Do brechó à loja de luxo, a moda conta histórias e revela diferentes subjetividades. Conheça a história de Ana França e Nice.
Por Alice Assis e Ana Clara Crepaldi
Moda: substantivo feminino; o uso de novos tecidos, cores, matérias-primas etc. sugeridos para a vestimenta humana feita por costureiros e figurinistas de renome. Aqui, muito mais que isso: relações, afetos e expressão de subjetividade, ainda que não intencionais. Essas relações, porém, não são sempre percebidas da mesma maneira, principalmente quando se compara duas esferas distintas: uma loja de luxo e um brechó.
Escolher, comprar, usar. Talvez essa seja a relação que a grande maioria tem com as roupas que veste. Apenas uma escolha causal e rotineira, que não costuma buscar significados ou expressões naquilo que usa. Mas ainda assim, esse ato de se vestir despretensiosamente é uma forma de subjetividade que expressa modos de vida e de viver.
O mercado que movimenta R$229 bilhões de reais por ano no Brasil é feito de vários motivos, por várias pessoas e subjetividades. Uma loja de luxo costuma ser reconhecida pela sofisticação, exclusividade e preços elevados. Essas marcas costumam investir em peças de alta qualidade, design diferenciado e acabamento refinado, buscando atender a um público que busca exclusividade e experiência de compra diferenciada. Nesse sentido, essa é uma forma de participar de um grupo seleto e expressar um estilo refinado e distinto.
Por outro lado, os famosos brechós, são considerados espaços de moda com uma proposta completamente diferente da loja de luxo. Aqui, a moda se torna uma maneira de contar histórias e ressignificar roupas. A subjetividade se manifesta nas escolhas individuais dos que optam pelas compras em brechós, e dos motivos que os levam a isso. Nele a moda se articula nas relações, na preocupação ambiental e social.
A fim de entender mais sobre esses dois mercados, suas subjetividades e as pessoas que estão por trás deles, entrevistamos duas mulheres. De um lado Ana Paula da Silva, mais conhecida como Ana França, 35 anos, dona de uma renomada marca de vestidos de noiva e de festa, e de outro, Elenice, ou Nice, 61 anos, dona de um brechó beneficente, que tem uma grande motivação e papel social por trás.
Nessa entrevista, pretendemos entender a história de cada uma, o que elas representam, como pensam, quais são as particularidades, semelhanças e diferenças de cada uma. Te convidamos a conhecer a história por trás da marca de Ana França e do bazar beneficente de Nice.
- Entrevista Ana França, dona da marca de mesmo nome
- Entrevista Nice, fundadora da ONG Chico do Vale e dona do Bazar do Bem
Você pode nos contar um pouco mais sobre a história da sua marca, como ela foi criada e o que te inspirou?
Ana França: Eu sempre gostei de desenhar vestido de princesa, desde criança. E quando eu entrei na faculdade de design de produto, eu direcionei o curso para moda. Um amigo meu na época começou a trabalhar com fotografia de casamento, me deu esse start, perguntando “por que você não desenha vestido de noiva?“. E como as Noivas são as princesas contemporâneas, eu gostei da ideia. Logo após sair da Universidade eu nunca quis trabalhar para ninguém, eu sempre quis ter uma coisa minha. E aí em um dado período da vida, quando eu estava com 23 para 24, eu falei “agora é hora de arriscar“. Porque quanto mais velha a gente vai ficando a responsabilidade vai aumentando, e fica mais difícil fazer essa experiência. Então a marca surgiu quando eu tinha 24 anos em 2012 com a ajuda de uma amiga. E eu abri espaço físico em 2013.
Vimos que no início da criação da sua marca, você viajou para o exterior em busca de inspirações. Pode nos contar um pouco mais como foi esse processo para você e para a marca?
Ana França: Foi em 2016. Impactou drasticamente porque lá eu tive acesso não só a tendências, mas a novas formas de pensar. Eu tive acesso a professores de diversas marcas grandes, para realmente expandir a ideia de design para noiva, até porque o curso foi feito em Paris e as francesas são noivas que casam de macacão, de um jeito mais moderno, um pouco mais simplório. Então a gente teve acesso ao que o mundo estava produzindo em termos de design e o que o mundo estava produzindo em termos de tecnologia têxtil e evolução para oferecer para essas noivas. Eu quis sair dessa caixinha na qual a gente é formado aqui, mais engessado. Acho que principalmente no Mercado Mineiro que tem de ser mais tradicional, mas como designer a inovação me encanta, então eu quis trazer renovação real para dentro do mercado de casamento sem ter tantas mudanças estéticas do vestido de noiva, mas inovações em tudo aquilo que eu achava que era falha, como peso, conforto, conforto térmico. Esquenta muito todos esses fatores, eu tentei trabalhar e trazer um produto que desse suporte para as noivas nesse sentido e que fosse infinitamente mais bem pensado do que o mercado tem para oferecer.
Foto: Arquivo Pessoal. Disponível em <https://anafrancanoivas.com.br/a_marca/ > . Acesso em 20/06/2023
Ao retornar para o Brasil e construir sua marca, como foi o processo?
Ana França: O ateliê já existia, então o que eu fiz foi trazer um produto novo. Até aquele ano não trabalhava com coleções, mas em 2016, como eu tinha o experimental do Body saia, eu fiz a primeira coleção que foi inclusive para participar de um concurso de novos talentos. No Minas Trend Preview eu não ganhei concurso, mas foi um dos grandes destaques, eu saí quase todas as publicações. Inclusive eu saí numa matéria da Lilian Pacce. E quando eu sair uma matéria só sobre mim e em seguida ela visitou o meu estande para conhecer o meu produto, pediu as informações e as fotos. Quando a matéria saiu, eu senti que deu muito impacto, ainda mais feita por alguém que é uma referência em moda para mim. Então eu pensei, se Lilian Pacce gostou, aprovou e aposta nessa ideia, é esse o caminho que eu tenho que seguir. A partir daí eu fui fazendo outras coleções até hoje 70, 80% da nossa Araras são de bodys e saias, que é o nosso produto principal dentro do ateliê.
Foto: Arquivo Pessoal. Disponível em <https://anafrancanoivas.com.br/a_marca/ > . Acesso em 20/06/2023
Quais foram seus maiores desafios e conquistas ao longo do processo de construção de uma marca de noivas?
Ana França: Foram vários, a primeira coisa foi que eu tenho um produto muito novo muito disruptivo, fora do padrão dentro de um mercado que tende a ser muito clássico. Segunda coisa, a gente abre a empresa com essa ideia de que você quer produzir o seu produto, viver sua arte, mas não funciona desse jeito. Durante esse processo de crescimento da empresa, eu tive que me transformar em gestora. E hoje eu gerencio a empresa, organizo os setores para ter os gerentes de cada setor, para que tudo ocorra da forma correta. Projetar e desenvolver é o menor dos tempos que eu uso. Claro, eu adoro viajar para me inspirar, adoro sair, trazer inspirações para as meninas, são três designers na equipe. Mas eu mesma me sentar pra projetar, para desenvolver, eu tenho muito menos tempo do que eu gostaria. Hoje boa parte do meu tempo é gestão. E esse foi o desafio porque eu estava preparada para ser designer, e não gestora. Então ser gestora vem de um estudo, de uma pesquisa dos cursos que eu fiz. Acho que foi a parte mais difícil ser gestora e uma boa administradora principalmente durante a quarentena, que o meu mercado foi o primeiro a fechar, então exigiu muito da gente em termos de gerenciamento para que a empresa se mantivesse bem e segura tanto para os clientes quanto para a equipe.
Como costuma ser sua relação com suas clientes?
A minha relação com as minhas clientes é ótima. O fato é que as minhas clientes são mulheres que pensam muito como eu, a mulher que vai atrás de um body saia, que está focada no conforto, que realmente não está preocupada com o que as pessoas esperam delas. É um relacionamento que muitas vezes é até triste quando o processo acaba, mas cada dia menos eu tenho condições de fazer um atendimento tão direto com as clientes. Pela loja virtual, organização, planejamento estratégico, gestão dos vários modos de produção que hoje são mais do que um, e assim o meu contato com a cliente vai diminuindo, mas sempre que eu posso,eu acho uma delícia (acompanhar o processo). Usar a Ana França faz sentido para elas (clientes) e para mim fazer um vestido Ana França funciona muito bem porque nós estamos muito alinhadas em termos de princípios.
O que você considera como os maiores diferenciais da sua marca ou do seu atendimento às suas clientes?
A nossa marca não é mais do mesmo, mas desmembrando isso, nós somos uma marca preocupada em realmente criar um produto pensando na noiva. Deixar de se preocupar em fazer as pessoas ficarem admiradas, em fazer as pessoas tentarem entender o preço daquele vestido, estamos muito mais preocupadas com o olhar do outro, e voltar a olhar para a noiva, como ela vai se sentir. Ela vai se sentir maravilhosa no visual, na hora de olhar no espelho, mas também vai se sentir maravilhosa no uso. A gente tem uma preocupação muito maior com a usabilidade. A gente não queria produtos que não são usados, ele não queria vestido que precisa ser trocado por um curtinho, a gente cria vestidos que de fato são lindos de se ver e maravilhosos de usar.
Sabemos que você gosta de pensar estrategicamente na criação de estratégias para a marca, como desfiles e eventos. Como você acredita que isso impacta nos resultados de sua marca?
Eu acho que toda vez que eu faço um evento uma estratégia, eu conto mais uma vez a que viemos. Então, por exemplo, desfile que a gente fez com bodys e saias, foi um desfile que pontua. Esse é o meu produto então ali eu não estou fazendo um evento para mostrar as tendências, estamos reafirmando para o mercado que nós somos diferentes, nós temos um produto diferente, produtos bem pensados. Apresentamos para diversas outras noivas que não sabem que isso existe porque muitas vezes a noiva não vê a possibilidade de usar um vestido confortável. Então os eventos são para de certa forma movimentar ao meu redor e mostrar pra quem tá chegando ou para quem já está aqui, que o produto funciona muito bem e se você se interessar por ele, achar que faz sentido para você.
Nice, fundadora da ONG e do Bazar Chico do Vale – Reprodução arquivo pessoal
Nos conte um pouco da sua história com o bazar e a ONG?
Nice: Meu nome é Elenice, mas eu sou conhecida como Nice, né? E alguns refugiados me chamavam de mãe Nice. Eu tenho 61 anos, mas igual eu te falei, eu tenho estado no projeto desde de jovem, desde adolescente. Eu gosto muito de gente, do ser humano. Eu amo o que eu faço, eu nasci para isso. Eu estudei filosofia, estudei língua portuguesa, então eu era professora de português. Fui professora muitos anos e depois fui trabalhar numa empresa e antes de estar doente, eu fui chamada para trabalhar num projeto em Roma. Estava tudo arrumadinho, mas aí eu adoeci, fiquei um longo período doente. Graças a Deus depois que me restabeleci eu já entrei nessa área e sabe tô até hoje não pretendo sair não. (…) Não tive filhos biológicos. Biologicamente eu não podia ser mãe, mas eu tive um problema de saúde com hormônio, se eu fosse ser mãe eu teria morrido, eu tive um tumor de hipófise, então seria arriscar muito.
Você acha que esse tumor que você teve foi um pouco do que te motivou a criar o bazar?
Nice: Foi, sim! Com certeza! Eu já tinha (essa vontade) antes. Eu já tinha no meu coração aquela necessidade de ter uma casa para acolher as pessoas. Desde jovem eu fui muito envolvida com projetos sociais, desde adolescente eu já coordenava um grupo de jovens. Já tinha esse espírito de trabalhos com Pastoral e com projeto social. Enfim, né? Já tinha essa raiz em mim.
Foi você que fundou a ONG também?
Nice: Foi, foi eu também. Em decorrência dessa gratidão a Deus pela vida, né? Porque eu sobrevivi. Foi um tumor muito grande, era benigno, porém a localização e o acesso era difícil. E eu estava agendada para retirar esse tumor numa sexta-feira, o tumor estourou a noite, na madrugada de quinta para sexta, uma coisa assim mágica, e ao invés dele escorrer para o cérebro saiu pelo nariz e os olhos, graças a Deus!
Entrada do bazar administrado por Nice – Reprodução arquivo pessoal
E qual é a história do bazar? Em que ano que foi fundado? Como surgiu a ideia da ONG? A ONG veio primeiro que bazar?
Nice: Sim, foi a ONG primeiro! Nós procuramos uma casa, porque depois da minha recuperação eu pensei assim “não dá mais para eu ficar inerte aqui só vendo o tempo passar. Eu vou ter que arrumar uma forma de ajudar e de estar inserida nesse processo e nesse contexto social”. Márcia, Edu e eu fundamos a ONG em 2013. Nós procuramos várias casas, mas apenas algumas o aluguel atendia ao valor que nós podíamos pagar.
Essa casa é alugada?
Nice: Atualmente sim, mas antes não, ela foi cedida por 10 anos. Mas quando a gente falava com os proprietários qual era nossa intenção, muita gente tem preconceito com câncer, (…) aí não aceitava, né? Então nós pensamos “acho que Deus não quer isso de nós não, porque ninguém tá querendo alugar para gente” então eu fui ser cuidadora voluntária. (…) e comecei a ver que nos hospitais tem muitas pessoas que não tem acompanhante, não podem pagar e não tem voluntário disponível para ajudar essas pessoas, sabe? Foi quando eu fiz cursos porque eu queria oferecer o melhor, fazendo tudo da melhor forma. Quando era cuidadora voluntária, uma pessoa falou comigo assim “uma amiga minha tá com uma casa parada que tá sofrendo a ação de vândalos, o pessoal invadindo usando droga lá e roubando a fiação e ela falou que ela quer ceder para um projeto social”. Foi aí que eu pensei “ó eu aqui” (…).
Nós ficamos com a casa em 2013 organizando, montando, limpando e tal. Em maio de 2014, nós começamos o atendimento. A casa já estava pronta e o bazar começou no portão. Nós colocamos duas cadeiras em frente a outra, uma tábua em cima e as caixas, sabe? Eram os amigos e família dos amigos que nos ofereciam as roupas. No sábado e domingo que nós fizemos o primeiro bazar, nunca me esqueci, em dois dias, nós fizemos R$1800,00, para nós foi uma coisa muito grande, né? E assim as coisas foram acontecendo de maneira mágica mesmo. Nós falamos “nós não temos carro mesmo, vamos fazer o bazar na garagem”. Então fizemos e funcionou uns três anos na garagem.
Eu recebi uma crítica de um cabeleireiro que era voluntário aqui, ele falou “nossa aquele bazar tá muito desorganizado. Vocês podiam melhorar aquilo ali na garagem”. Então eu pensei “puxa vida a crítica dele foi boa. Porque eu fiquei com vergonha e pensei ‘nossa, logo eu que gosto das coisas organizadas’. Ai meu Deus, quem pode me ajudar a organizar o bazar do jeito que eu quero? Com uma lojinha bem organizada?” Mas antes a gente não tinha acesso a essa loja não, a família não havia emprestado. Aí eu conversei com a empresária e ela cedeu a loja. Aí (…) uma voluntária que tinha chegado recentemente da Alemanha veio e mudou totalmente, Alice. Ela separou por cores, estampas e tal, ela realmente copiou a minha mensagem, era eu realmente o que eu queria. E o bazar tá aí até hoje, né? Eu sinto vontade de ampliar mais, sabe Alice? (…) Eu vou entrar nesse segmento com força total e vou dedicar mais. Esse ano eu quero mudar, ampliar e expandir mais, lá já tá ficando apertadinha a loja, né? Mas é aquilo, eu entendi que na vida tudo tem um passo, e no passo a passo você vai seguindo…
A gente não tinha nem nome ainda direito. Eu tinha meu nome com projetos que eu já trabalhei antes, eu tinha lojas e tal, mas com o projeto do bazar eu falei “Nossa, a gente quer um diferencial, sabe?” Primeiro veio a consciência da sustentabilidade. Nós não mandamos nada para o lixo, imagina que o bazar nosso tem um alcance maior do que as pessoas podem imaginar. Ele atende uma comunidade muito carente aqui do bairro, eles sempre falam. “Olha se eu compro um tênis melhor, uma roupa melhor para os meus filhos é graças ao bazar”. Segundo que ele atende às necessidades da obra que acolhe as pessoas em situação de vulnerabilidade.
Depois atende outras pessoas que com a pandemia apelaram pro brechó, para o bazar com uma forma também de estar trabalhando já que aquece a economia, também né? Agrega valor, evita tanto desperdício de lixo… E você vê que hoje bazar, brechó, o conceito está mudando (…) está inovando o conceito porque antes era um preconceito hoje já mudou o conceito. E eu vejo, que nós temos um critério. A gente recebe as doações e faz a triagem. O que atende a comunidade e o que atende os clientes, a gente monta o bazar; as outras coisas vão para projetos sociais. Tem um projeto social, chamado Casa do Autista, em Betim, aí a gente manda para lá. A Casa do Autista tem um outro projeto, o Sertãozinho, então aquilo que não atende a comunidade nem o bazar Vovó Conga, vai para o projeto Sertãozinho em Pernambuco, em Maceió. E o pessoal aproveita para fazer tapete, portas celulares, bolsinhas e roupas customizadas. Então nada vai pro lixo, pelo menos e esse é o que nós estamos sabendo o que acontece, sabe?
Porque vocês escolheram o brechó e não algum outro empreendimento?
Nice: Primeiro porque nós ganhavamos mais doações de roupas e calçados. Comida nós tentamos também, enquanto tava tendo o bazar na garagem, fazia bolo caseiro pra vender, mas não pegou. Tentamos fazer sais temperados, temperos e outros, mas o bazar realmente ficou, tornou-se conhecido e é muito visitado. Graças a Deus, nós temos muitos clientes.
E o que que o bazar significa para você pessoalmente? O que que ele te faz sentir, o que ele te traz?
Nice: O bazar me traz só sensações e os sentimentos mais incríveis, maravilhosos. Primeiro que causa esse motivo de alegria saber que é usado pela comunidade (…). Segundo que ele é responsável pela manutenção da casa, porque nós não temos doações em dinheiro de ninguém e não temos ajuda governamental. Então o bazar ajuda a manter a casa, porque nós temos funcionários, temos encargos, água, luz e atualmente a gente paga aluguel, que fica quase que em 3.000. Então ele é importantíssimo, porque se não tem essa proposta do Bazar, não teria nem como existir a casa, porque nós não temos parceria com nenhuma empresa. E também de governo não recebe nada.
E como funciona a ONG? Como as pessoas chegam?
Nice: Chegam por várias indicações: uma pessoa fala para outra da casa, aí liga pedindo e perguntando da vaga e tal. Assistentes sociais de alguns hospitais também nos conhecem, então vem muito pedido de vaga pelo serviço social. E quando a gente acolhia refugiados, atendendo a demanda da Venezuela, vinham muitas crianças, adolescentes, adultos, idosos. Porque a pastoral de Boa Vista que mandava, pedia as vagas e encaminhava os refugiados. Atualmente, nós temos mais pedidos de vaga para pessoas que têm vulnerabilidade social, ex-moradores de ruas, ex-dependentes químicos que estão doentes. E eu não sei de tanto espaço que acolhe essas pessoas, né? Então hoje a demanda maior é essa…
E quais foram os maiores desafios que vocês já enfrentaram com a ONG e com o bazar? E como vocês lidaram com isso?
Nice: Bem, o primeiro desafio é fazer nome, ser conhecido para receber doações. Isso é um processo, não é de uma vez que você recebe o volume que dá para começar. Então é fazer o nome e ter paciência, sabe? Depois o desafio da própria manutenção. Veio a pandemia e tudo mudou, a economia também, de certa forma. E influencia aí também, você tem que mexer no preço, você tem que fazer campanhas, ofertas, articular uma dinâmica diferenciada para ampliar esse bazar e para tornar visível. (…) Eu acho que é o desafio da própria economia mundial e nacional, né? Porque depois da pandemia o mundo mudou e uma série de coisas que também acompanham essas mudanças.
Voluntárias trabalhando na reforma de uma roupa do bazar – Reprodução arquivo pessoal
E como é a sua relação com as clientes do Bazar com os outros voluntários?
Nice: Eu pelo menos sou muito agradecida. A ação voluntária é maravilhosa. No sábado então… a gente tem normalmente três, quatro voluntários que são fiéis ao trabalho e isso é muito bom, só agrega. Eu não consigo imaginar a obra sem ação dos voluntários. Não tem como, né? Eu falo que acho que o voluntário é responsável, mesmo que ele não tenha consciência, até da doação chegar, porque ele fala, ele é um grande divulgador de forma oral do testemunho da proposta do Bazar. O voluntário é de peso, eu não vejo como uma instituição funcionar bem sem ação voluntária. Sinceramente, se não fossem os voluntários não teria como a obra funcionar não. Acho que cada um tem que fazer sua parte, uma relação humana baseada na afetividade, na confiança e no carinho, numa relação mais humanizada, sabe? E os clientes que me encontram, vem me cumprimentar “oi Nice”. Tem cliente aqui que “tá” desde que nós começamos ali na porta da garagem, então fidelizar o cliente é importante. Dar um brinde, ter uma banca de promoção, uma arara com preços menores para esquentar mesmo. E também é uma forma de abençoar a comunidade e o cliente que é fiel, uma forma de fidelizar e um agradecimento.
Se alguém tiver interesse, como faz para ser voluntário aqui no bazar e na ONG?
Só nos procurar. E pode vir, procurar. Nós temos (serviço voluntário) desde a triagem. Então eu tenho serviço na segunda, na terça e quarta. Na segunda e terça triagem, quarta organizar a loja, colocar preços, montar as araras. Então graças a Deus serviço não falta e é bem-vindo e bem-vinda.
Tem alguma outra coisa que você acha importante acrescentar?
Nice: Eu acho importante, Alice, falar da necessidade desses projetos sociais e do terceiro setor ter mais apoio do governo, sabe? Porque eu sei que a coisa é muito complexa, mas nós fazemos o trabalho que o governo não dá conta ainda de fazer. O terceiro setor é muito importante na economia, na política e em tudo do país. Então, conscientizar as pessoas da importância dos projetos sociais. (…) eu acho que a comunidade civil deve divulgar mais esse tipo de trabalho, dar mais apoio e procurar conhecer também, né? (…) E o trabalho como de vocês na universidade de fazer uma divulgação também dos trabalhos de voluntários e de ONGs. Fica aí essa dica e agradecer a vocês, porque isso que você está fazendo é uma forma de nos ajudar e nos apoiar.
>> Para Ana França, a moda é o fim em si mesmo. Ela faz moda (ou fazia antes de se tornar empresária) porque esse é seu objetivo, criar, inovar, desenhar. Já Nice, faz moda por amor ao outro, para custear gastos e sustentar seu projeto. Para ela, a moda é o meio, não o fim. Essa potencialidade de ser usada de diversas maneiras com diversos objetivos, faz desse campo um lugar que ultrapassa, em muito, as lógicas de grandes desfiles e grifes de alto luxo. Moda é subjetividade em todos os sentidos e lugares, ela é capaz de abrir oportunidades e espaços diversos, como foi mostrado pelas histórias de Ana França e Elenice.