Como os estudantes das faculdades fora da Pampulha interagem com o “ser UFMG”?
Por Clara Campos
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se fragmenta em Belo Horizonte: além do campus Pampulha, que concentra a grande maioria dos cursos, existe o campus da Saúde, no bairro Santa Efigênia a Faculdade de Direito, no Centro, e Faculdade Arquitetura e Design, na Savassi.
Fundada em 1927, a Universidade tem quase 100 anos e ao longo do tempo sofreu diversas transformações, inclusive em sua estrutura física e geográfica. A Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), por exemplo, enquanto se localizava no bairro Santo Antônio, foi cenário de diversos acontecimentos históricos que são desconhecidos por muitos alunos, como a ilustre visita de Michel Foucault ao prédio em 1973 e a resistência à ditadura militar, que levou alunos e professores da faculdade a serem torturados e mortos durante esse período. A antiga Fafich integrou, junto a outros 26 locais de Belo Horizonte, o projeto Memórias de Resistência – Lugares de repressão e de luta contra a ditadura militar, que foi inaugurado pela prefeitura de Belo Horizonte no ano de 2014 em memória dos 50 anos da ditadura. Também em 2014, o prédio da rua Carangola foi tombado como patrimônio histórico e cultural de BH. Atualmente, é o espaço onde funciona a Secretaria Municipal de Educação. As demais faculdades, como a escola de Engenharia e a Faculdade de Ciências Econômicas, por exemplo, também eram localizadas na região centro-sul da cidade.
Posteriormente, no ano de 1998, a administração da UFMG elaborou um projeto denominado “Campus 2000”, cujo objetivo era transferir as unidades acadêmicas localizadas na região centro-sul de Belo Horizonte para o campus Pampulha. Nele está a grande maioria dos cursos e acontecem vários eventos e atividades para toda a comunidade UFMG, que, geralmente são sediados na praça de serviços, local onde também ficam a farmácia, a rádio UFMG, os bancos, entre outros estabelecimentos.
As famosas feiras do livro e feiras da Belas Artes também acontecem na praça e todos os anos reúnem os alunos de toda a Universidade por alguns dias. Ao longo dos semestres, sempre acontecem outros eventos, até um Karaokê da UFMG já aconteceu no campus. Além da programação formal no calendário da Universidade, muitas das famosas festas universitárias também ocorrem na Pampulha. Diferentemente das festas do Direito, da Medicina e da Arquitetura, as que acontecem no campus Pampulha costumam reunir alunos de vários cursos diferentes, devido a essa proximidade geográfica. O próprio bar do Cabral, localizado próximo à portaria da avenida Antônio Carlos, é um famoso ponto de encontro dos estudantes depois das aulas.
Diante dessas informações, surgiram alguns questionamentos: como será que os estudantes das faculdades fora da Pampulha interagem com o “ser UFMG”? E, o mais importante: Qual o impacto dessa separação (ou segregação) na sensação de pertencimento desses alunos à “Comunidade UFMG”? Em busca de respostas para essas perguntas, foram entrevistados alunos do Direito, da Arquitetura e da Medicina. Afinal, o que será que eles pensam sobre esse assunto?
A conversa aconteceu separadamente com cinco alunos, dois da Medicina, dois da Arquitetura e um do Direito, a grande maioria já no final da graduação. Começando com certo consenso entre todos os entrevistados: eles se sentem isolados da Universidade, a ideia de integração a uma comunidade universitária não existe. Em alguns casos, nem mesmo a integração à comunidade da faculdade onde estudam.
Integração?
O sentimento que prevalece é negativo, os estudantes sentem que a experiência universitária poderia ser mais rica: “eu fico triste, por um lado, enquanto estudante de um corpo universitário gigantesco, por ficar isolado em uma bolha. Por mais que seja muito complexa dentro dela mesma, é também muito homogênea nesse todo”, afirma Artur Jorge, estudante da Arquitetura. A ideia de “bolha” surge de alguma maneira em todas as falas dos alunos, Arthur Penchel, da Medicina, comenta: “[…] Acaba que a gente não tem convivência com os outros cursos de fato e acaba sendo muito reducionista a nossa experiência na faculdade porque a gente fica em uma bolha.”
O conceito de “Comunidade UFMG”, no entanto, se dá de formas mais variadas entre os alunos, mas, sempre, convergindo ao fato de que eles se sentem distantes da Universidade.
“A Comunidade UFMG são todos os cursos, todos os professores e todos os funcionários. Mas, como, sei lá, 95% dos cursos estão na Pampulha, eles (os integrantes do campus Pampulha) se constituem como a Comunidade mesmo. E o resto de nós fica isolado, eu pelo menos não me sinto nada da Comunidade UFMG, eu não convivo com ninguém de outro curso que não seja o meu.”, afirma Gabriel Campos, aluno do Direito.
Deslocamento e trabalho
Ao serem questionados sobre as vantagens e desvantagens dessa separação das faculdades, os alunos citaram a localização central das faculdades de Direito, Medicina e Arquitetura como uma vantagem na hora para se deslocar tanto para as aulas quanto para o trabalho/estágio. Já a principal desvantagem apontada é o isolamento. Os alunos da Medicina destacaram o fato da faculdade estar localizada em uma zona hospitalar de Belo Horizonte, fator de extrema importância para as práticas do curso. Segundo o estudante Caio Gerspacher: “Em um contexto mais acadêmico da Medicina faz mais sentido o campus ser lá por (o aluno) conseguir ir andando, ter aula e ter internato (nos hospitais)”.
Muitos dos entrevistados citaram o deslocamento para o trabalho e estágio como mais fácil e prático por estarem no centro da cidade, já que muitas oportunidades de trabalho costumam surgir em locais da região.“Existe uma oferta de mão de obra, principalmente para estagiários que é muito mais pujante, do jeito que eu percebo, do que na Pampulha”, comenta o estudante de Arquitetura, Artur Jorge.
Um outro tema que surge nas falas diz respeito à mobilidade urbana. Laura Vilela, da Arquitetura, aponta que “o campus é um lugar projetado pensando no privilégio do transporte individual e, ainda que eu ache que a maior parte dos professores deva ir de carro, eu não acho que a maior parte dos alunos e dos funcionários (vai). Você tem um deslocamento que é muito grande para muita gente, mesmo pessoas que não moram necessariamente no centro.” A estudante chama atenção à estrutura do transporte coletivo da capital: “existem muitas linhas de ônibus no sistema de mobilidade de BH que passam pelo centro. Então, você teria que pegar mais de um ônibus normalmente para chegar na Pampulha. Eu acho que é mais acessível para grande parte das pessoas as Escolas estarem no centro.”
Segregação: como lidar?
De acordo com a maioria dos alunos entrevistados, a segregação dos estudantes da Medicina, do Direito e da Arquitetura do resto do corpo universitário é um fato lamentável, contudo, não gostariam que suas faculdades fossem integradas ao campus Pampulha.
Por razões diversas, os alunos disseram que seria melhor deixar como está: fatores como a historicidade dos prédios; a incerteza de como ele seria apropriado se ficasse disponível (a antiga Fafich se tornou sede da Secretaria de Educação, mas a antiga Escola e Engenharia foi abandonada); o fato do deslocamento ao centro ser, em tese, mais acessível à maioria dos alunos e a questão do campus Pampulha ser um espaço de certa maneira isolado da cidade, como um bairro.
Em contrapartida, Artur Jorge destaca a riqueza dos encontros que surgem da integração de diversos cursos e pessoas em um mesmo ambiente:
“Acho que seria interessante que a gente estivesse lá. A gente tem tanto a aprender com os filósofos, matemáticos, geógrafos, engenheiros, jornalistas, pedagogos… A gente tem tanto a aprender com todo mundo e todo mundo também vive no espaço, em um espaço, então acho que é uma troca tão bonita que poderia acontecer, que pode acontecer e vai acontecer.”
Sobre as possibilidades de integração dos alunos “de fora” para dentro do campus Pampulha, surgiram ideias como: a existência de mais matérias, tanto obrigatórias como optativas, para esses cursos na Pampulha; a melhora da mobilidade do transporte público, tornando o campus e o centro mais acessíveis e a promoção de eventos da UFMG que integrem mais os alunos, exemplo do Domingo no Campus. Diante das diversas nuances da integração e da segregação entre prédios, os alunos se encontram e desencontram no “ser UFMG”.
* Reportagem produzida na disciplina Laboratório de Produção de Reportagem sob supervisão da professora Dayane do Carmo Barretos