Fomos à Rodoviária saber o que as pessoas por lá pensam sobre o plano de Márcio Lacerda para construir um centro administrativo da cidade na região.
Por Anna Cláudia Pinheiro Gomes, Ivanir Ignacchitti e Natália Ferraz
Centenas de pessoas andando para lá e para cá, algumas puxando malas de rodinha, segurando bolsas de mão ou com mochila nas costas; outras anunciando brinquedos, celulares e cigarros. Num canto, uma multidão se reúne em volta do homem com microfone, que fala sobre pecados e perdão. A cena é comum para os belo-horizontinos que frequentam os arredores da rodoviária, no centro da capital. Essa imagem, no entanto, pode mudar nos próximos anos.
Após diversas polêmicas a respeito da construção de um centro administrativo na região da Lagoinha, a prefeitura de Belo Horizonte (PBH) anunciou, em abril, o novo local para levantar o prédio que concentrará a administração municipal: o estacionamento externo do Terminal Rodoviário Israel Pinheiro. De acordo com a PBH, um dos critérios para a escolha do local foi a mobilidade urbana. Com a mudança do terminal, a área passará a abrigar uma estação de integração metropolitana, concentrando vários modais de transporte, como a estação de metrô da Lagoinha, a futura linha 3 de metrô e o BRT Move. Como cerca de dez mil funcionários trabalharão no prédio, as diversas opções de modais poderiam diminuir a concentração de automóveis particulares.
O prefeito Márcio Lacerda afirma que a ideia de construir o centro administrativo no Bairro Lagoinha foi substituída devido à dificuldade nas desapropriações. No caso do centro, as áreas são propriedade pública. Embora ninguém vá perder seu imóvel com a obra, sem dúvidas a rotina de quem trabalha na região será bastante afetada.
Os últimos a saber
O novo centro administrativo será construído quando as obras do novo terminal rodoviário, no São Gabriel, ficarem prontas. Apesar das vantagens que a prefeitura enfatiza, o apoio à mudança não é unânime.

Ivani não sabe de nenhum movimento contra a construção do novo Centro Administrativo. Segundo ela, “todo mundo reclama, mas ninguém toma atitude”
“Para falar a verdade, eu não acho que seria uma coisa boa essa rodoviária lá naquela lonjura, não. Principalmente pro pessoal que trabalha aqui, né? Muita gente vai ficar desempregada”, opina Ivani Silvério, que trabalha em uma livraria dentro da rodoviária há cerca de dez anos. Segundo ela, não houve nenhum comunicado oficial sobre a construção e nem sobre a situação dos lojistas após a transferência da rodoviária para o São Gabriel.
O comerciante Odilar Magalhães, dono de uma loja no terminal, também não vê com bons olhos a mudança:
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Segundo Odilar, os comerciantes da rodoviária atual não terão nenhum tipo de prioridade no que diz respeito às lojas do novo terminal
Odilar afirma não ter recebido nenhum tipo de informação a respeito do novo centro administrativo, e que apenas ouviu conversas. De acordo com ele, há uma associação que pretende intervir em favor dos lojistas da rodoviária. Entramos em contato com o comerciante que seria responsável pela associação, mas ele não se dispôs a conversar sobre o assunto.
Redondezas
Do lado de fora da rodoviária, as opiniões são divergentes. Reginaldo Pereira, gerente de um hotel na Rua dos Guaranis, afirma que não está sabendo de nada oficialmente, apenas escutou boatos, mas que, para o comércio da região, a mudança não será nada boa:
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Maria de Lourdes: “Tem tanto lugar para levar esse Centro Administrativo, por que mexer no que está pronto, que todo mundo já conhece?”
A poucos metros do hotel está a lanchonete de Maria de Lourdes, que também não tem muitas informações sobre a obra. “Parece que isso tá muito debaixo dos panos, tá escondidinho ainda”, afirma. E, das poucas conversas que teve sobre o assunto, a construção parece não agradar. “Olha, os comentários que eu ouvi, que foram poucos, é que não vai ter benefício, não, muito menos para os comerciantes. Os passageiros param aqui e aí vão para a rodoviária. Sem a rodoviária, para onde que eles vão?”. Além disso, a comerciante teme que, com a transformação da rodoviária em estação de integração de modais, aconteça com ela o mesmo que com colegas que possuem lanchonetes e restaurantes nas avenidas Santos Dumont e Paraná, afetados pela implantação de estações do BRT Move:
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Por outro lado, há também quem veja como positiva a mudança. Marcos Celso Sena, dono de uma lanchonete bem próxima à rodoviária, é um deles. Ele acredita que o novo centro pode aumentar sua freguesia. “Vai ser bom, porque dizem que vão vir mais de cinco mil pessoas pra cá. Ah, se vier esse negócio de estação mesmo, vai chamar muito mais gente”, prevê.
Antônio Almeida, gerente de um hotel localizado na Rua Caetés, afirma que a situação do centro está tão ruim que não tem como piorar: “O público que frequenta aqui é bem baixo. À noite você não pode sair, porque é muito perigoso. Venda de bebidas no meio da rua de madrugada… É realmente uma podridão, muita gente no chão dormindo, desmaiada, você não sabe se é bêbado…”. Além da construção do prédio para abrigar as secretarias, o projeto do centro administrativo também inclui uma revitalização da região. Antônio se anima ao imaginar uma possível “limpeza” do centro.
Os camelôs que trabalham nas proximidades consideram que a criação do centro administrativo deve aumentar a fiscalização do comércio clandestino. Paulo Sérgio Teixeira, que trabalha no centro há mais de 20 anos, considera isso uma vantagem: “Se a rua estiver liberada, não vende nada. Você chega aqui, um cara tá oferecendo, chega ali, o outro tá oferecendo”. Já William Pereira, que também é camelô, acredita que a substituição da rodoviária pelo terminal integrado de BRT e metrô vai “matar” o comércio do centro da cidade:
[soundcloud]https://soundcloud.com/user114272776/william2[/soundcloud]
E é nesse ponto que a maioria das pessoas concorda: haverá um grande impacto no fluxo de pessoas no centro. Um comerciante, que não quis se identificar, resumiu porque, na sua opinião, a rodoviária deveria permanecer onde está: “o sentido do centro é a ida e vinda de pessoas. Sem a rodoviária, o centro perde o sentido”.