Explorando os pichos de banheiro na FAFICH
Por Clara Caetano e Vítor Linhares
O prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é conhecido por ter pichações em grande parte de sua extensão, e os banheiros não ficam de fora. Há quem diga que eles são os mais inusitados de toda UFMG, decorados com desenhos, pichações e escritos anônimos, o que torna esses espaços memoráveis. Mesmo aquele cantinho mais escondido pode ter sido preenchido com mensagens que nunca saberemos quem fez ou o porquê.
Mas o que a Fafich tem de tão especial para se distinguir dessa forma? Já entregamos uma hipótese de cara! Para a administradora pública Alexsandra Nascimento, “a diferença começa pela própria configuração dos banheiros, porque alguns são feitos para que não se escreva neles. Por isso, são de cores escuras, feitos com pedras e não madeira. Por exemplo, os banheiros da Face e do Icex, que são assim, as pessoas escreviam menos. Ainda ocorria, pois tinha gente que dava um jeito de arrumar um estilete e arranhava a porta. Mas,são espaços mais isentos de gráficos, justamente, porque a própria estrutura física do banheiro não favorece.”
Durante a produção desta matéria, quase todos os banheiros da Fafich foram explorados e existem muitas características que se repetem em quase toda unidade: frases e desenhos chulos e de baixo calão, mensagens políticas e opiniões diversas (muitas vezes polêmicas), textos motivacionais e perguntas feitas para gerar interações que, impressionantemente, conseguem atrair muitas respostas. Exemplo disso é o banheiro masculino perto do Auditório Carangola, onde tem um fórum de sugestão de músicas e artistas, bem ao lado de uma conversa entre duas pessoas que descobriram gostar da mesma saga de jogos.
O local que costuma ter mais pichações é a cabine, seja na porta ou nas paredes. Dentro delas, o mais comum é ver mensagens sobre o ato sexual e de ir ao banheiro, o que cria um contraste divertido com os diversos textos motivacionais. Estes, muitas vezes, são alvos de piadas e ironias pelos autores mais humorísticos.
Escrita como forma de expressão
Segundo a arqueóloga e antropóloga Flora Villas, o picho de banheiro, chamado na literatura de graffito, tem uma particularidade muito grande por causa do lugar onde ele está. “É o fato do escrito ser dentro de uma cabine, que é ao mesmo tempo pública, pois tem uma circulação de pessoas, de atores sociais, o que possibilita a comunicação, mas também é privada. Afinal, ali você faz atividades particulares, além do sentido físico, já que é um espaço fechado”, disse.
Além disso, ela afirma que a formatação do espaço corrobora com o ato. “Até mesmo fora das cabines, no banheiro, você ainda está reservado da vigilância comparado ao resto do prédio. É um local que permite a comunicação, mas, simultaneamente, concede os espaços íntimos e a privacidade necessária para se pichar.”
Em uma porta, um autor fez um poema sobre o desejo de um paraíso e descanso, além de ter perdido quase todo o peso por um comentário logo abaixo, que propõe uma solução mágica “Nasce rico!”. Para Ana Flávia Bastos, aluna de gestão pública, esses escritos “são uma forma de expressão válida, desde que não dê trabalho para ninguém.”
Quando questionada acerca desta marca registrada da Fafich, Ana compartilha a mesma opinião de Flora. “Os banheiros são mais íntimos, e todos escrevem coisas que não escreveriam em paredes expostas”, afirmou.
Textos seguem alguns padrões
Também são notórios alguns padrões, frases idênticas com mesma caligrafia e escolha de palavras (principalmente no âmbito político), em que o autor, possivelmente, considerou os banheiros como um local de destaque dentro da universidade para se expressar. Afinal, há uma grande movimentação de pessoas nesse espaço e essas imagens podem se fixar na mente do leitor. Por exemplo, nos banheiros masculinos, já é bastante difundida a frase “Bolsokid tem pinto pequeno”, sempre com a mesma cor de caneta, caligrafia e sorrisinho rabiscado.
A questão sexual, ligada a genitália masculina, é parte da identidade desses locais, apesar de, em alguns casos, fugir deste padrão, como o estêncil de personalidade e personagens famosos como Albert Einstein e o Pikachu — desenhos numa parede colorida e que chamam atenção dos frequentadores do banheiro.
Flora entende essa manifestação de forma problemática. “Os banheiros masculinos estão muito marcados pelo sexo e pelo falocentrismo. É muito sobre ‘cu’ e sobre ‘pau’. Penso que, em todos os banheiros da Fafich, deve ter uma menção a ‘buceta’. Isso é muito sintomático”.
Os desenhos também são parte da identidade dos banheiros masculinos, mas a maioria deles representa a genitália masculina de tamanho e formas diversas mas alguns fogem desse padrão, como o os estêncil de personalidade e personagens famosos como Albert Einstein e o Pikachu que chamam atenção em uma parede colorida pelos frequentadores do banheiro.
O estudante de filosofia Fernando Inácio reforça essa ideia, apesar de achar algumas das mensagens obscenas engraçadas. “Muitas pessoas passam do limite ou são apenas sem noção mesmo.”Frequentante da UFMG há seis anos, ele conta que as expressões políticas eram mais frequentes quando se matriculou. “Posso afirmar com muita certeza que as manifestações políticas, presentes nos banheiros, estão lá desde 2018”, contou.
Nos banheiros femininos, por sua vez, outras repetições são encontradas, como o escrito “carpe diem”, com caligrafia estilizada. Além disso, o desenho de um boneco usando chapéu pontudo, remetendo a um duende, marca as portas das cabines. Nesse caso, é interessante perceber como esse mesmo elemento ocupa “contextos” tão diversos, já que, em cada espaço há uma discussão ou exposição diferente.
Conforme a antropóloga e arqueóloga, enquanto nos banheiros femininos há muitas menções ao feminismo, nos masculinos não existe nenhuma reflexão sobre masculinidade ou sobre a luta de igualdade de gêneros. Isso porque, para ela, as discussões percebidas nestes locais tendem a ser mais dicotômicas, contrapondo esquerda e direita, um partido e outro, um candidato e outro. Nos femininos, essa discussão costuma se ampliar em relação às pautas de identidade, por exemplo.
‘Essa opinião deve ser muito importante para acabar em uma parede de banheiro’
Os assuntos e formatos das intervenções variam e dizem muito sobre o espaço e sobre as pessoas que passam por ele. É possível ver até propagandas que divulgam desde artesanato a drogas, e, mesmo que sejam inusitadas, são uma forma eficaz de chamar atenção. No caso dos banheiros, todos os entrevistados disseram que prestam atenção no que está escrito. “Eu sempre reparo e, às vezes, até respondo. Acho legal essa forma de se expressar, muita gente faz confissões de coisas presas na garganta” diz Júlia Teodoro, aluna de doutorado em sociologia.
Após risadas, espantos e experiências curiosas, foi possível perceber que os banheiros da Fafich funcionam, quase, como uma rede social. Os mais diversos assuntos são discutidos, com intuito de entreter, se expressar política ou emocionalmente, e, até mesmo, conhecer novas pessoas e criar interações sociais. A leveza desse meio de comunicação é visível e retoma a frase de um anônimo. “Essa opinião deve ser muito importante para acabar em uma parede de banheiro”.