A saga do estudante-trabalhador revela como conciliar o tempo, custo de vida alto e o desejo de estudar se tornam um desafio para os discentes.
Por Emerson Patrício e Seynabou Sall

O despertador toca e uma mão sonolenta o silencia rapidamente. Antes mesmo dos olhos se abrirem já há a sensação de que o sono foi pouco, mas, para não cair na tentação de voltar a dormir e perder o horário, o melhor é se levantar às pressas e seguir para o banheiro. Com a roupa colocada e o horário de sair se aproximando, uma porta que não tornará a ser aberta até o fim do dia é fechada.
Esses são, de maneira resumida, os primeiros momentos diários da maioria dos brasileiros. De acordo com os indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 92,1% da população brasileira com mais de 14 anos está ocupada de alguma forma.
Dentro desse contingente estão acomodados, segundo o IBGE, os quase seis milhões de estudantes-trabalhadores, que conciliam jornadas de trabalho e rotinas de estudo. Esta é uma relação complexa, mas, para muitos dos estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a turbulência começa antes mesmo do ingresso na instituição.
Problemas no ingresso
A aprovação da UFMG é o sonho de muitos jovens no país que estudam a vida toda por isso. Porém, muitos não só enfrentam o desafio de adentrar ao ensino superior, mas também o de se manter nele.
A permanência no ensino superior é uma tarefa que vai além do empenho nos estudos e frequência nas disciplinas ofertadas, é também uma questão financeira para alunos e suas famílias. Para os estudantes sem rede de apoio familiar na cidade, essa questão se torna ainda mais difícil, principalmente os que acabam se mudando para a capital.
O estudante do curso de Jornalismo, Cauan Carvalho Santos, de 21 anos, conta que logo ao receber a aprovação o sentimento foi de alegria, porém cheio de preocupações com relação a mudança: “Eu tava na UNESP de Bauru quando eu descobri,… e nesse momento que vejo um e-mail falando que eu fui aprovado. Eu já estava completamente sem esperanças de passar na UFMG, fiquei chocado encarando o celular muito feliz com aquela notícia e segui os passos para confirmar o meu interesse na vaga, corri para São Paulo, enviar os documentos que precisava e comprar passagens para passar pela banca, foi um caos alegre”, conta.
Cauan conta suas principais dificuldades a partir daquele momento, contudo, teria de enfrentar uma grande mudança: “Minha principal dificuldade foi conseguir um trabalho com horário que não interferisse na faculdade, e como não estava preparado para me mudar, tive que pesquisar serviços de São Paulo aqui em BH. Algo que foi muito difícil, me levando a trancar o primeiro semestre do curso, momento delicado em que me sentia perdendo tempo, meio que “ficando para trás” esse sentimento me seguiu até que consegui me mudar e começar a estudar mesmo”, explica.
O trancamento de matrícula muitas vezes se torna uma solução em momentos como esse, a luta para entrar no ensino superior é tão grande que perder essa oportunidade é inconcebível, cabendo então a opção de adiar esse sonho por um determinado tempo.
De acordo com o índice FipeZap, a média do preço de alugueis residenciais em Belo Horizonte não cai desde fevereiro de 2015, além disso, anúncios de moradia em grupos virtuais voltados para o público estudantil dificilmente têm valores abaixo de R$1000,00.
Para além dos custos com moradia, é necessário ressaltar que o gasto com o restante da subsistência também pesa nos bolsos dos discentes. Estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) afirmam que o valor da cesta básica em Belo Horizonte chegou em abril de 2025 a ocupar mais da metade do salário mínimo. É óbvio que esse valor diz respeito a gastos familiares, mas percebe-se por meio desse dado que o custo de vida na cidade não é tão receptivo.
A estudante de Farmácia, Yasmim Castro de Araújo, de 19 anos, que trabalha meio período e estuda no período vespertino, conta que reconhece o apoio ofertado pela Universidade, mas que algo deveria ser feito pensando, por exemplo, em como esses alunos vão cumprir com suas grades curriculares tendo o próprio deslocamento até o Campus como um empecilho diário: “A universidade tenta apoiar o máximo possível os alunos e isso é bastante importante principalmente os universitários que são de outros estados. Poderiam fazer algo em relação a grade curricular, principalmente relacionado aos turnos de alguns cursos que são integrais e muitas vezes o estudante precisa conciliar o tempo de deslocamento pois moram longe da faculdade ou até mesmo deixam de fazer algumas matérias pois precisam trabalhar”, questiona.
Os preços altos em áreas mais próximas aos campi da federal mineira muitas vezes tornam desejável a moradia em bairros mais afastados, consequentemente, os ônibus tornam-se elementos indispensáveis da rotina. Contudo, Belo Horizonte vai na contra-mão da mobilidade sudestina. Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo não só mantêm os preços do transporte público mais baixos, como também oferecem algum nível de benefício à população universitária, na forma de gratuidade ou meio-passe.

Auxílio da universidade
Percebendo a realidade da cidade, muitos estudantes buscam amparo na própria universidade. A Fundação Universitária Mendes Pimentel (FUMP) é o braço da UFMG dedicado à permanência estudantil, que por meio dos diversos projetos atenua as dificuldades do dia a dia.
No site da instituição estão listados os 16 programas de apoio financeiro, além das atuações na saúde, alimentação e moradia estudantil, que em 2022 impactava diretamente mais de nove mil estudantes, o que representa quase um terço da população discente da UFMG.
O acesso aos programas da FUMP se dá por meio de questionário socioeconômico que é seguido da entrega de uma série de documentos para análise. A partir desse momento, caso aprovados, os estudantes são posicionados em níveis de auxílio dispostos da seguinte forma: I, II, III e IV, que correspondem à probabilidade de evasão do aluno caso ele não seja contemplado com os programas de permanência.
Apesar disso, por vezes os alunos notam uma dificuldade ao realizar os cadastros. Cauan conta da tentativa de recorrer ao auxílio: “Tentei recorrer a FUMP para moradia estudantil, mas não consegui prosseguir com a solicitação pelo volume de dados pedidos, alguns inclusive que eu não tenho acesso para cumprir com a solicitação”.
Yasmim conta também que não conseguiu finalizar seu cadastro, pois enfrentou dificuldades ao preencher o questionário socioeconômico, que dá acesso ao programa FUMP para obter algum dos benefícios ofertados .
Apesar da universidade ofertar auxílios destinados a apoiar e garantir a permanência dos estudantes, esses recursos muitas vezes se mostram insuficientes para atender a comunidade acadêmica. Seja pelo valor limitado dos benefícios que não cobre todos os custos apontados, ou pela quantidade restrita de vagas e burocracias desde o cadastro que dificultam o acesso, muitos estudantes acabam ficando desassistidos. Com isso, a entrada no mercado de trabalho se torna inevitável.
Conciliação
Diante desse cenário, a desistência parece uma opção. Entretanto, ambos entrevistados afirmam que nunca cogitaram desistir de seus cursos ou abandonar o trabalho.
Segundo Cauan, “da faculdade eu nunca pensei em desistir, mas do serviço já tive necessidade de faltar ou me atrasar realizando tarefas da faculdade”. A conciliação entre trabalho e graduação é uma batalha em constante desequilíbrio, há momentos em que as obrigações do emprego ou o cansaço da jornada de trabalho ganham, já em outros o compromisso com o estudo é indispensável.
“O meu curso é integral e acabei deixando algumas matérias para depois por conta dos horários das aulas, pois algumas tem apenas na parte da manhã, porém o trabalho é necessário para ajudar em casa”, relata Yasmim sobre a conciliação de horários da graduação e trabalho, uma dinâmica com a qual teve que se adaptar para não ter que optar pela desistência de um dos dois.
A relação entre emprego e faculdade sempre será conflituosa. Todos os estudantes, sejam do período diurno ou noturno, concordam que é uma dinâmica difícil, que exige um esforço em dobro até se encontrar um equilíbrio entre estudos e trabalho. Entretanto, no cenário socioeconômico atual, é indispensável se posicionar nessa corda-bamba de responsabilidades e fazer um malabarismo com as necessidades do curto, médio e longo prazo.
*Reportagem produzida na disciplina de “Laboratório de produção de reportagem” sob a supervisão de Dayane do Carmo Barretos.