Desde 2005, um projeto de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais realiza o cálculo de probabilidades matemáticas no Brasileirão que agitam torcedores e ajudam a decifrar os rumos do campeonato.

Por Carolina Freire e Vitor Pata

 

Probabilidades de rebaixamento, expectativas de vitória, superação em um campeonato… Por trás de todas as incertezas e emoções do futebol, existem dados e estatísticas que tentam prever as possibilidades de resultados e, atualmente, a maioria deles são da maior Universidade Federal do Brasil.

Há 20 anos, cinco professores do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apaixonados por futebol, se uniram para realizar o estudo de dados matemáticos no esporte. Dessa união, surgiu o projeto de extensão “Probabilidades no Futebol”, que ainda conta com a maioria dos fundadores como parte da equipe. Combinando a paixão e a ciência, o principal objetivo do grupo é divulgar a matemática através do futebol e estimar, com base em modelos matemáticos, os possíveis resultados dos principais campeonatos, com foco especial no Brasileirão.

 

Convocação e escalação da equipe

Na escalação desse time, é preciso iniciar pelo capitão. Torcedor do Atlético Mineiro, Gilcione Nonato Costa é o líder da equipe. Com graduação em Engenharia Elétrica e mestrado e doutorado em Matemática, Gilcione foi o responsável pela ideia que originou o projeto, que surgiu em decorrência do seu sofrimento enquanto torcedor. Isso porque, em 2004, o Galo não fez uma boa temporada e disputou a permanência no Campeonato Brasileiro de 2004. Após realizar, sozinho, as projeções do que o Atlético deveria fazer para não ser rebaixado, o professor decidiu que era hora de ter algo mais completo e, para isso, fez uma convocação de elite.

Um dos nomes na lista foi o do companheiro de clube, Bernardo Nunes Borges de Lima. Na época, Bernardo já havia completado a graduação em Engenharia Civil e mestrado e doutorado em Matemática. Além dele, outro nome convocado foi o do são-paulino Renato Vidal Martins. Por sua vez, Renato possui graduação, mestrado e doutorado em Matemática. Seguindo na escalação, havia outro tricolor, mas dessa vez, carioca. Nascido no estado do Rio de Janeiro, o torcedor do Fluminense, Marcelo Terra Cunha, já havia passado pelo estado de São Paulo — onde se graduou e realizou seu mestrado em Física —  até chegar em Belo Horizonte — em que efetuou o doutorado em Física —  e reforçar a equipe.

Representando uma exceção em relação aos membros do projeto, o professor Fábio Enrique Brochero Martinez não tinha uma relação tão afetiva com o futebol. Nascido na Colômbia, Fábio realizou a graduação em Matemática no seu país natal e, posteriormente, o mestrado e doutorado em solo brasileiro. Em Minas Gerais, ele se dizia torcedor do América Mineiro e, embora não fosse um fanático por futebol, seu interesse pela parte computacional foi fundamental para o andamento do projeto.

Com a escalação definida, era hora de entrar em campo, e foi assim que, em 2005, o projeto saiu oficialmente do papel. Em seu primeiro ano reunido, o grupo calculou, rodada por rodada, as probabilidades de cada equipe no Brasileirão. De início, o modelo matemático utilizado ainda era relativamente simples, mas funcionava perfeitamente para quantificar as chances de cada equipe na competição.

 

 

“A minha inspiração era: vamos aproveitar que o futebol é um assunto popular e vamos conversar sobre matemática a partir do futebol… Era isso que mais me encantava na raiz do projeto.”, relata o professor Marcelo sobre suas motivações para a participação da criação do projeto.

Foto: Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

 

Nem toda vitória é igual

Os dados são calculados por algoritmos em computadores a partir da análise do desempenho dos times em jogos anteriores, considerando cada vitória com um peso diferente. Isso porque, vencer o líder é diferente de vencer o último colocado, bem como ganhar um jogo há seis meses é diferente de ganhar uma partida na semana anterior. Dessa maneira, embora as simulações sejam feitas de maneira automática, alguns fatores geográficos e de mando de campo, necessitam de pequenos ajustes técnicos.

“Você tem Bragantino e Mirassol, dois times do interior de São Paulo […] enquanto tem Palmeiras, São Paulo, Santos e Corinthians como equipes tradicionais do estado de São Paulo, então tem um pouquinho de viés nisso. A gente acaba falando que cada vez que o Corinthians vai jogar contra o Bragantino em Bragança Paulista – SP, o Corinthians não está fora de casa, então a gente pega, basicamente, o perfil de mandante do Corinthians e de mandante do Bragantino quando o jogo é em Bragança. […] Clássico varia de (acordo com o) estádio. (no Rio de Janeiro) Fla x Flu (Flamengo e Fluminense), a gente usa perfil de mandante para os dois”. relatou Marcelo.

Além disso, são colocados em análise o número de vitórias e derrotas em confrontos diretos dos times a serem simulados. Depois disso, 2 milhões de simulações são feitas quase que instantaneamente, levando em consideração, o saldo de gols. A seguir, o professor Gilcione explica como esses dados são utilizados e como essas simulações são realizadas, considerando uma partida fictícia entre Corinthians e Palmeiras:

 

“Assim que a gente faz uma simulação e define que o Corinthians venceu a partida, a gente simula também o resultado do jogo. Esse placar é feito pela média de gols que ele sofre e que ele marca, e também para o Palmeiras. Ele (o software) sorteia um placar de até 5 gols, então a gente simula. Em uma simulação, o Corinthians ganha de 2×0, em outras de 3×1 ou 4×0. Mas esses placares de 5×0 são mais raros de acontecer do que 1×0. E a mesma coisa vale se houver empate. Pode ser 0x0, pode ser 1×1, mais raramente 2×2, 3×3. E assim vale para o Palmeiras também.” explica Gilcione.

Foto: Ramon Lisboa/EM/DAPress

Mas nem sempre foi assim. Logo no primeiro ano de atividades, um problema que estava interferindo nas posições foi detectado: a ausência do saldo de gol nas simulações. No final do Brasileirão de 2005, três equipes disputavam a última vaga para o descenso: o São Caetano, a Ponte Preta e o Coritiba. Nessa última rodada, poderia acontecer das três equipes empatarem em pontos e, assim, a Ponte Preta se salvaria pelo número de vitórias, enquanto São Caetano e Coritiba decidiriam o rebaixamento pelo saldo de gols. No entanto, o número de tentos marcados e sofridos pelas equipes não faziam parte das simulações, que apenas contabilizavam os pontos somados a partir do resultado — derrota, empate ou vitória. Felizmente, a equipe estava atenta e o erro foi corrigido a tempo, ajustando o modelo para a última rodada.

 

Relevância e referência

Os resultados obtidos nas simulações são divulgados no próprio site (https://www.mat.ufmg.br/futebol) que, atualmente, de acordo com o professor Gilcione, é o mais acessado da página online da Universidade. Para além do meio acadêmico, o projeto se tornou referência nacional e seus dados passaram a ser divulgados pelos principais meios de comunicação do esporte, como TNT Sports, UOL e ESPN.

“De início era bastante nicho. A gente começou a aparecer em alguns lugares mas, tipicamente, a gente era a terceira (fonte), quando aparecia. Não teve nenhum motivo especial! Tanto as Organizações Globo passam a mencionar bastante a gente, quanto a UOL faz isso também e aí com esses portais grandes te dando destaque, te usando como fonte citada, como base, isso dá essa visibilidade que a gente acha que o departamento merece. […] É algo que é um serviço para a sociedade.”, destaca o professor Marcelo sobre a visibilidade nacional do projeto.

Segundo o professor Gilcione, ainda nos primeiros anos do projeto, o site já era acessado em todos os estados brasileiros e nas mais variadas partes do mundo, como França, Austrália e cerca de 15 estados americanos. Desde então, a plataforma continuou crescendo e, nos últimos anos, chegou a contabilizar 5 milhões de visitas em um mesmo dia, acarretando em instabilidades no site, que não tinha estrutura para suportar tantos acessos simultâneos.

Por sua vez, o alto número de visitas à página demonstra que a maior parte desses acessos são realizados pelos torcedores. Esse fenômeno destaca a confiabilidade do grupo e a expectativa pela busca de dados que possam ser utilizados como base para discussões futebolísticas.

 

Como isso afeta os torcedores?

Os torcedores estão sempre em busca de dados e análises que lhes digam qual o possível futuro do seu time do coração, mas será que essas estatísticas podem impactar suas opiniões pessoais? 

Em uma pesquisa realizada exclusivamente para esta reportagem, contando com mais de 60 torcedores, apenas 3,2% dos entrevistados afirmam nunca ter visto qualquer tipo de dado e estatística matemática relacionados ao futebol. Enquanto isso, 96,8% revelaram que já consumiram esse tipo de conteúdo. Dentro dessa maioria, estão aqueles que já viram, mas acreditam que esse tipo de informação não influencia o seu pensamento, aqueles que já viram e acreditam que o conteúdo é relevante e também os que gostam de acompanhar os números nas retas finais dos campeonatos.

 

Gráfico de respostas dos torcedores sobre a sua reação ao ver as probabilidades matemáticas.

Ainda na pesquisa, os torcedores foram expostos ao seguinte cenário: “Imagine que seu time está disputando o título e as probabilidades não apontam ele como o favorito. Qual seria sua reação ao ver esses números?”. Sob essa perspectiva, cerca de um terço dos entrevistados revelou que ficaria incomodado, já que acredita no potencial do seu time e discorda da probabilidade observada. Por outro lado, os dois terços restantes disseram que não se importariam com o fato de seu time ser visto, matematicamente, como o azarão.

Gráfico de respostas dos torcedores sobre a sua reação ao ver as probabilidades matemáticas.

Posteriormente, os mesmos entrevistados receberam a suposição de que, considerando ainda o cenário anterior, seu time foi o campeão. Nesse caso, para 71% dos torcedores, o fato da sua equipe não ser apontada como a favorita e mesmo assim conquistar a taça, é motivo para ainda mais comemoração, justamente por ter superado as expectativas. Em contraste, apenas 8,1% revelaram que sentiriam raiva pelos cálculos matemáticos terem subestimado o seu time. Do restante, 16,1% afirmaram que ficariam indiferentes, enquanto 4,8% afirmaram que sequer se lembrariam dos dados divulgados sobre o possível futuro da equipe.

 

Gráfico de respostas dos torcedores sobre a sua reação ao ver as probabilidades matemáticas.

Os 0,004% do Corinthians

Ainda tentando entender como toda essa matemática chega aos torcedores, conversamos com Gustavo Cavichi, torcedor do Corinthians que acompanhou de perto a superação da equipe no Brasileirão de 2024.

No campeonato em questão, o time paulista chegou na 29ª rodada na 18ª colocação, com apenas 29 pontos conquistados e somente 6 vitórias em toda a competição. Diante desse cenário, naquele momento as probabilidades apontavam que o clube tinha mais de 60% de chance de ser rebaixado e apenas 0,004% de chance de disputar a Libertadores em 2025.

 

“As estatísticas fornecidas pela UFMG, a cada atualização, davam medo, mas o medo era um complemento do que a gente via enquanto torcedor. Em campo, com o que o time apresentava, você já ficava meio “caramba, tá complicado” e aí você via os estudos da UFMG e a chance de rebaixamento só aumentando… Realmente foi bem desesperador em determinado momento. Eu não fiquei assustado por causa dos números, mas eles ajudavam a manter uma pressão.”, relatou Gustavo.

Foto: Arquivo pessoal

Porém, após algumas reviravoltas, essa pressão ficou para trás, e Gustavo viu o Corinthians contrariar todas as probabilidades. Isso porque, a equipe paulista venceu as 9 partidas restantes no Brasileirão, mais do que tinha conquistado em todo o campeonato. Diante dos novos resultados, o clube acabou a competição em sétimo lugar, passando longe da segunda divisão e conquistando a, quase impossível, vaga para a Libertadores. Após o feito, os torcedores corinthianos puderam comemorar a recuperação histórica e o próprio clube se manifestou nas redes sociais, debochando daquelas probabilidades negativas.

 

A postagem faz referência a probabilidade do time de conquistar uma vaga na Libertadores. Foto: X / Corinthians

Além disso, o cenário inesperado também rendeu o recado de um dos jogadores da equipe.

 

Embora a festa da torcida corinthiana tenha tido como um de seus pretextos a classificação para a Libertadores com 0,004% de chance, Gilcione explica que não foi bem assim. Segundo ele, este percentual considerava apenas o G6 do campeonato, ou seja, representavam as chances de chegar até, no máximo, a sexta colocação. Dessa maneira, ainda que a recuperação da equipe paulista tenha sido improvável, a possibilidade de classificação para a competição continental estava acima daquela que ganhou notoriedade.

 

Entre os números e os torcedores

A construção da narrativa de superação atrelada à classificação do Corinthians para a Libertadores, passa por três personagens: a matemática, os torcedores e a imprensa. Esta, por sua vez, costuma funcionar como a intermediadora na relação dos fãs de futebol com os números. Nesse panorama, os jornalistas desempenham um papel fundamental na maneira como uma probabilidade remota pode ser encarada.

Para a jornalista e corinthiana Heloísa Durand, apresentadora dos programas Na Rua e Voz da Torcida, do Meu Timão — o maior portal segmentado de notícias do Corinthians —, mediar essa relação não é nada fácil. Essa dificuldade se dá pela heterogeneização da torcida, que conta com os mais variados perfis de torcedores, com diferentes visões de mundo e que, geralmente, colocam a emoção à frente da razão.

 

 

“É complicado, né? Porque são muitos torcedores, então cada um tem uma opinião. A gente tem aquele torcedor que é otimista, tem aquele que já dá como “terra arrasada” [..] O problema é que os dois costumam ser muito passionais e querem empurrar a sua opinião “goela abaixo”.” explica Heloisa.

Foto: Arquivo pessoal

 

Apesar da dificuldade em lidar com o carrossel de emoções do torcedor, cabe ao jornalismo tentar entendê-lo. Sob essa perspectiva, Heloísa destaca uma particularidade da imprensa segmentada. Para ela, o fato do portal ser ocupado por corinthianos e se comunicar com torcedores do Corinthians auxilia no diálogo com os telespectadores, que passam a visualizar no profissional de comunicação o mesmo sentimento.

“A gente tem um pouquinho a liberdade de usar o sentimento, a emoção, pra falar: ‘Gente, tem essa possibilidade, mas, assim como você, eu confio’. […] Então, a gente se coloca numa posição quase que de igual para igual com o telespectador, do tipo ‘eu estou sofrendo tanto quanto você’”. finalizou a jornalista.

*Reportagem produzida na disciplina de “Laboratório de produção de reportagem” sob a supervisão de Dayane do Carmo Barretos.