São quase 3 horas da madrugada, em plena quarta-feira de abril, e você encontra pessoas no estacionamento atrás da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da UFMG.

Você diria que os frequentadores estão:
1) Participando de uma festa?
2) Assistindo anime?
3) Estudando?
4) Fazendo uma apuração jornalística?

Pode parecer estranho, mas todas a opções estão corretas. E dentre as opções, a que pode ser mais estranha, ou talvez um caso atípico – alguém estudando nesse horário – é mais comum do que você imagina. Muitos estudantes permanecem na biblioteca da FACE até altas horas da madrugada várias vezes por semana. A biblioteca 24 horas, aberta nos 7 dias da semanas, tem sim movimento durante a madrugada.

Errata:O auto empréstimo de livros também é previsto mas está indisponível desde fevereiro de 2018. [informação corrigida em 05/6/2018]

Para muitos alunos e membros da comunidade isso pode até parecer uma novidade. Mas a biblioteca já funciona neste horário desde 2008 e tem público presente durante a madrugada, e também nos finais de semana. Estudar para concurso, cursos que exigem muito dos alunos, semana de provas, são alguns dos motivos que levam os estudantes a permanecer no espaço até altas horas. Esses frequentadores notívagos utilizam o espaço principalmente pelo silêncio e concentração que o local oferece. E são, em sua maioria, alunos de outros cursos, que não os da FACE, e também pessoas de fora da UFMG.

Entrada do horário especial Biblioteca da Face (22h às 7h30).

Diante dessa constatação, a equipe da Transite foi em busca de informações  sobre quem são esses usuários que frequentam a biblioteca no turno noturno e viram à noite no espaço. Conversamos com a administração, acompanhamos o movimento durante uma madrugada e constatamos o uso do espaço para várias funções, e que esse uso nem sempre coincide com o objetivo principal de uma biblioteca.

Como funciona a biblioteca durante a madrugada

Das 22h às 7h30, a biblioteca está acessível a alunos e não alunos da UFMG. Nesse horário é possível o acesso ao salão de estudos, baias, banheiros, bebedouros, sofás e laboratório de computadores, sendo que esse último é exclusivo para a comunidade interna, já que é necessário login pelo portal MinhaUFMG.  O auto empréstimo de livros também é previsto mas está indisponível desde fevereiro de 2018. [informação corrigida em 05/6/2018]

Para permanecer no espaço após as 22h, os usuários precisam trocar os pertences de escaninho e preencher um formulário de permanência, para o registro dos utilizadores e organização interna. Quem chega depois desse horário, precisa acessar pela portaria em frente ao prédio do Instituto de Geociências (IGC).

Os usuários externos à UFMG devem realizar um cadastro prévio no horário normal de funcionamento para ter acesso ao prédio.

Os frequentadores reclamam da ausência de uma cantina ou de uma máquina automática de venda de comida e do calor no verão. Por isso, alguns dos usuários levam lanches em bolsas térmicas e também mini ventiladores. Mas vale ressaltar que no espaço interno há avisos proibindo lanches no local. E os pertences devem ser deixados em escaninhos disponibilizados na entrada do espaço.

Lacuna

Em Belo Horizonte, o único espaço que pode ser utilizado para estudos durante a madrugada é a biblioteca da FACE e há essa demanda pela população. Leonardo Renault, coordenador da biblioteca, considera que a localização é um fator que reduz a utilização do serviço. “O campus Pampulha é mais isolado; certamente, se a biblioteca fosse situada em um local mais central, a demanda seria muito maior”, avalia.

Biblioteca Professor Emílio Guimarães Moura. Entrada do horário normal fecha às 22h.

O número total de usuários ativos da biblioteca chega a 6938, segundo dados levantados pela direção. Destes, 2982 são usuários externos, ou seja, cerca de 43% dos cadastrados não são da comunidade acadêmica. [informação corrigida em 05/6/2018] Isso evidencia o quanto o espaço extrapola seus objetivos de atender à universidade. O coordenador ressalta que o público externo é muito atuante e presente, e que o objetivo agora é atrair a comunidade interna. “Queremos repensar os serviços e as abordagens para esse funcionamento, cuja missão, a princípio, é atender a Faculdade de Ciências Econômicas. Este é o grande desafio”, explica.

A coordenação da biblioteca pretende fazer uma análise sobre a utilização do horário especial nesses dez anos de funcionamento para além dos relatos informais de usuários que são colhidos atualmente. “É necessário, nesse momento, provocar uma reflexão acerca do serviço prestado para entender quais devem ser os próximos passos”, conclui o coordenador.

Os usuários notívagos da biblioteca

Segundo levantamento da biblioteca, em fevereiro de 2018, 826 usuários utilizaram o espaço no horário especial, que compreende as madrugadas, finais de semana e feriados. No mesmo período de 2017 foram registrados 1089 frequentadores. Apesar de não haver dados que destacam o uso específico durante a madrugada, os porteiros e funcionários relatam (e também qualquer visita que se faça ao local confirma isso) que a frequência na madrugada é constante. O formulário que é preenchido na entrada gera um registro desses acessos, mas esses dados não foram disponibilizados pela biblioteca para consulta da reportagem.

Mas mesmo sem um levantamento sistemático, a partir da experiência da nossa equipe na biblioteca, pudemos perceber que os usuários noturnos da biblioteca da FACE eram em sua maioria alunos de cursos de engenharia da UFMG e concurseiros externos à universidade. As estatísticas da biblioteca sobre seu uso nesse horário somente diferenciam se os alunos são internos ou externos à UFMG. Em 2017, segundo dados fornecidos por Leonardo, 84% dos usuários da biblioteca na modalidade 24 horas foram pessoas da comunidade externa, enquanto que somente 16% foram alunos, professores e funcionários da universidade.  Assim, fica claro como o uso da biblioteca se dá mais pelo espaço de estudos do que pelo acervo.

Apesar de ser um espaço único na cidade de Belo Horizonte, esse local ainda possui algumas inconveniências. Levar comida para lá? Nem pensar. Fazer uma reunião com o seu grupo de estudos para discutir o próximo trabalho? Talvez não seja o melhor se vocês fazem muito barulho. E que tal tomar uma ducha depois de uma madrugada de estudos para já ir direto para a aula? Você não pode estar falando sério… Mas essas são questões que surgem pelo caminho de quem se aventura a estudar nesse horário. E uma biblioteca definitivamente não é um lugar que possa suprir essas necessidades.

NOTA: A Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) não se manifestou, até o fechamento dessa reportagem, para falar a respeito da questão dos estudos dos alunos durante a madrugada, se existe alguma demanda formalizada dos alunos ou se há alguma ação com esse objetivo.

“Templo do saber”

Para Leonardo, o espaço físico da biblioteca é um fator importante para estimular o estudante. “Estar em um local direcionado ao estudo, em meio a outras pessoas com o mesmo objetivo, faz com que o indivíduo mantenha o seu propósito”, afirma o coordenador. Ele acredita que a tendência atual é de bibliotecas como um espaço de compartilhamento. Com a Internet, torna-se muito fácil encontrar arquivos de inúmeras obras sem sair de casa. O local propício para estudar, no entanto, não está disponível em qualquer ambiente.

Apesar do uso mais frequente da biblioteca seja para um espaço de estudos, Leonardo reitera que a biblioteca também atua como um centro de preservação cultural. Certas obras são raras e não estão disponíveis online, e portanto só podem ser encontrados em uma biblioteca. Assim, o local é importante para a manutenção da memória material. Renault aponta que, para que tal função seja desempenhada, é necessário redimensionar as necessidades da biblioteca da FACE para os próximos anos de funcionamento. “Certas demandas, como ar condicionado para que possamos fechar todas as janelas e melhor preservar os livros, vão surgindo no decorrer do tempo. A ideia agora é entender estas necessidades”, explica.

Na era digital, os espaços de encontro têm um significado.Leonardo Renault, coordenador da biblioteca da FACE
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Como surgiu a biblioteca 24 horas
Desde sua inauguração, quando a Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) foi transferida para o Campus Pampulha, a biblioteca Professor Emílio Guimarães Moura funciona no formato 24h. Leonardo Renault, coordenador da biblioteca, conta que o local foi pensado tendo como referência as grandes bibliotecas europeias. “O então diretor da FACE, Clélio Campolina, idealizou esse espaço considerando que quando se está fora do país, você não possui um lar. A ideia era ter a biblioteca como um lugar acolhedor para o público da unidade”, ressalta. A biblioteca possui basicamente um acervo que visa atender aos alunos dos cursos FACE como Economia, Administração e Ciências Contábeis. Leonardo, entretanto, afirma que muitos usuários de outros prédios costumam demandar livros diferentes. “Essas demandas deveriam ser direcionadas às bibliotecas de suas próprias unidades”, reclama o coordenador. A avaliação do serviço da biblioteca é feita por meio de relatos dos porteiros, reclamações registradas na ouvidoria e pela página do Facebook. Mas Leonardo destaca que constantemente recebe depoimentos de pessoas que atribuem à biblioteca o seu sucesso no mestrado, doutorado e concursos, uma vez que o local esteve disponível em momentos de urgência ou propiciou o ambiente necessário para permanecer focado nos estudos”.

E essa migração dos alunos da Engenharia para a biblioteca da FACE?

A biblioteca da Escola de Engenharia da UFMG também é muito movimentada, possui acesso médio de 420 alunos por dia. Porém, ela funciona somente até as 22 horas. Gracirlei Lima, bibliotecária de referência para atendimento, relata que no horário em que está encerrando as atividades, há reclamação dos alunos que ainda estão presentes no local e que gostariam de mais tempo para estudar. Ela relata que, em dias de provas, chega a ter de solicitar a saída de 25 a 30 alunos para encerrar as atividades. O horário de funcionamento já foi ampliado em uma hora desde 2017, devido a essas reclamações. E Gracirlei ressalta que será realizada uma nova pesquisa ao final do primeiro  semestre de 2018 para identificar se há necessidade de mais mudanças.

A bibliotecária percebe no dia-a-dia a migração dos alunos para a biblioteca da FACE. Além da possibilidade de estender o horário de estudo no período da noite, os alunos relatam que a infraestrutura da biblioteca da FACE é melhor e disponibiliza mais tomadas para os notebooks e celulares. Essas reclamações já foram inclusive repassadas à diretoria da Escola de Engenharia, mas ainda não foram sanadas devido a impedimentos de verba e demanda de um projeto elétrico.

Gracirlei também percebe que lá os alunos utilizam o espaço mais para estudo que para consulta ao acervo. E salienta que há sim uma demanda dos alunos para que fosse disponibilizado um ambiente de estudo com menor burocracia que a existente para a entrada na biblioteca. Essa possibilidade já foi discutida em 2017 com a direção da escola. Mas demandaria alteração (e obras) na estrutura da biblioteca. A biblioteca, porém, não recebeu retorno sobre esse projeto por parte da diretoria da escola.

NOTA: A Diretoria da Engenharia também foi procurada para conversarmos sobre esse movimento, mas até o momento não se manifestou.

A experiência do espaço de estudos da UNB

Em Belo Horizonte, não identificamos outro espaço de estudos que funcione durante a madrugada para acesso ao público. Fora da cidade, um exemplo a ser citado sobre a experiência de estudo 24 horas é da Universidade de Brasília (UNB) A UNB, até fevereiro de 2018, contou com duas salas de estudo que funcionavam 24 horas por dia, inclusive nos finais de semana. Localizadas no Bloco de Salas de Aula Norte e no Bloco de Salas de Aula Sul, elas existiam respectivamente desde os anos de 2015 e 2016 e comportavam 54 e 64 usuários. Contavam com cabines de estudo individual, mesas coletivas e pontos de energia, e disponibilizavam acesso à internet pela rede wi-fi. Esses espaços, que nasceram de uma demanda dos estudantes por intermédio do DCE da universidade, eram acessíveis a qualquer pessoa. Entretanto, no horário especial, a entrada e a permanência só eram possíveis por meio da apresentação da carteirinha estudantil. As regras se assemelhavam às da biblioteca 24 horas da FACE na UFMG, já que elas diziam que era necessário manter o local limpo, não riscar as mesas, não fazer barulho, manter o celular no silencioso e não entrar com comida e bebida.

Atualmente as salas ainda estão em funcionamento, mas com horário reduzido, ficando abertas das 7 horas às 23 horas nos dias úteis e até as 18 horas no sábado devido a problemas com vandalismo e falta de servidores, segundo explicou o prefeito da UnB, Valdeci Reis, em entrevista ao jornal Metrópoles, de Brasília. Apesar dos problemas pelos quais passa, o exemplo já é relevante por ser uma experiência dentro da mesma demanda identificada nos frequentadores da biblioteca 24 horas da FACE, e também mostra como a demanda não é só dos estudantes belo horizontinos.

Usos inusitados do espaço:
  • Usos inusitados do espaço: Economizando o motel – Os porteiros relataram um episódio em que um casal foi flagrado transando no jardim da biblioteca.
  • Problemas para dormir – Encontramos um usuário externo que costuma passar várias noites na biblioteca para se distrair e outros objetivos que não são o estudo, mas sim o fato de ele não conseguir dormir e ver na biblioteca uma distração.
  • Mas por que fumar lá? – Leonardo relata que já houve tentativa de uso de drogas dentro da biblioteca.
Serviço
  • Abre mais que padaria – As bibliotecas são fechadas em apenas três dias do ano: na Sexta-feira da Paixão, no Natal e no Ano Novo.
  • Documentos necessários para cadastro na biblioteca da FACE para usuários externos À UFMG: carteira de identidade, cpf, comprovante de residência atual OBS: Aos alunos da UFMG somente é necessário apresentar a carteira do Sistema de Bibliotecas e um documento com foto.
  • Entre em contato com a biblioteca Face pelo facebook: @bibliotecaFACE
Aline Aquino

O problema é que o dia só tem 24 horas.

Gabriel José

“Nunca mais eu vou dormir, nunca mais eu vou dormir. E que isso hein? Michael Douglas” – BRASIL, João

Pedro

Dormir ou estudar, eis a questão.

Stéphani

Perdi o sono escrevendo essa matéria.

Bruno

Toca Raul! (mas antes, uma cerveja)