Mesmo com leis afirmativas que visam o aumento do número de alunos PCDs na Universidade, a própria instituição não oferece estrutura de qualidade para que o deslocamento dos usuários no campus seja realizado de forma efetiva

Por Carolina Cerqueira, Hadassa Fernandes e Rafael Souza

Ao andar pelas calçadas, alunos e frequentadores da Universidade Federal de Minas Gerais, do Campus Pampulha, podem encontrar problemas nos percursos que fazem diariamente. Com calçadas irregulares, entulhos, buracos e a necessidade de ter que andar longas distâncias entre os prédios, os riscos de acidentes estão sempre presentes, especialmente por uma parte da população universitária, os PcDs, ou “Pessoas com Deficiência”, sejam elas relacionadas à mobilidade ou à visão.

A falta de estrutura e a readaptação dos prédios pensadas para receber esses alunos e colaboradores dificultam que esses tenham uma vida mais ativa dentro do campus.

Foto: Condição de um dos lados da calçada indo para o Refeitório Universitário, próximo ao prédio de Engenharia. Crédito: Carolina Cerqueira

Realidade no campus

Dados fornecidos pelo Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), o principal órgão interno responsável pela promoção da inclusão de pessoas com deficiência, indicam que a universidade conta atualmente com 711 alunos PCDs. 

Essas informações são contabilizadas por meio do sistema de cotas e o preenchimento do questionário de deficiência no momento da matrícula. Dentre esses, quase 349 possuem deficiência relacionada à mobilidade; isto é, quase metade dos cadastrados. 

O projeto oferece uma alternativa para auxiliar na locomoção de alunos e colaboradores que apresentam alguma deficiência: um carro adaptado, anteriormente chamado de Locomove UFMG, que é uma forma alternativa de transporte acessível. O serviço funciona conforme contato e alinhamento com alunos sobre o local de saída e de destino. Dessa forma, o motorista realiza esse serviço entre 7h e 22h40 dentro do Campus.

Além disso, o Departamento de Logística de Suprimentos e de Serviços Operacionais garante, de forma gratuita para pessoas com restrição de mobilidade e usuários de cadeira de rodas no campus Pampulha, linhas internas de ônibus disponibilizadas para toda a comunidade dentro do campus e até para as moradias universitárias. 

Apesar disso, a realidade se mostra muito diferente. Lucas Leandro, de 23 anos, é estudante de odontologia na UFMG. Ele apresenta paralisia no lado esquerdo do corpo decorrente de um AVC. O aluno conta que andar pelo campus é um desafio diário, já que as calçadas são desniveladas, há a presença de muitos buracos e outros elementos que dificultam sua mobilidade. Mesmo sabendo da oferta do carro adaptado ofertado pelo NAI, ele prefere usar o ônibus interno, porque segundo ele, pela alta demanda e poucos veículos, o serviço acaba demorando muito.

“Já ouvi falar e usei o transporte oferecido pelo NAI, mas como demora muito prefiro me aventurar no interno. Acredito que a demanda do carro é mais importante no momento, algo que deveria ser revisto pela gestão”, afirma o aluno.

A equipe de reportagem tentou contato com a direção e gestão do projeto para entender também quais são os principais desafios enfrentados por ele, e como eles conseguem ou tentam atender os alunos PCDs na universidade, mas não obtivemos resposta.

Foto: Carro do NAI, responsável por transportar alunos que tenham alguma deficiência de mobilidade. Crédito: Divulgação NAI

Problemas estruturais antigos

O Plano de Desenvolvimento Institucional, de 2018 a 2023, destaca que há um desafio na adaptação dos prédios da UFMG para a acessibilidade de pessoas com deficiência. 

O documento explicita a urgência em atender a essa demanda, pois a expectativa é que o número de pessoas com deficiência na Comunidade Universitária aumente nos próximos anos, devido à implementação de cotas legais para estudantes e servidores com deficiência.

O plano ainda ressalta: “a magnitude desse desafio é significativa, pois os prédios mais antigos, construídos há 30 anos ou mais, requerem adaptações bastante expressivas, enquanto até mesmo prédios mais recentes ainda requerem uma avaliação global de sua acessibilidade que certamente irá indicar a necessidade de adaptações pontuais”. 

A Pró-Reitora Adjunta de Administração, Eliane Ferreira, destaca: “A PRA já elaborou projeto de acessibilidade para as áreas comuns do Campus, que compreende ajustes nas travessias e adequação de alguns pontos de ônibus”. Além disso, ela também menciona que os projetos de obras e de reformas contempla as questões de acessibilidade, de acordo com a legislação sobre o assunto e, em decorrência do alto custo, estão aguardando a execução.

Entretanto, com a expectativa de crescimento do público com deficiência dentro do campus, urge uma maior atenção por parte da reitoria em planejar e direcionar mais verbas para essas questões de readaptação das calçadas e prédios para que esse público tenha o direito de ir e vir assegurados.

Na prática

Juliana de Jesus Aquino Silva, de 39 anos, estudante de Educação Física e uma das fundadoras do Movimento Universitário de Inclusão (MUDI), coletivo que representa os estudantes PCDs da UFMG criado em 2018, possui deficiência neuromotora e destaca a enorme dificuldade enfrentada cotidianamente pela falta de acessibilidade adequada no prédio em que assiste às aulas. 

A proposta do coletivo, do qual mais de cem discentes fazem parte, é de dar voz, junto ao programa NAI e às demais propostas feitas pela reitoria para melhorar a vivência estudantil desses alunos, o que, na prática parece não acontecer.

Juliana conta que por mais que existam diálogos entre esses meios, os planos e projetos não avançam por motivos financeiros, “nós, do coletivo MUDI já tivemos vários diálogos, que são sempre esbarrados na questão orçamentária.”

Ela ainda reforça a falta de acessibilidade presente dentro dos prédios, principalmente no de Educação Física, onde também estão presentes os cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, “mesmo diversos prédios apresentando questões que dificultam a acessibilidade para essa população, a falta para esse prédio é complexa.”

Ela menciona também a necessidade da capacitação da comunidade acadêmica num contexto geral e transformação do espaço físico de forma a garantir a inclusão.

Para os alunos que apresentam deficiência na mobilidade é um grande desafio transitar de forma independente no campus, para os deficientes visuais a situação ainda é mais complexa. Alice Gerhardt David tem 31 anos e cursa Ciências do Estado no campus de Direito no centro da cidade, mas às vezes ela necessita ir até o campus Pampulha para realização de aulas e atividades. A aluna é deficiente visual e conta que enfrenta diversas dificuldades para andar sozinha por lá.

“O pouco que andei por lá pude perceber que não é nada acessível, os prédios ficam muito longes uns dos outros, não existe piso tátil, as calçadas são irregulares, você fica totalmente perdido caso não tenha ninguém para te acompanhar.”

Até quando?

Embora a universidade ofereça alternativas como o transporte acessível, e conte com o suporte do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), ainda há uma carência significativa de adaptações estruturais que impedem os alunos PCDs de transitarem pelo campus de forma independente. 

As dificuldades enfrentadas ao entrar no campus denunciam a necessidade de maior atenção a esse ponto no planejamento orçamentário, para que seja destinado mais recursos na adaptação dos prédios e edifícios dentro do campus. Como se trata de uma necessidade estrutural de adaptação geral dos prédios, essa mudança se torna ainda mais complexa.

Buscamos conversar com algum representante da reitoria para entender melhor qual a principal dificuldade orçamentária para a adaptação completa do campus Pampulha, mas não tivemos resposta.

Dessa forma, alunos e colaboradores com deficiência continuarão a ter dificuldades para transitar de forma mais independente pelo campus, pois mesmo com medidas para tentar reverter a situação, ainda é claro a necessidade de inúmeras reformas das calçadas, ruas e serviços. 

Revisão: Augusto Oliveira e Pedro Gonçalves  – Edição: Turma Laboratório de Reportagem