Por Wesley de Oliveira
Pela localização privilegiada, os bairros Liberdade e Jaraguá são muito cobiçados por estudantes não-naturais de Belo Horizonte que estudam na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e buscam uma opção cômoda de moradia para se deslocar até a faculdade. Ao longo dos anos, porém, a falta de segurança se mostrou um grande defeito para esta região, com relatos de crimes sendo comuns entre os universitários.
Natural de Divinópolis, Moisés cursa Matemática e morou por três anos na Rua Boaventura, considerado o principal logradouro do bairro Liberdade. No começo do mês passado, quando estava no bar Cabral, localizado em frente à UFMG, à beira da Avenida Antônio Carlos, foi assaltado.
“No dia 07 de abril, fui para o Cabral com amigos e a maioria deles foi embora, mas eu segui até 04h. Eu fui na lateral, onde tem uma academia ao ar livre, para fazer xixi, e chegaram dois rapazes e me abordaram. Eles pediram minha carteira e meu telefone. Fizeram a menção de ter arma e eu entreguei”, lembra o estudante, de 22 anos.
Por coincidência, a ocorrência aconteceu justamente no dia em que Moisés estava de mudança, deixando o bairro Liberdade para o Santa Amélia, que fica do lado oposto à Antônio Carlos. Ele conta, porém, que sua troca de endereço se deu por uma questão pessoal e nada teve a ver com a segurança.
A fim de diminuir os índices de criminalidade e casos como esse, não só nesses bairros próximos à UFMG, mas também em todo o território de Minas Gerais, o Governo do Estado criou em 2017 o projeto Segurança Comunitária, que faz parte do Programa Mais Segurança. No caso de BH, a proposta incluiu a instalação de bases de segurança em 86 regiões estratégicas da cidade, sendo uma dessas no Jaraguá.
Em cada um desses territórios, foi disponibilizada uma van policial, equipada com câmeras de videomonitoramento, rádios digitais e equipamentos de segurança. Além disso, cada base conta com duas motocicletas para o patrulhamento da região e atendimento de ocorrências.
Apesar de ter sido assaltado dentro do Liberdade, Moisés conta que jamais havia passado por uma situação desconfortável ou de perigo durante seus três anos de estadia no bairro. O que chegou mais perto disso foi quando perdeu uma carteira no bar Jaéh ao final de 2020, que foi encontrada e entregue aos policiais do Segurança Comunitária. O aluno foi contatado e pegou-a de volta.
“O pessoal relata que é uma região complicada por conta daquela ‘favelinha’ perto do Jaéh (bar), contudo, nunca tive nenhum problema ou vi alguém suspeito, que fizesse menção de roubar algo. E eu até andava de madrugada”, relata o graduando, que não tinha aula no período noturno e só andava pelo bairro de noite quando saía para festas.
O que diz a polícia
Os policiais que atuam no Liberdade e no Jaraguá garantem que os assaltos na região são raros. A reportagem contatou a Polícia Militar de Minas Gerais e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) para coletar dados concretos de ocorrências de maneira oficial, mas não obteve resposta.
A mesma situação aconteceu com os policiais que atuam na base policial do Segurança Comunitária no Jaraguá, localizado em frente a um movimentado supermercado na Rua Boaventura – o policiamento fica no local todos os dias das 16h às 23h30. Quando a reportagem se apresentou aos policiais para a matéria, não houve interesse de compartilhar informação.
Dias depois, quando chegamos até os profissionais como se fôssemos moradores interessados em saber das ocorrências no bairro, eles se mostraram solícitos. Além da presença da base policial, eles garantiram que há rondas de motos e carros pelas ruas da região que dispersam criminosos.
De toda forma, os policiais asseguraram que a região é “muito tranquila”, mas que existe a sensação de insegurança entre os moradores e, em especial nos estudantes universitários, porque as ruas tornam-se desertas no período noturno, em especial após as 21h.
Mesmo sem ter números exatos à mão, pode-se afirmar que, considerando o estado como um todo, Minas Gerais é a unidade federativa mais segura do Brasil. É o que diz dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), do ano passado.
De dia realmente é mais seguro?
A presença da base do Programa Mais Segurança, porém, pouco altera a sensação de tranquilidade dos alunos que andam pelas ruas do bairro. Thifanni Nakata, que está no nono período do curso de Psicologia, foi assaltada a poucos metros de uma outra viatura policial, que costumava se manter sob o viaduto José de Alencar, na Antônio Carlos. Ela, que mora numa rua paralela, caminhava com um amigo quando tudo ainda estava claro pela luz do sol, numa tarde de 2019, indo para a academia, quando foi abordada.
“Nós pegamos o caminho que tem as concessionárias e estávamos andando distraidamente quando uma pessoa nos abordou. Inicialmente, pensamos que o cara queria apenas conversar, mas ele pediu os nossos celulares e nós entregamos. Ele aparentava estar armado com algo cortante. Capaz que não estivesse, mas pela sensatez nós não fizemos nada”, lembra a estudante, natural de Mogi das Cruzes-SP.
Como reação imediata, Thifanni e o colega correram até a polícia. Eles entraram na viatura e tentaram perseguir o bandido, mas não obtiveram sucesso. Depois, foram até a base do Segurança Comunitária na Boaventura para fazer o boletim de ocorrência.
“Sempre escutei que aqui (o bairro) é meio perigoso, mas como eu não sou daqui e não cresci ouvindo isso, deixei para lá. Na minha cidade, andava mais atenta. Aqui, até ser assaltada, ficava tranquila”, revela Thiffani, que passou a andar mais precavida após o ocorrido.
Enquanto a estudante de Psicologia relata que as histórias de roubos no bairro sempre foram frequentes desde sua chegada a Belo Horizonte, em 2018, Moisés tem uma percepção diferente. Ele avalia que a região sempre foi segura, mas a situação tem mudado desde o início da pandemia. Segundo o mineiro, ele tomou conhecimento de outros casos de assalto após a volta às aulas neste ano.
Perigo noturno
Mateus Junior, que faz Cinema de Animação e Artes Digitais no período noturno e atualmente mora no Jaraguá, nunca foi assaltado, mas já enfrentou situações em que temeu por sua segurança quando morava no Liberdade, em 2019. “Ocorreram situações de eu ser parado por pessoas pedindo dinheiro na volta da aula, por volta das 22h30, na região da Antônio Carlos. E em várias dessas situações fui intimidado e até ameaçado”, diz ele, que é de Araponga-MG.
Por conta do medo, Mateus faz caminhos diferentes para ir e voltar da universidade durante a semana, a depender do movimento e do fluxo de pessoas em cada um dos trajetos. Ele se sente mais seguro em locais mais movimentados e anda “em bando” quando vê outros alunos em seu caminho.
“Pego a Noraldino (de Lima, rua paralela à Boaventura) nos dias próximos aos fins de semana porque lá é mais movimentado à noite nesses dias, por causa dos bares e restaurantes que tem na rua. A Boaventura é mais vazia, mas volto por lá às vezes, quando vejo movimento de estudantes voltando da aula”, revela o estudante.
Para ele, nem mesmo a presença da base policial lhe traz conforto para retornar para casa. Segundo o universitário, a região mais perigosa é a do viaduto, justamente onde Thiffani foi assaltada há três anos. Tamanha é sua insegurança que ele evita carregar consigo objetos de estudo, como seu notebook e sua mesa digitalizadora (um equipamento específico para desenhos no computador).
O paulistano Henrique Augusto, estudante de Engenharia Civil e que mora na mesma república de Mateus, compartilha de um pensamento semelhante ao do colega. Apesar de jamais ter sofrido com “apertos” em seus mais de seis anos de estadia na capital mineira, ele entende que a situação das ruas gera sensação de desconforto.
“A segurança do bairro (Jaraguá) não é ruim. Em seis anos, nunca fui assaltado, nunca tive nenhum problema e nem conheci alguém que foi assaltado. Mas as ruas são completamente escuras e têm poucas pessoas nelas”, opina o estagiário, que se sente indiferente com a presença dos policiais do Programa Mais Segurança no supermercado. “Eles ficam parados e não agem fora da região. Se acontecer alguma coisa em outras ruas, a presença deles ali não faz diferença”, finaliza.