retornar ao formato presencial, e aquelas que tivessem a proposta de serem ofertadas de forma on-line deveriam apresentar justificativa aos órgãos competentes. 

Ainda de acordo com a resolução 01/2022 não existe risco de retrocessos às etapas 1 e 2, nas quais as atividades eram paralisadas por completo ou aconteciam em modelo híbrido. “Na Etapa 3, o que poderá ocorrer são movimentos de idas e vindas, avanços e recuos, marcados por suspensões temporárias de atividades presenciais em decorrência do monitoramento de casos”, explicita o documento.

O que esperar de novo?

Diante da resposta positiva dos órgãos de administração da UFMG quanto ao retorno das feirinhas populares, os projetos de pesquisa e extensão já estão se preparando para a volta das cores, sabores e culturas nos eventos realizados dentro do campus Pampulha. 

Depois de algumas reuniões presenciais junto aos microempreendedores, o Colmeia Solidária conseguiu planejar o retorno da feirinha popular dentro da FACE. Nos dias 15 e 29 de Junho e 13 de Julho ocorrerão os primeiros eventos do semestre. Quanto ao Polo Jequitinhonha, Sérgio Araújo, produtor na área de suporte do projeto, afirma que as feirinhas já têm data marcada. A previsão é que a 21ª edição aconteça de 12 a 17 de setembro.

As feirinhas populares serão as mesmas, mas nem tudo ocorrerá da mesma forma. Os projetos estão organizando eventos que precisam atender as normas de saúde e segurança, previstas nas resoluções de enfrentamento à pandemia criadas pela UFMG. Distanciamento entre as barraquinhas, possivelmente menos produtores participando, álcool gel e máscara serão palavras de ordem. Nada será como antes, mas a expectativa é que seja melhor que ontem e que a economia solidária siga se fortalecendo.