Em meio às ondas de calor, debates sobre reajuste de preço reacenderam questões a respeito da experiência dos usuários e funcionários dos bandejões da UFMG.
Por Maria Fernanda Marques e Yasmin Gerimias
Os Restaurantes Universitários (RUs) da UFMG, conhecidos popularmente como “bandejões”, fazem parte da Política de Assistência Estudantil da universidade. Administrados pela Fundação Universitária Mendes Pimentel (FUMP), eles estão distribuídos nos campi Pampulha (RU Setorial I e II), Saúde, Faculdade de Direito e Montes Claros.
Juntos, têm a capacidade de servir mais de 13 mil refeições diárias. Servindo café da manhã, almoço e jantar, os RUs facilitam a rotina dos estudantes oferecendo refeições saudáveis a custos reduzidos ou gratuitamente. Sendo assim, ao auxiliar na segurança alimentar e contribuir na viabilização da permanência dos estudantes na universidade, os bandejões são ferramentas de apoio às atividades acadêmicas. “Pra quem fica na UFMG o dia todo, por exemplo, fazendo atividades como pesquisa, extensão e etc, não tem como ficar sem comer. São atividades diárias, então a pessoa gasta muito com comida se for comer nos restaurantes (lanchonetes dos prédios); O bandejão segue sendo a melhor opção nesses casos. Tem que comer aqui”, relata um graduando do curso de História.
No final de 2023, o Conselho Fiscal da FUMP, responsável por analisar e aprovar a revisão e previsão orçamentária da Fundação, aprovou um reajuste nos preços dos RUs, elevando o custo de referência de R$ 5,60 para R$ 8,37 – para estudantes que não são posicionados pela FUMP. A decisão gerou revolta nos estudantes usuários do bandejão e motivou protestos liderados pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) que, em nota, argumentou que o aumento não resolve os problemas enfrentados pelos discentes. No documento, eles destacam a urgência de melhorias na infraestrutura dos restaurantes, como a instalação de ventiladores, bebedouros e valorização dos trabalhadores da FUMP. Embora o aumento de preços não tenha sido aprovado para os estudantes, outras categorias, como estudantes da pós-graduação e docentes, passaram a pagar o preço reajustado. É importante destacar que os preços dos bandejões da UFMG já são mais altos do que em outros restaurantes universitários de federais como a UFPI (R$ 0,80), UFPA (R$ 1,00), UFC (R$ 1,10), UFSC (R$ 1,50), e UFRJ (R$ 2,00), entre outros.
Abaixo, você confere a tabela* com os preços atualizados das refeições nos bandejões da UFMG:
Além disso, é importante destacar que os preços praticados nos bandejões da UFMG já são mais altos do que em outros restaurantes universitários de federais como a UFPI (R$ 0,80), UFPA (R$ 1,00), UFC (R$ 1,10), UFSC (R$ 1,50), e UFRJ (R$ 2,00), entre outros. Essa diferença pode ser um ponto de desconforto para os frequentadores da UFMG.
O enfoque em torno do aumento das refeições reacendeu os debates em torno das melhorias necessárias na infraestrutura dos bandejões, especialmente porque, ao longo do ano de 2023, a cidade de Belo Horizonte enfrentou ondas de calor inéditas e foi, inclusive, a capital que mais esquentou no Brasil, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).
Calor no bandejão
Para saber mais sobre as impressões dos usuários, distribuímos um formulário com perguntas simples sobre o conforto nos RUs do campus Pampulha, abordando questões como circulação, acessibilidade, qualidade da alimentação, infraestrutura, entre outras. No entanto, a principal queixa é, de maneira geral, o desconforto térmico, especialmente em relação ao Restaurante Setorial I, que, ao contrário do Restaurante Universitário II, não dispõe de ventiladores. “Às vezes, é necessário pegar mais guardanapos para enxugar o suor, que escorre enquanto se come, uma situação bastante desagradável. Frequentemente perco o apetite por causa do calor, então prefiro pagar mais e comer nas cantinas quando está quente”, afirmou João Victor Cardoso, graduando do curso de História.
Nas redes sociais, os estudantes que frequentam as instalações geralmente utilizam esses espaços para compartilhar seus desconfortos em relação à experiência nos bandejões. Por exemplo, em perfis do Instagram onde os estudantes se organizam para divulgar temas de interesse dos universitários e compartilhar impressões da vida no campus, encontramos propostas de manifestações a favor de melhorias nas condições dos refeitórios.
Uma rápida busca por palavras-chave no Twitter – agora X – revela várias reclamações sobre as condições dos ambientes no horário de pico das refeições, especialmente durante as últimas ondas de calor. Um dos internautas chega a mencionar pessoas “desmaiando de calor” no Restaurante Universitário I. Durante o processo de produção desta reportagem, uma usuária nos informou que, certa vez, precisou “abandonar a refeição e sair do restaurante rapidamente porque estava passando mal devido ao calor”.
Em outro post, o estudante de jornalismo Rafael Cyrne observa que a experiência nos bandejões também é prejudicada pelas condições externas aos prédios, especialmente o deslocamento até eles, que se torna mais cansativo em dias quentes. Ele comenta: “Ir à UFMG durante o dia nesse calor é muito difícil. Sair da FAFICH para o bandejão, subir o morro sob esse sol escaldante, ir do bandejão para a estação do MOVE, esperar o ônibus na estação fervendo, descer no centro e esperar mais um ônibus no sol.”
Quando pensamos nos principais problemas dos bandejões, o calor parece uma resposta óbvia. No entanto, aparentemente, nem sempre foi assim. Uma das respondentes, Lilian Ribas, ex-aluna de Comunicação Social que se formou nos anos 2000, afirmou que não se lembra de isso ser uma questão quando se recorda de suas refeições nos Restaurantes Universitários.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a temperatura média da cidade de Belo Horizonte entre os anos de 1961 a 1990, quando os Restaurantes Universitários do campus Pampulha foram construídos, era de cerca de 23ºC. De lá para cá, as mudanças climáticas ficaram cada vez mais intensas e, ano passado, BH chegou a temperaturas nunca antes registradas na cidade. Sabemos que cenários de altas temperaturas não são exclusivos dos anos 2020, mas isso nos leva a pensar que, talvez, os prédios dos RUs não estejam preparados para temperaturas como as que enfrentamos nas ondas de calor dos últimos meses.
Além do calor, que aparece expressivamente nas queixas de alguns usuários, recebemos também depoimentos com relação ao acesso aos bandejões. “Imagino que é quase impossível acessar os bandejões sendo uma pessoa com deficiência. Se estiver com o pé ou as pernas fraturadas você já não consegue subir”, pontua uma usuária. Fred Rodrigues, estudante do 2º período de História, afirma que a situação é complicada também para quem acessa os bandejões de carro. “Eu chego por volta das 17h30, bem no horário de saída das crianças do Centro Pedagógico. Agora no inverno, que o dia escurece mais rápido, fico muito tenso na hora de entrar naquela rua, porque é escura e as crianças estão circulando ali. É perigoso”, relata. Ele ressalta que a má iluminação do campus é um problema que vai além da gestão dos bandejões, mas que também afeta significativamente a experiência dos usuários.
Em outras oportunidades de conversa, por meio do formulário, os estudantes também levantaram questões como a qualidade da comida vegetariana e as dificuldades de locomoção para pessoas gordas dentro dos restaurantes. Também mencionaram o sistema de pagamento, que, segundo eles, aumenta o tempo na fila e acaba agravando o desconforto térmico. “Você passa aqui na hora do almoço e vê: não tem sombra na fila. Se você sai um pouquinho de baixo da marquise, acabou. você vai ficar queimando no sol até a hora de entrar. Podia ter umas árvores ali, né?”. Além dessas questões, é importante considerar também as condições de acesso e as longas filas em dias chuvosos, que podem significar dificuldades adicionais para os usuários dos bandejões.
E os funcionários?
Embora os frequentadores apontem questões de desconforto no espaço do bandejão, como a temperatura do ambiente, possível dificuldade de acesso e tempo de espera na fila, além da qualidade da comida, é crucial considerar também a opinião dos funcionários que operam nesses locais. Esses trabalhadores estão na cozinha, servindo refeições, repondo alimentos, transportando itens e operando nos caixas, entre outras funções. A experiência deles inclui lidar não apenas com a temperatura ambiente, mas também com o calor das chamas dos fogões, o vapor ao servir as refeições, o uso de equipamentos de segurança e a necessidade constante de realizar esforços físicos no transporte de alimentos e utensílios. Esses aspectos requerem uma atenção especial.
Estudos recentes questionam as condições de conforto nos restaurantes universitários, focando nos trabalhadores. O artigo “Saúde e Sofrimento do Trabalhador em Restaurantes Universitários: Uma Breve Revisão” de Mileno Alexandre Barbosa Epifânio, Thiago Pereira Rique e Samara Martins Nascimento, publicado em 2020 pela Revista Brasileira de Desenvolvimento, analisa, por meio de uma pesquisa exploratória do tipo revisão de literatura, questões como carga de trabalho, estresse, doenças ocupacionais e insatisfação no trabalho. O estudo destaca problemas relacionados ao ambiente físico, como ergonomia, temperatura, e riscos químicos e biológicos, além de pressões para cumprir prazos e a falta de reconhecimento.
Em outubro de 2023, o portal “Esquerda Diário” publicou uma matéria denunciando a precarização do trabalho nos bandejões da universidade e nos hospitais ligados à UFMG. A reportagem apontou a sobrecarga nas cozinhas, o adoecimento dos funcionários, a falta de manutenção nos equipamentos e utensílios de cozinha, e o atendimento insuficiente do plano de saúde.
Especificamente em relação aos trabalhadores do Hospital Risoleta Neves, diretamente ligado à UFMG e onde diversos estudantes das áreas de saúde fazem estágio, a denúncia destacou a ausência de adicional de insalubridade, apesar da constante exposição ao risco de contaminação, e relatos de assédio moral.
O Senalba MG (Sindicato dos Empregados em Entidades de Assistência Social, Orientação e Formação Profissional no Estado de Minas Gerais), responsável pela denúncia, publicou em suas redes sociais informações sobre essas questões, com ênfase no restaurante do Hospital Risoleta Neves. O sindicato também relatou tentativas de negociação com a FUMP, solicitando reajuste salarial, aumento do vale-refeição e melhorias no plano de saúde para todos os funcionários.
Buscamos ouvir os funcionários dos restaurantes do campus Pampulha para entender se enfrentavam situações semelhantes às relatadas no restaurante do Hospital Risoleta Neves. No entanto, encontramos uma grande resistência, pois os funcionários estavam claramente desconfortáveis. Abordamos o assunto de maneira respeitosa, perguntando se estavam interessados em compartilhar sua rotina de trabalho, desafios e dificuldades. Mesmo assim, muitos se recusaram a participar, e algumas das fontes que inicialmente concordaram acabaram mudando de ideia.
O único funcionário que respondeu a algumas das perguntas destacou que a rotina de trabalho é corrida e agitada devido à grande quantidade de refeições diárias a serem servidas e ao cumprimento rigoroso de horários para servirem as refeições. Ele apontou a falta de um espaço adequado para os intervalos de almoço e descanso, tanto que, quando foi abordado, estava sentado do lado de fora do bandejão, em um dos bancos também utilizados pelos alunos.
Durante a entrevista, ele reforçou que as tarefas diárias são explicadas antes da contratação e que são seguidas por meio de uma escala bem organizada, que roda semanalmente. Além disso, mencionou que recebem treinamentos diários de segurança no trabalho. Apesar da garantia de anonimato, o funcionário reforçou várias vezes a preocupação com a divulgação de sua identidade. A ausência de respostas ou a fuga delas por parte dos funcionários ainda deixa dúvidas sobre se o bandejão é um local confortável para se trabalhar, considerando diferentes dimensões de conforto, como acústico, térmico, físico, social e emocional
Posicionamento da FUMP
A reportagem examinou relatórios de atividades, demonstrações contábeis e orçamentos da FUMP em busca de informações sobre investimentos significativos na infraestrutura dos bandejões, mas não encontrou nenhum indício. Também entramos em contato com a instituição para obter o posicionamento acerca das questões levantadas pelos usuários e da matéria sobre as condições dos funcionários, mas não recebemos resposta.
Em uma publicação do DCE no dia 4 de junho, foi informado que a FUMP já apresentou um plano para reestruturação da ventilação no Restaurante Setorial I.
* Reportagem produzida na disciplina “Laboratório de Produção de Reportagem”, sob supervisão de Elton Antunes