Como estudantes com deficiência visual contornam os problemas de acessibilidade presentes no principal canal de contato com os professores
Por Izabella Goncalves Caixeta
O Brasil tem uma população de mais de 216 milhões e, segundo o IBGE, quase 25% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência, sendo a deficiência visual a mais comum: 6,5 milhões apresentam deficiência visual severa. Mesmo sendo parte expressiva da população brasileira, as pessoas com deficiência visual enfrentam dificuldade de acessibilidade nos cerca de 16,89 milhões de sites ativos no país, já que menos de 1% dos websites é realmente acessível e 96,79% apresentaram alguma falha de acessibilidade nos testes, revela pesquisa conduzida pela BigDataCorp e pelo Movimento Web Para Todos. Essa realidade não é diferente na Universidade Federal de Minas Gerais.
A UFMG, com seus 44 mil alunos – distribuídos na graduação, mestrado e doutorado – é uma imensa comunidade que se espalha por mais 8.769.690 m². Muito além de garantir a acessibilidade aos campi, que deixam a desejar pela falta de manutenção das calçadas e falta de instalação de piso tátil, o principal portal de comunicação entre aluno e professor, o Moodle, hospedado dentro do MinhaUFMG, apresenta sérios problemas de navegação para alunos com deficiência visual.
Atualmente 741 alunos com deficiência estão cadastrados no NAI (Núcleo de Acessibilidade e Inclusão) e 478 recebem atendimento pelo núcleo, destes, 9 alunos da Graduação e 5 na Pós-Graduação apresentam deficiência visual total (cegueira). Leitores de tela como NVDA (Non Visual Desktop Access), JAWS (Job Access With Speech) e o Virtual Vision – o único leitor de tela totalmente desenvolvido no Brasil – são as principais ferramentas para a navegação de pessoas cegas no computador. Porém os alunos afirmam que esses leitores não conseguem fazer a leitura de forma eficiente no Moodle.
Entre os entrevistados, há um consenso de que as plataformas MinhaUFMG e o Moodle não são acessíveis. Nenhum deles utiliza o Moodle para recebimento de material didático ou entrega de trabalhos, preferindo combinar com o professor outros canais de comunicação, como e-mail ou WhatsApp.
“O Moodle é um site para quem enxerga, não é para quem é cego. Ele não foi formatado com algumas indicações que nos orientem a chegar onde a gente precisa. Por exemplo quando eu escrevo alguma coisa que precisa postar no Moodle, eu nunca consegui fazer, e quando eu consegui, eu ainda postei no lugar errado”, declara Eloisa Cristina Ferreira, estudante do segundo período de Pedagogia.
Além disso, o acesso aos textos utilizados pelos professores se mostrou problemático. Os alunos relatam que até o material ser digitalizado de forma adequada para ser lido com os leitores de telas e chegar em suas mãos demora muitos dias, podendo inclusive passar do prazo estipulado pelo professor, o que atrapalha o acompanhamento da disciplina.
Outro ponto de consenso entre os alunos com deficiência visual foi a falta de preparo dos professores para receber um aluno com deficiência. A grande maioria se empenha em entender as necessidades desses alunos e contribuir para a inclusão de todos, inclusive permitindo a entrega de trabalho fora da plataforma “oficial”. Porém não parece ter uma capacitação oferecida pela própria UFMG, de modo a garantir a conscientização e melhores formas de garantir equidade na sala de aula.
Qual o papel do NAI?
O NAI, Núcleo de Acessibilidade e Inclusão, é um órgão da UFMG destinado a assegurar a inclusão de pessoas com deficiência à vida acadêmica e profissional, eliminando ou reduzindo barreiras pedagógicas, localizado no CAD 1 – Campus Pampulha.
Os alunos ingressantes por meio de reserva de vagas de pessoas com deficiência, assim que têm sua matrícula confirmada pelo DRCA, são contactados pelos técnicos de referência do NAI para uma entrevista inicial, com o objetivo de conhecer suas necessidades e se iniciar seu acompanhamento, se esse for o seu desejo. Os alunos com deficiência ou com alguma necessidade educacional especial que entram por ampla concorrência também podem procurar o NAI, a qualquer momento, para solicitar esse acompanhamento.
Entretanto, o aluno do sétimo período de Jornalismo João Ventura relata que o contato com o NAI é difícil, e que os mesmos não se colocam a disposição para ouvir os alunos com deficiência. João acredita que há falta de interesse e de investimento financeiro por parte da UFMG para estabelecer inclusão de fato.
Eloisa Cristina conta que consegue contato com o NAI e que teve uma bolsista disponibilizada pelo núcleo para ajudá-la a resolver questões acadêmicas, mas que ainda é insuficiente. “Se eu for esperar só o NAI, eles não vão me dar esse suporte todo que eu preciso. Em outras faculdades, o aluno que é cego tem um professor de apoio dentro da sala junto com ele, a UFMG não tem isso”, declara.
No que tange o preparo dos professores para o acolhimento de alunos em sala de aula, o NAI conta que, em anos anteriores, foi feito um curso de capacitação para servidores (treinamento multiplicador) em algumas unidades.
“Atualmente, os professores recebem orientações especificas sobre como lidar com pessoas com deficiências, por meio do manual que está no Moodle, “Informativo para Docentes: Deficiência, Inclusão e Acessibilidade” que descreve e dá recomendações sobre todos os tipos de deficiência. Além disso, considerando o caso-a-caso, também são orientados por meio de reuniões com os técnicos de referência do NAI e, se for necessário, com a direção e outros membros da equipe do NAI”, informa o núcleo.
O núcleo afirma que os alunos cegos são acompanhados de acordo com a necessidade que apresentam e que são treinados pelo NAI para o uso do Moodle e outras ferramentas necessárias ao seu percurso acadêmico. “Alguns alunos cegos apresentam dificuldades com ferramentas e plataformas e com eles mantemos acompanhamento sistemático (diário ou semanal). O técnico de acompanhamento do NAI busca treiná-los para encontrar soluções para as dificuldades que lhe são relatadas”, afirma o núcleo.
Entretanto o Moodle não é uma plataforma da UFMG, mas uma plataforma de uso e desenvolvimento abertos aos usuários. Assim sendo, o NAI afirma que não é possível que a UFMG implemente mudanças na mesma.