Concentração dos “rolês” no centro da cidade e a força da cultura universitária estariam confinando estudantes da UFMG a circuitos repetitivos e dificultando uma vivência mais ampla de Belo Horizonte?

Por Maria Eduarda Araújo, Maria Júlia Rodrigues e Raissa Haizer

 

Montagem por Maria Júlia Rodrigues

Entre o campus Pampulha e as ruas do centro de Belo Horizonte, os estudantes da UFMG se movimentam por uma cidade que nem sempre se apresenta por inteiro. Esses estudantes, que estão inseridos numa das mais prestigiadas universidades do país, acabam transitando por um tipo de circuito fechado onde os “rolês” e a rotina acadêmica acabam se concentrando em bairros e espaços mais próximos aos campus. A “bolha universitária” – um termo para essa espécie de isolamento simbólico, levanta questionamentos sobre a real integração entre a comunidade acadêmica e a capital mineira. Com uma das tarifas mais caras do Brasil, e a ausência do passe livre estudantil, a mobilidade urbana pode ser um dos obstáculos para a circulação dos estudantes. Nessa reportagem, ouvimos estudantes da UFMG para entender como se dá a vivência cultural para além das limitações simbólicas da universidade. O que acontece quando esses jovens rompem essa barreira?

Mobilidade

Em 2025, a tarifa de ônibus em Belo Horizonte alcançou R$ 5,75, tornando-se a quarta mais cara entre as capitais brasileiras. Apesar de estar entre as cidades com maior custo no transporte público, a capital mineira se diferencia negativamente das demais do Sudeste por não oferecer passe livre para estudantes universitários. Essa falta dificulta ainda mais a circulação de estudantes por regiões mais afastadas do centro e do campus Pampulha.

Quem vem de fora

Dados do estudo “Análise do perfil socioeconômico dos ingressantes matriculados na UFMG no período de 2003 até 2022 (SiSU e Vestibular Habilidades)”, publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no ano de 2022, indicam que, em 2021, 45% dos estudantes ingressantes vieram de fora de Belo Horizonte, o maior número registrado até então. Esta porcentagem foi impulsionada pela pandemia de Covid-19, que alterou a lógica de concorrência no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como explica a análise feita pela universidade. Contudo, o retorno à normalidade fez esse número cair para 34,66% em 2022.

Quem tenta sair da bolha

Vanessa Macedo, de Campina Grande, doutora em Educação pela UFMG, vive em Belo Horizonte há 13 anos, e relata ter vivenciado diferentes momentos de relação com a cidade. “Naquele momento em que eu estava fazendo pós-graduação, eu vivi a minha vida de pesquisador em treinamento, vivi dentro da faculdade de educação, dentro do grupo de história da educação, dentro da pós-graduação em educação, né? E isso marca muito a nossa sociabilidade dentro da universidade. Então, foi uma fase”, conta. 

Com o passar do tempo e avanço em sua trajetória profissional, Vanessa percebeu mudanças significativas na forma como se relaciona com Belo Horizonte. Se sua vivência antes estava concentrada nos espaços acadêmicos da UFMG, hoje ela se vê em uma nova fase, impulsionada principalmente pelas atividades de extensão, no entanto, as ações extensionistas em questão fazem parte da própria Universidade. 

“Justamente por conta do meu trabalho na extensão, eu já tenho mais contato com espaços fora da universidade, como, por exemplo, a própria escola, os sindicatos da área da educação, outros entes federativos, como, por exemplo, o Ministério da Educação. Então, é uma outra fase que eu vivo e eu considero, inclusive, que por conta das minhas ações extensionistas, isso me lança mais na cidade. Então, são fases, né? E eu acho que sim, as interações sociais, no momento que eu estava fazendo doutorado, ficaram restritas à bolha universitária”, declara.

O depoimento de Vanessa, revela que a “vida fora da bolha da UFMG” não é espontânea, exige planejamento e esforço individual e, muitas vezes, está diretamente relacionada com o momento em que se está na universidade.  A escolha de transitar por outros ambientes da cidade, para além do convívio acadêmico, exigiu dela um movimento consciente, que se intensificou especialmente nos últimos anos. “Eu tenho amigos fora da UFMG, eu tenho vida social fora da UFMG, também vida política. Mas esse foi um movimento que eu fiz nos últimos cinco anos, de sair um tanto. Porque a tendência é que você entre naquele universo e você viva esse universo. Então, eu tive, deliberadamente, esse esforço”, reafirma.

Já Luiz Freitas, estudante de jornalismo que se mudou de Itabira para Belo Horizonte em 2022 e desde então morou próximo ao campus Pampulha, relata que logo se conectou à comunidade universitária. 

“No meu caso, eu já tinha alguns amigos na cidade antes de vir pra cá, mas ainda assim, eu conheci outras pessoas fora da bolha universitária também. Acho que vai muito da personalidade da pessoa, dela ser mais introspectiva ou extrovertida, sabe? Depende muito disso também, porque Belo Horizonte tem várias coisas pra fazer. Tem muitos eventos gratuitos e muitos eventos pagos que você pode ir. Acho que não é uma tarefa fácil, naturalmente sua bolha vai ser majoritariamente universitária, mas a cidade também permite você viver fora disso”, conta.

Frequentar eventos como rodas de samba, brechós e, principalmente, o Carnaval de Belo Horizonte, foram fundamentais para sua imersão na cidade. “O carnaval também é algo cultural da cidade, então não tem como deixar de fora! Acho bem interessante porque essa cultura do carnaval é bem espalhada, sabe, bem variada, e te permite conhecer outras regiões da cidade que normalmente, no dia a dia, a gente não consegue”, afirma. Porém, ao falar sobre os espaços da capital mineira, Luiz cita a Praça de Serviços da UFMG, o Parque Municipal e o Parque Lagoa do Nado, ambientes que estão próximos aos campus da Federal de Minas Gerais.

Os relatos de estudantes da UFMG que ainda vivenciam a cidade mostra que é sim possível romper a bolha universitária e criar raízes nesse território, porém, não é um processo simples e demanda muito empenho e esforço individual. Afinal, o quanto de Belo Horizonte realmente chega aos estudantes, e o quanto eles conseguem compartilhar com ela, segue sendo uma pergunta em aberto para quem vive na interseção entre o campus e a capital.

**Reportagem produzida na disciplina de “Laboratório de produção de reportagem” sob a supervisão de Dayane do Carmo Barretos