O cenário imobiliário enfrentado pelos estudantes da UFMG no retorno às atividades presenciais

Por Yasmin Lombardi

No dia 15 de dezembro de 2021, em nota à comunidade, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida e o vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira informaram o avanço da UFMG para a Etapa 3 do Plano de Retorno Presencial. Resumindo a documentação, todos deveriam retornar à universidade para os semestres de 2022. Foi nesta semana, cinco dias antes do natal, que minhas buscas por residência na capital começaram.

A magia do natal provavelmente me impediu de me desesperar por um tempo. Até meados de janeiro, onde sem carnaval, não tive espaço para folia. 

 Imagem: UFMG – Bairro Ouro Preto, Belo Horizonte –

Eu buscava com total empenho uma república, ou seja, uma vaga nos apartamentos nas regiões próximas ao campus da Pampulha. Naturalmente, Liberdade e Ouro Preto eram, como de muitos estudantes, os meus bairros preferidos à moradia. Além da proximidade com a UFMG, as regiões contam com fatores essenciais na vida do universitário, principalmente aqueles que não estão familiarizados com a cidade, como os bancos, as estações de ônibus, os restaurantes, os bares, entre muitas outras localidades.  O fato de eu ser estudante do período noturno e ter um conhecimento quase nulo de BH, me impedia de buscar bairros mais afastados. Pelo menos dos momentos iniciais. 

Com a chegada de fevereiro, minha ansiedade deu um alô. Foi aumentando ao longo do mês. De uma vaga em repúblicas, passei a buscar qualquer coisa, só queria um teto na capital. Passando de imobiliária a imobiliária, desapeguei de Liberdade e Ouro Preto, logo mais de toda região Centro-Sul. Ampliei minhas buscas por toda BH. Todos os dias realizando pesquisas nos grupos das redes sociais, me reunindo com outros estudantes na mesma situação, inúmeras tentativas de achar alguma solução antes do início das aulas.  

 Imagem: Ouro Preto – BH imóveis – Visão do bairro Ouro Preto

“Não conseguia comer direito com medo de perder as aulas, estava extremamente estressado, perdi muito cabelo, emagreci. Inclusive, cogitei pagar um hotel por um mês por medo de não encontrar lugar pra ficar!”, em entrevista, o calouro de engenharia de sistemas Henry Sepini, morador do Bairro Liberdade, compartilha um sentimento mútuo entre os alunos que estavam nesse processo de mudança.

Perto da UFMG, tudo alugado

O cenário principal era calouros e veteranos de cinco períodos diferentes retornando ao mesmo tempo à UFMG. O tumulto se instaurou no mercado  imobiliário. Com um superaquecimento, os preços dos apartamentos chegaram às alturas. Uma sala, cozinha e dois quartos não eram encontrados por menos de 1.100 mil reais. Se tratando de universitários, geralmente com um salário de estagiários ou nenhum salário, desembolsar 900/1000 reais para despesas mensais é inviável, mesmo com o apoio dos pais. No meu caso, meu pai acompanhou e participou ativamente de tudo; “o processo de busca foi bastante intenso. Isto porque é por nós morarmos no interior, não conhecemos bem a capital. Nos trouxe uma certa dificuldade.  Perto da UFMG, tudo alugado. Distante tem toda a questão da segurança, mobilidade. Então, eu estava aqui apoiando, ajudando a procurar, mas até a gente, que é pai, fica angustiado, começa a ter dúvidas se deve deixar a filha ir mesmo. Sem contar, a dificuldade de ajudar a manter duas casas no meio dessa crise. É bastante intenso, preocupante, né?”.  

Segundo o Índice FipeZap, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, no mês de fevereiro Belo Horizonte alcançou um aumento de 0,46% na locação de imóveis. Em comparação aos anos anteriores, em 2022 a capital mineira  acumulou uma variação de +0,76%, atingindo o preço médio de  R$ 29,90 / m².  Dentre as demais cinquenta cidades pesquisadas, BH se manteve na 11ª posição entre os índices mais elevados no que diz respeito ao preço médio do metro quadrado (m²). 

Imagem: FipeZap – Gráfico comparativo entre vendas e locação de imóveis em Belo Horizonte entre os meses de 2015 a 2022.  

O trabalho dos corretores foi intenso durante os primeiros meses do ano.  Thiago Las Casas, responsável pelo setor financeiro da imobiliária Vitrini, confirmou minhas suspeitas, em entrevista relatou: “a demanda nos últimos meses foi muito alta, devido à volta presencial da UFMG. Muitos alunos estavam na casa dos pais, em outras cidades, e tiveram que retornar, o que tornou a procura mais alta que o normal. Com relação aos valores, os aluguéis subiram, seguindo o cenário do país (tudo subiu), mas foi também impactado pela lei da oferta e procura.” Em concordância, Daniela Marra, corretora responsável pela Global Imóveis, aponta que “resume-se a oferta e procura mesmo”. 

Daniela ainda reflete sobre o ponto chave de todos acontecimentos atuais, a pandemia. “O fator principal, que nos impactou após os 2 anos de pandemia, foi na verdade a mudança do perfil de locação. O que acontecia antes da pandemia era que muitos estudantes vinham iniciar seus cursos e outros estavam terminando, então havia uma rotatividade equilibrada. Como não houve procura nos últimos dois anos, o público mudou para famílias, casais recém casados, muitos divorciados que  permanecem nos imóveis por 5 ou 6 anos, com isso  a oferta de imóveis com a rotatividade diminui drasticamente. Sendo assim os proprietários que estavam com seus imóveis desocupados puderam pedir um valor maior para a nova locação, lei da procura e oferta mesmo.” 

Da perspectiva da aluna de fisioterapia e moradora do Ouro Preto, Lívia Lins,  “eu vim para BH durante a pandemia, em 2021, antes de qualquer decreto da UFMG, então meus problemas foram bem diferentes do pessoal de 2022. A minha dificuldade foi selecionar uma vaga que atendesse as minhas condições e expectativas. Eu pude escolher a minha vaga porque havia uma quantidade bem maior. Os meus colegas, que também são do interior de Minas, não tiveram essa oportunidade”.  Ela ainda me contou sobre quais foram seus “perrengues” nessa mudança. Na primeira vaga, na qual permaneceu durante duas semanas, a incompatibilidade com suas colegas de apartamento foi algo perceptível nos primeiros dias.  “Encontrei essa primeira vaga, em um perfil do Instagram que serve como mediador das repúblicas, ou dos apartamentos, então eu não conheci as meninas que já moravam lá pessoalmente, só depois que eu me mudei que percebi meu erro.” 

“Um tiro no escuro”

A internet é, obviamente, o meio mais viável para buscas, todos os entrevistados relataram que usufruíram dos grupos, dos sites das imobiliárias e dos aplicativos como Zap imóveis, Webquarto e QuintoAndar. O procedimento de conhecer os locais presencialmente antes de fechar um acordo, foi posto em segundo plano. “Fiz tudo de forma virtual, foi quase que um tiro no escuro, esse processo em grupos, principalmente do Facebook, e indicações, eu lembro que eu entrei também num grupo de WhatsApp,  em que as pessoas ficavam divulgando algumas vagas no próprio apartamento, na própria casa, mas por ser virtual, eu acho que fica um pouco mais complicado não teria como eu vir pra cá pra fazer uma busca presencial através de imobiliárias mesmo, foi tudo por boca a boca e isso também leva uma série de problemas porque às vezes pode dar certo e às vezes não né?”

Melissa de Souza, estudante de Jornalismo e moradora do Bairro São Sebastião, também me contou um pouco sobre sua experiência. Ao ter iniciado a sua aventura por Belo Horizonte, Melissa, se arriscou e escolheu a opção mais viável, um quarto já mobiliado, em uma casa fora dos bairros mais concorridos. “Escolhi um lugar para morar que na época foi bem ruim, porque não é um bairro muito residencial, um pouco perigoso, ainda mais pra eu ser mulher. Então foi um pouco ruim, mas naquele momento era a única opção viável, porque, justamente por eu ser outra cidade, eu teria que fazer uma viagem longa, e não teria como eu levar mobília e eu nem tinha mobília o suficiente né?”. 

A mobília é o pré-requisito, não é possível enfiar a geladeira da casa dos pais dentro do carro. Comprar uma nova? Ou uma usada? São possibilidades para poucos. Por isso, um dos filtros principais é a presença ou não de mobílias. No processo de apuração, a primeira pergunta que direcionei aos corretores, foi quais os prós e contras de alugar para estudantes. Genilson Monteiro, corretor da imobiliária Ouro Imóveis, apontou a questão da exigência das mobílias como um grande fator contra.

“Tudo bem os apartamentos não serem completamente mobiliados, às vezes só de ter armários embutidos na cozinha e nos quartos já ajuda muito. É muito complicado pra quem não dirige em BH, ou não tem quem ajude, comprar um móvel usado e ter que ir lá retirar, os carretos são caros, o serviço de montagem também. Não compensa para gente que é estudante ficar comprando muitos móveis e ter que se mudar daqui um tempo, porque ou tem que vender tudo ou ficar correndo atrás de caminhão e montador”, explica Lívia, que durante a transição de vagas, ao ter que transportar os móveis, teve que abrir mão do seu guarda roupas por não ter condições de movê-lo a outro local.

 

 Imagem: Bairro Liberdade – Quinto Andar – Condomínio Village 

Quem é seu fiador? 

Thiago Las Casas apontou como um ponto negativo da locação para estudantes as festas, “por se tratar de um público jovem, algumas vezes temos reclamações de vizinhos com relação ao barulho, festas etc., mas nada que não possa ser contornado;”. Daniela também utilizou da mesma argumentação, “a única questão que pode acontecer é quando os jovens estão no início do curso, experimentando a liberdade pela primeira vez e excederem nas festas.” Genilson se diferenciou dos demais profissionais falando um pouco sobre o processo de negociação. O corretor explorou a questão das garantias do inquilinato. 

O fiador é o terceiro elemento no contrato de locação, para estudantes, geralmente, é um de seus responsáveis. Para as imobiliárias, representam uma maior segurança de que o contrato será cumprido. Durante todo o período de busca, me deparei com as mais diversas condições de fiação. Alguns proprietários exigiam dois a três a fiadores, um deles deveria possuir um imóvel quitado na cidade de BH e redondezas ou ter uma renda equivalente a três vezes o valor do imóvel ou ser residente na capital. Em outras situações era exigido caução, um depósito bancário equivalente a três meses de aluguel realizado no início do contrato com a promessa de devolução na sua finalização. “Tem toda uma pesquisa extensa de garantia, temos que conferir com máxima atenção todos os envolvidos no contrato, geralmente é mais intenso e demorado que o de outros clientes”, Genilson explica. Para quem vem de fora, o fiador é uma leve dor de cabeça quando não atende aos requisitos, tentar negociar e ganhar a confiança de pessoas por meio virtual é um tanto quanto complicado, e, na maioria das vezes, fracassado. Soma-se a lista de problemas.

                                         

Imagem: UFMG – Área de entrada da moradia do Ouro Preto (Av. Fleming) 

O auxílio da UFMG

“A Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) é uma instituição sem fins lucrativos, controlada pela UFMG, e tem como missão prestar assistência estudantil aos alunos de baixa condição socioeconômica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).” Com a criação datada de 1973, de acordo com as informações do próprio site da fundação, a Fump é a solução financeira para muitos dos estudantes da universidade. Seu sistema é amparado por uma triagem em cinco níveis diferentes atribuídos após a análise socioeconômica dos alunos que solicitam os benefícios do programa. O Programa Permanente de Moradia Universitária é destinado aos membros dos níveis I,II e III. 

A habitação para estudantes não residentes em Belo Horizonte proporciona sua inserção na comunidade acadêmica. A aluna de Jornalismo Myriam Alice da Cruz passou por várias repúblicas antes de conquistar sua vaga na Moradia III, localizada no bairro Ouro Preto, ela conta: “Então, no fim de 2018, a moradia III, que é onde eu moro, foi inaugurada. Quando ela inaugurou foi uma felicidade, eu pensei: agora vai, né? E eu me inscrevi. E eu consegui, né? Foi muito feliz, assim, eu lembro que eu li meu nome na lista, eu estava almoçando no bandejão, e li que tinha sido contemplada com a vaga. E foi uma felicidade extrema pra mim não ter que me preocupar com aluguel. Aqui tem uma infraestrutura muito boa. O auxílio estudantil da UFMG é ótimo. Aqui na na moradia tem de tudo assim, sabe? Ela já vem equipada, tem cama, guarda-roupa, mesa. Então foi um alívio muito grande pra mim, porque o aluguel sempre tende a subir. Tem essa estabilidade de morar e ter essa segurança. Então, o auxílio estudantil é o maior diferencial, foi por isso também que eu pensei em vim pra Belo Horizonte, porque eu sabia do auxílio daqui, que ele era muito bom e além de ser uma universidade muito boa, né? Está entre as melhores do Brasil, e oferece esse suporte através da Fump.”

Até o momento, a Fump não retornou as minhas tentativas de contato. 

 Imagem: FUMP – Área comum da moradia do Ouro Preto (Av. Fleming) 

Da vaga em república, encontrei uma kitnet

Meu percurso foi bem semelhante ao de todos os estudantes entrevistados. Indo de contatos a contatos  na capital, encontrei a minha solução na última semana de férias. Da vaga em república que tanto pleiteava, encontrei uma kitnet, poucos metros quadrados, todas as contas inclusas e nenhum móvel. Em poucos dias, necessitei fazer manobras financeiras para me mudar com as mínimas condições de habitar o local. A grande vantagem foi sua localização, cerca de 5 minutos da universidade, esse fator compensou todos os outros.