Mesmo sendo a melhor opção, estudantes contam as dificuldades de conseguir uma vaga e se adaptarem ao modelo coletivo de moradia
Por Caio Rodrigues
A cada novo semestre, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebe estudantes dos mais variados cantos do Brasil e do Mundo. Para oferecer abrigo e estabilidade a alunos regularmente matriculados na UFMG e que não residem em Belo Horizonte e Montes Claros, a Universidade, via Fundação Universitária Mendes Pimentel (FUMP), oferece vagas para moradia coletiva de baixo custo ou até mesmo de forma gratuita.
Atualmente, as moradias da UFMG contam com 3 unidades em Belo Horizonte espalhadas pela badalada Avenida Fleming, uma unidade em Montes Claros além do projeto “Casas Indígenas” que oferece casas para estudantes oriundos dos povos originários do Brasil.
Para mais informações acerca das inscrições para a moradia estudantil, cliquem aqui e verifiquem o formulário.
Mas como é para os estudantes largarem tudo em suas cidades para viverem o sonho da UFMG?
Conversamos com Eduardo Lima, estudante da UFMG, que reside na moradia I. Eduardo tem 22 anos e atua como representante discente da moradia. Natural de Campinas – SP, decidiu realizar o seu sonho de estudar pedagogia na conceituada Universidade Federal de Minas Gerais, tida como a melhor do país na área. Deixou em Campinas sua namorada, sua família, seus amigos e sua velha vida para se dedicar aos estudos em Belo Horizonte.
“Eu sempre fui apegado à minha mãe e não tive muito tempo de trabalhar isso com ela, de querer ir para fora. Enfim, foi tudo muito complicado, ainda mais numa cidade tão grande, em que eu não conhecia ninguém, mas no fim deu certo”, relata o estudante.
Em 2020, solicitou ingresso para as moradias estudantis, na qual foi aceito. Mais tarde, sua namorada aplicaria para a mesma universidade. Mas, ao contrário dele, ela não teve sua vaga contemplada na moradia. O amor, embora agora na mesma cidade, ainda encontra seus percalços.
Visitantes da moradia, independente do grau de filiação com a faculdade ou de relacionamento com algum morador, só podem marcar presença na habitação uma vez a cada dois dias, totalizando quinze dias no mês. Qualquer dia a mais é proibido, visto que a administração da moradia considera como prática de coabitação.
“Hoje, já temos mais conhecimento e conseguimos calcular melhor isso e programar para vir mais aos sábados e aproveitar melhor”, afirma Eduardo.
As regras para recebimento de visitantes não são as únicas. Afinal, para a convivência em grupo funcionar é necessário estabelecer diretrizes. No fim do dia, são vários estudantes, de vários cursos, personalidades, histórias de vida, objetivos e gostos diferentes, das mais variadas cidades e estados juntos no mesmo prédio, no mesmo apartamento. Fazer funcionar a convivência entre este grupo é o desafio maior – Encontrar o ponto semelhante em todas essas diferenças.
Como são as moradias?
Atualmente (junho de 2024), segundo o Relatório de Atividades, Demonstrações Contábeis e Orçamento da FUMP em Belo Horizonte, são 1124 alunos divididos entre apartamentos e kitnets, separados por gênero, que variam de 2 a 9 quartos. Cada morador tem seu quarto individual, sua privacidade. Entretanto, as cozinhas, área de lavabo e salas são destinadas ao coletivo.
A youtuber e analista de pesquisa de mercado Maysa Carvalho prepara no seu canal um tour por um apartamento da moradia:
Tour Pelo Meu Apto – Moradia Universitária UFMG
Não há um conjunto geral de regras para mediar a relação dos indivíduos com as áreas coletivas, sendo que a administração prefere deixar à cargo do bom senso dos pequenos núcleos de indivíduos que constituem cada apartamento.
O responsável por limpar o apartamento, a frequência de limpeza, quem cozinha no dia, se cozinha para todos ou individualmente, os dias em que cada um utiliza a máquina de lavar e o varal. Todas essas regras são definidas entre os próprios membros do apartamento.
Embora a liberdade facilite a flexibilidade do viver coletivo, reclamações e discussões, em especial sobre o tema “higiene”, são comuns nos apartamentos, visto que nem sempre o consenso impera nas decisões, mesmo nas pequenas tentativas de democracias. Afinal, essas pequenas tentativas – são só garotos e garotas, em maioria jovens adultos, a passar pela maturidade em meio aos percalços da escolaridade e de sua nova vida – são construções que levam tempo.
Neste sentido , a administração das moradias permite também que haja pelo estudante a solicitação de troca entre apartamentos em caso de não adaptação ao disposto anteriormente ou caso o estudante já tenha algum vínculo com outro morador. As trocas podem ser solicitadas pelo mesmo estudante 1 vez a cada 6 meses.
Saúde mental, fraudes e esforços: as dificuldades de um novo lar
Para minimizar o impacto dessas questões, a saúde mental é um dos focos da chapa de Eduardo Lima que representa os habitantes da moradia. A administração da Moradia também tem um trabalho importante no setor, fornecendo acompanhamento de psicólogo, agente de saúde e até de um assistente social para facilitar essa adaptação.
Além das questões afetivas, a questão financeira também é um ponto a se acompanhar. Para ter direito a inscrição na Moradia Estudantil, o estudante deve ser qualificado entre os níveis I, II e III da FUMP, ambos caracterizadores de baixa renda.
O morador deve então abandonar sua cidade e reconstruir sua vida em um novo habitat, ainda desconhecido, inicialmente sem renda e sem emprego na nova cidade. Embora a FUMP promova auxílios, as preocupações, a busca incessante por fontes de rendas e a conciliação entre o estudo e essas fontes são inerentes, criando novos percalços.
No entanto, um problema enfrentado nas Moradias Estudantis atualmente é o número de fraudes cometidas por estudantes na FUMP. A dificuldade de averiguar os casos e a real condição de vida dos estudantes em suas cidades é um empecilho. Alguns utilizam desse artifício para concorrer às vagas na habitação, fruto da espetacularização da moradia, transformando a necessidade em um tipo de lifestyle aventureiro.
O número de vagas é limitado, portanto há necessidade de honestidade e idoneidade no preenchimento da documentação por parte dos interessados. Na última seleção feminina, por exemplo, foram abertas 20 vagas em um universo de 117 candidatas, ou seja 83% delas não foram aprovadas.
A moradia e a greve na UFMG
A greve dos técnicos-administrativos e dos professores na UFMG também causou um impacto importante no modo de vida da moradia. Os moradores têm como direito a utilização do bandejão gratuitamente. A limitação de funcionamento deste é, portanto, uma limitação do acesso à alimentação gratuita. Há também o implicativo mental na situação. Para esses moradores, a vida se reúne em torno da UFMG. A moradia, a cidade nova, a vida social, os eventos na universidade. Tudo se estabiliza no fluxo universitário. A remoção desse fluxo leva a diminuição da convivência com amigos e das próprias aulas, o motivo central da sua mudança para Belo Horizonte.
A situação é semelhante à vivida durante a Pandemia de COVID-19 em 2020 e 2021. Porém, a indecisão sobre a data de retorno ou mesmo sobre a paralisação geral, sendo que a paralisação variou entre cursos e professores, gerou uma situação dupla: alguns alunos retornaram para suas cidades de origem, enquanto outros permaneceram na moradia, agora mais esvaziada.
O individual e o coletivo
“Na moradia há muita questão de adoecimento mental, principalmente, pela galera não interagir tanto. Às vezes, uma pessoa não conhece o nome de todos que moram no mesmo apartamento que ele, isso depois de três, quatro anos morando juntos. Em períodos como esses, o estudante tende mais a se isolar, ficar no seu quarto, viver no seu ‘mundinho” – volta a relatar Eduardo.
A representação discente, junto com a administração da moradia, promove então uma série de eventos coletivos, usando o espaço externo das moradias para promover maior interação entre os alunos, melhorando a comunicação e o lazer. Da prática de um esporte à promoção de alimentação de qualidade, os eventos são, simultaneamente, o escape e a integração.
E assim, jovens sonhadores, confinados no mesmo ambiente, descobrem, nas junções de suas individualidades, o viver coletivo.
* Reportagem produzida na disciplina “Laboratório de Produção de Reportagem”, sob supervisão de Elton Antunes