Diretora da instituição afirma que a promoção de pertencimento, aceitação e autoestima é um dos objetivos a serem alcançados ao longo do projeto
Por Fernanda Tubamoto, Maria Luiza Reis e Nicole Vasques
A educação antirracista começa em casa, mas um colégio da Grande BH provou que também é possível investir nessa premissa dentro das salas de aula. Ganhadora do Prêmio Educar na categoria “Escola”, a Escola Municipal Anne Frank desenvolveu estratégias para a inclusão étnico-racial de estudantes, professoras e professores. O projeto ‘Promoção da Igualdade Racial’, que trabalha a autoestima e promove reflexão crítica por meio de atividades lúdicas, foi premiado em 19 de outubro no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
A escola Anne Frank, localizada na região da Pampulha, atende estudantes de três a 14 anos. Alunas e alunos participam das atividades que têm como objetivo a valorização da diversidade no ambiente escolar. A diretora da instituição Mariana Chiodi conta que o Projeto Promoção da Igualdade Racial acontece todos os anos na escola e é apoiado por outras iniciativas da instituição, como o grupo de estudos étnicos. “Ele é um projeto permanente, ele tem ações que acontecem todos os anos e que acontecem em todas as etapas”, relata.
Entre as atividades propostas pelo programa, há o “papo cabelo” para falar sobre as características físicas das pessoas negras e o “fashion day”, quando acontece um desfile de belezas negras na escola e rodas de conversas recorrentes para discutir temáticas relacionadas à negritude. Os profissionais da escola foram todos qualificados para esses tipos de ações, que também contam com uma participação ativa dos pais dos alunos e membros da comunidade local.
A diretora Mariana observa que tanto alunos quanto professores são impactados pelo projeto: “a gente percebe nos corredores da escola, tanto as crianças quanto os nossos adolescentes e os nossos funcionários se reconhecendo como negros e assumindo a sua negritude. É bonito ver os adereços, os cabelos”. Entre os objetivos da iniciativa está a promoção da questão do pertencimento, da aceitação e da autoestima.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
O Prêmio Educar
O Prêmio Educar foi criado em 2002 a partir de debates promovidos no CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) sobre o reconhecimento do papel fundamental dos educadores na efetivação do direito humano à educação a partir da equidade. Até o momento, contou com oito edições que, juntas, identificaram e cadastraram quase 4.000 experiências de práticas pedagógicas promotoras da igualdade racial e de gênero.
As escolas e os projetos premiados desde a sua primeira edição tornaram-se referência no processo inaugural da implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para incluir a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas de todo o país, sendo um marco na conquista dos movimentos sociais negros aliados aos demais movimentos democráticos e libertários.
Confira a entrevista com Mariana Chiodi, diretora da Escola Municipal Anne Frank
O projeto “Promoção da Igualdade Racial” foi idealizado quando? Como surgiu a ideia de concorrer ao prêmio Educar?
As ações já existiam no cotidiano da escola. Nosso Projeto Político Pedagógico (PPP) faz referência à educação étnica racial olhando para esse esse viés. Então, ele foi inscrito no prêmio em dezembro de 2019, mas com essa juntada das ações que já aconteciam na escola. Nós temos um grupo de estudo racial na escola Anne Frank. Chegou a chamada para o Educar de uma das professoras do nosso núcleo da escola, aí que fizemos a inscrição para participar.
Qual a faixa etária das crianças impactadas?
A escola Anne Frank atende da pré-escola, que é de três a cinco anos, até a EJA de ensino fundamental, passando pelo ensino regular, de 6 a 14 anos. Então, todos são impactados, todos têm ações do nosso projeto. Ele não está exclusivamente na educação infantil ou no fundamental 1.
O projeto teve duração de quanto tempo e quais atividades foram colocadas em prática?
Ele é um projeto permanente, tem ações que acontecem todos os anos e tem ações que acontecem em todas as etapas. Então, por exemplo, nós temos o “Papo Cabelo”, que é falar sobre a característica física do negro, falando sobre os cabelos, que acontece todo mês de novembro por ocasião do mês da Consciência Negra. Tem o “Anne Frank Fashion Day”, que é um desfile das belezas negras da escola, que também acontece no mês de novembro, mês de aniversário da escola. Tem rodas de leitura de conversa sobre temáticas afins ao tema, e por aí vai.
Os próprios docentes tomaram a frente das atividades ou a escola contratou profissionais?
Em alguns momentos as iniciativas foram do corpo docente, em outros momentos a iniciativa foi da escola, é um trabalho em conjunto. Houve uma qualificação do corpo docente para as rodas de conversa usando a metodologia da justiça restaurativa. Então, houve a contratação desse pessoal da justiça restaurativa para fazer formação com o pessoal da escola.
Os pais das crianças participam de alguma atividade?
Eles participam do momento do “Papo Cabelo”, fazendo as oficinas de beleza. Tem uma integração muito bacana com a comunidade na organização do desfile.
A escola Anne Frank está situada no limite dos municípios de Belo Horizonte e Contagem. A gente costuma dizer que os nossos estudantes já estão à margem.
Sente que os professores e outros funcionários também foram beneficiados? Se sim, como?
Nós percebemos, nos corredores da escola, tanto as crianças quanto os nossos adolescentes e os nossos funcionários se reconhecendo como negros e assumindo a sua negritude. É bonito de se ver, os adereços, os cabelos.
Para o colégio, qual a importância de desenvolver competências e habilidades que levam em conta a diversidade?
A escola Anne Frank está situada no limite dos municípios de Belo Horizonte e Contagem. A gente costuma dizer que os nossos estudantes já estão à margem. Nós estamos na margem de dois municípios, em comunidade periférica, e eles precisam se reconhecer e se aceitar da forma que são. Então, a gente trabalha muito nessa perspectiva dentro do nosso PPP, dos direitos iguais entre mulheres e homens, da questão da raça. Isso tudo faz parte do projeto político pedagógico da Anne Frank e é trabalhado dentro da sala de aula.
De que forma acredita que essa iniciativa impacta positivamente a sociedade?
Esse trabalho com os estudantes, a questão do pertencimento e da aceitação. Não tem ninguém melhor do que o outro, somos todos iguais, cidadãos de direito. E precisamos trabalhar isso com eles, como temos trabalhado. Eu acredito que essa autoestima e esse reconhecimento do que ele é impacta positivamente, sim, a sociedade.
Quais os principais resultados do projeto?
Não temos resultados permanentes. A maioria dos nossos estudantes, por estar em fase de desenvolvimento, tem que ser trabalhada paulatinamente para que se auto afirme, para que eles se enxerguem como cidadãos negros e pertencentes desse mundo.
Vocês venceram o prêmio na Categoria Escola? Se sim, como foi a experiência?
Sim, nós vencemos na Categoria Escola. Nós escrevemos um projeto que é constante no nosso PPP. A experiência é muito válida, porque mostra a importância e a seriedade daquilo que nós estamos fazendo. Apesar de sabermos que estamos no caminho certo, o reconhecimento é válido não só para nós, mas para nossa comunidade escolar. E para nossa cidade também.
De que maneiras pretendem continuar valorizando a diversidade, por meio de atividades e discussões com as crianças, diariamente?
Nós vamos continuar mantendo do jeito que está a nossa organização, sempre trazendo esses assuntos para discussão. O que acontece mais amiúde, no interior da sala de aula, são as rodas de conversa sobre a temática, bem como círculos literários, momentos nos quais os estudantes leem obras de autores negros com a temática negra, também com a questão da diversidade e conversam sobre isso.