Uma entrevista com o Bolinho, o grafite mais charmoso de Belo Horizonte.
Crônica por Patrícia Ester, Bárbara Prado, Mariana Fontes e Deborah Castro
Farinha, ovos, leite, manteiga, glacê e confeitos são os ingredientes típicos da receita de um belo e delicioso cupcake. No entanto, encontramos o Bolinho, que tornou-se um ícone da cultura urbana da cidade e foge da fórmula tradicional. Ele é produzido a partir de arte, criatividade, ideologias e spray de tinta.
Quem pensa nesse doce dificilmente associa a guloseima a um muro cinza ou a edifícios abandonados em um cenário urbano. Bolinho está muito longe de habitar uma cozinha ou uma vitrine de pâtisserie. Com pouco mais de cinco anos, ele já tem muitas histórias e peripécias registradas por sua criadora, Maria Raquel “Bolinho” – grafiteira que nasceu em Itabira, mas mora em Belo Horizonte (MG), formada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais.
— Minha criadora, Raquel sempre foi muito artística e prendada. Foi fácil aliar o gosto pela confeitaria ao desejo de ter uma marca dela na cidade. Foi dessa mistura que eu nasci.
Naquela noite, em 2009, quando o primeiro doce foi pintado, a ‘Bolinho’, apelido que Raquel ganhou, estava acompanhada do namorado, que também é grafiteiro. Ela conseguiu elaborar uma receita street para o cupcake e aderiu o famoso quitute das terras do Tio Sam à sua identidade. Aos poucos, os traços da garota foram se aperfeiçoando. Raquel não tinha muita prática com desenho.
— Ela ficou famosa por meio dos meus desenhos, ou melhor, retratos pintados em diversos lugares aqui de BH e até em outras cidades do Brasil. Agora tanto ela quanto eu somos conhecidos como Bolinho.
Por mais que o “docinho” seja caracterizado por delicadeza e beleza, há reflexão, proposição de questionamentos e mudança de mentalidade para quem lança o olhar para um dos retratos do Bolinho e degusta a arte que colore e adocica muros e edifícios abandonados da capital mineira.
— Acho bacana ser o porta voz de uma mensagem forte e tão sweet ao mesmo tempo. É legal saber que alguém, ao passar pela cidade, vai olhar pra mim e pra mensagem que a Raquel quis deixar e, a partir daí, começar a questionar a si mesmo ou até dar um belo de um sorriso.
Os ‘retratos’ incitam gentilezas, engajamento social, situações leves – como andar de patinete ou fazer um pedido de casamento. Além disso, Bolinho estampa a coleção americana da Elvira Matilde, em telas, gravuras e logo será a imagem principal de diversos produtos vendidos em uma loja online.
— Outra coisa bacana é que a minha imagem proporciona a Raquel um modo de ganhar e ela não precisa se preocupar em outra coisa a não ser pensar em mim e nas minhas próximas poses, cores, companhias e habitat.
É claro que desenhar em espaços públicos e privados tem suas diferenças, mas Bolinho defende a importância de disseminar o grafite por todos os meios.
— Raquel sempre me diz que o grafite ainda é muito marginalizado e está muito próximo da pichação. Muitos não veem com bons olhos. Acredito que o que ajuda a mudar a ideia da galera é o grafite ser inserido em novelas como “Malhação”, por exemplo. Isso faz com que ele seja mais bem aceito pelas pessoas. Uma mudança recorrente na própria realidade.
— No inicio, enquanto ia ganhando vida por meio dos traços da Raquel, dava para ouvir alguns gritos desfavoráveis, como “Olha a pichadora!”. Realmente, seria um pecado confundi-la com gangues que querem só demarcar território. Ela me coloca como um quadro de René Magritte. Mistura minha estética com a pegada do Andy Warhol e até brinco de Frida Kahlo. Mas, hoje as pessoas já a reconhecem e até querem uma foto do trabalho e da criadora do “Bolinho”.
— As ruas do bairro Lagoinha, região noroeste de BH, são as preferidas da minha criadora, que adora pintar em lugares abandonados ou mal cuidados. Para ela, esses espaços dão uma estética bonita ao trabalho. Mesmo que sejam pouco recorrentes, se comparado a São Paulo, toda a cidade, em qualquer parte do mundo, até as mais bem cuidadas, podem ser um bom cenário para se pintar. Um pequeno problema que venho enfrentando, e que também serve de inspiração para a Bolinho, é o fato de a prefeitura começar a apagar os trabalhos, transformando todos os muros em cinza, uma ação decorrente do preparo para a Copa do Mundo FIFA 2014. Mas, enquanto eles apagam um, ela vai e faz mais dez. Surjo mais variado, bonito e pomposo.
O contraponto entre a beleza do desenho e a decadente superfície em que sou pintado pode ser ligado a uma contracultura?
— Possivelmente. O desenho também é uma forma de reivindicação ou de expressão política por chamar a atenção, principalmente nos lugares mais abandonados, cheios de lixo que continuariam assim se não tivesse um grafite que voltasse o olhar das pessoas para aquele espaço.
Outro dia ouvi Raquel dizer que não acredita no grafite como transformação social de modo algum. Ela pensa que todo mundo que faz grafite faz por um prazer próprio, antes de tudo. Pintar o Bolinho pela cidade afora é o prazer que realmente faz parte da vida da artista, que além de ter o mesmo codinome da sua criação, também me tatuou na pele.
Somos inseparáveis. Além de viver na cabeça e nas ideias, eu também faço parte dela. Do mesmo modo que algumas pessoas preferem ir ao cinema ou a uma festa para se divertir, o grafite é o melhor momento de lazer para a artista. Um prazer inspirador e visivelmente uma influência ao resultado incrível.
Os deliciosos cupcakes mordidos e com uma cereja no topo chamam a atenção com seus traços fortes e cores vibrantes, colorindo e alegrando as ruas com seu jeito fofo de expressar. Em sua maioria com o semblante feliz ou sapeca, mesmo que planejados anteriormente, eu represento a autora e o que ela está sentindo no momento.
Quem vê e sabe do tamanho do seu sucesso não imagina que a artista nunca tinha pensando em fazer e sequer viver disso até pouco tempo atrás. É como ela incentiva a quem pretende aprender a grafitar, defendendo que qualquer coisa com dedicação, treino e, acima de tudo a vontade, pode ser feita e ser bem feita. Foi como começou.
Como Raquel, muitas mulheres estão aderindo à prática dessa arte urbana no mundo inteiro. Talvez a contribuição do toque dessas garotas possa mostrar que grafite não é exclusividade de meninos e impossibilitar o machismo presente nesse meio, onde ainda se ouve “por ser mulher esse trabalho está até legal”.
Para a minha criadora não existe essa diferença de pintar ou criar uma ideia por ser homem ou mulher. Muitas moças possuem uma técnica maravilhosa, com trabalhos lindos e não se destacam por serem mulheres, mas sim por fazerem um trabalho legal. Foi assim que escapei do confinamento em quatro paredes azulejadas e conquistei a cidade.