Além das provas e trabalhos, a rotina de quem estuda e volta para casa à noite é muito desafiadora.

Por Arthur Rodrigues de Castro e Larissa Thamara

Voltar para casa após uma noite de aulas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é uma jornada repleta de desafios, especialmente para aqueles que residem na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Com aulas que se estendem até as 22h40 e um sistema de transporte público que reduz significativamente seu funcionamento durante a noite, muitos estudantes encontram dificuldades para garantir um retorno seguro e eficiente. Os metrôs, por exemplo, encerram suas operações às 23h, deixando uma janela de tempo estreita para que os estudantes possam utilizá-lo. Aqueles que não possuem um carro, dependem de alternativas como caronas, vans ou o transporte público restante.

Avenida principal do Campus Pampulha da UFMG à noite. (Foto: Arthur Castro)

Entrevistamos alunos residentes em Vespasiano e Ribeirão das Neves para saber mais sobre esses problemas. Dentre suas falas se destacam o alto gasto com transporte, o tempo de locomoção, o aguardo do transporte, muitas baldeações e a falta de segurança à noite.

Sobre os custos, 40% disse gastar entre 400 a 600 reais por mês com transporte, 40% gasta entre 200 a 400 reais e 20% disse gastar de 100 a 200 reais. Esses gastos estão distribuídos entre transporte público (5), aplicativo de transporte (2), van (2) e carona (1).

Gastos e tempo

Jefferson Assunção é estudante de Gestão Pública na UFMG, e reside em Ribeirão das Neves, cidade que fica a aproximadamente 1h30min da capital. O estudante utiliza os ônibus públicos para se locomover entre a faculdade e a sua casa e conta que já chegou em sua residência quase 1h da manhã, pois o primeiro ônibus atrasou o que fez com que ele perdesse o segundo, que passava às 23h. “Esse atraso fez com que a alternativa fosse pedir um Uber, porém nesse horário é muito difícil de aceitarem. Quando consegui, já era muito tarde”. 

 O valor das passagens do transporte metropolitano recebe reajuste tarifário de acordo com o SEINFRA  (Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade). Em janeiro deste ano, os ônibus metropolitanos passaram de R$ 7,20 para R$ 7,70, um aumento de 7,15%. No último dia 1º de julho, quem utiliza o metrô de BH também precisou readequar o bolso para um novo reajuste, a tarifa passou de 5,30 para 5,50.  

         Segundo informações apuradas pelo jornal O TEMPO, o governo informou que as empresas responsáveis pelo transporte da capital e RMBH exigiram um aumento de 29,13%, ou seja, R$ 9,30. O pedido foi negado pela secretaria de Estado.

É importante ressaltar que hoje não existe uma linha que conecte Ribeirão das Neves e Belo Horizonte diretamente. Assim, Jefferson precisa pegar ao menos dois ônibus para voltar para casa. Por mês, ele gasta em média R$ 400 com transporte público apenas para estudar. 

Além do estudo, o estágio é uma etapa importante na graduação e que acaba sendo responsável por mais um capítulo dessa jornada. Alguns cursos incluem o estágio obrigatório na sua grade de formação. Porém, alguns estudantes questionam que o tempo de deslocamento não é incluso na grade de horas, assim, além das horas de trabalho, os alunos enfrentam jornadas exaustivas nos transportes em horário de pico. “Passei a maior parte da graduação trabalhando presencialmente e indo à faculdade todos os dias, pagando a passagem de BH e do metropolitano com um deslocamento diário de cerca de 2:30h”, diz Jefferson.

Yasmin Camile, aluna da universidade e moradora de Vespasiano, também sofre com o tempo gasto com transporte. “Quando eu precisava estar na empresa em que trabalhava às 8 horas, tinha que acordar às 5 da manhã para chegar no trabalho a tempo. Pegava ônibus lotado para ir à faculdade e só chegava em casa por volta de meia noite. Eu tinha basicamente 4-5 horas de sono de segunda à sexta.” e acrescenta: “Os meus finais de semana eram sobrecarregados, pois durante a semana eu não tinha tempo para adiantar as demandas do curso”.

Conciliar trabalho e faculdade é uma tarefa muito difícil e que impacta diretamente a qualidade de aprendizado e a trajetória durante a graduação. As horas de locomoção ou o aguardo dos transportes são horas a menos de estudo para uma prova ou atividade. “Os impactos dessa rotina fazem com que eu me sinta exausta o tempo todo.” disse Yasmin.

SEGURANÇA

A segurança é uma preocupação constante para todos, mas especialmente para o público feminino. A sensação de vulnerabilidade aumenta consideravelmente durante a noite, e o trajeto até a residência pode ser longo e deserto. 

O Instituto Patrícia Galvão, atua nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação, e é apoiado pela ONU Mulheres e pelo Senado Federal a partir do Observatório da Mulher contra a Violência. O instituto possui uma plataforma digital “Violência contra as Mulheres em Dados”, que reúne pesquisas e dados relacionados as violências contra as mulheres no Brasil.

Em 2021, o instituto realizou um estudo com 2.017 pessoas (1.194 mulheres e 823 homens) maiores de idade. Das 1.194 mulheres, 68% disseram ter muito medo de sair sozinhas à noite no bairro onde moram. Dentre os problemas, os mais destacados foram: 

Em novo estudo realizado pelo instituto com 1.618 mulheres, 9 em cada 10 mulheres apontam a segurança como principal preocupação quando se deslocam pelas cidades. Segundo as participantes da pesquisa, 7 em cada 10 informaram que o horário é determinante na segurança. 

Esses dados refletem na vida dos estudantes. Larissa Thamara, também de Vespasiano, reafirma sobre a insegurança da noite. “A UFMG de noite é assustadora e ficar esperando a van, mesmo dentro da faculdade, me dava muito medo. Em alguns pontos não há iluminação suficiente e como mulher me causa insegurança”. 

A van, que poderia ser uma alternativa mais cômoda e segura, se mostra o contrário na percepção dos estudantes. Yasmin, que também já utilizou o método de transporte diz: “Em Vespasiano, a oferta de vans é baixa e isso faz com que as vagas sejam muito concorridas, a qualidade do transporte seja precária e o valor alto. Já tive que pagar o valor cheio em um mês que não tive aulas. Já enfrentei superlotação nas vans com pessoas em pé, então o que era para ser seguro, se torna perigoso”.

A falta de segurança também se faz presente na vida Jefferson: “Já fui perseguido por um carro voltando pra casa por volta das onze da noite, o que motivou a minha família a me buscar de carro todos os dias”. Esse trauma fez com que o aluno adaptasse sua rotina para se blindar de possíveis situações de risco. “Optei por alongar minha graduação me matriculando em menos matérias e indo menos à UFMG. Entretanto, não foi uma escolha baseada no que eu gostaria, mas no que era preciso”. Ele afirma que a escolha apesar de necessária para que passasse mais tempo seguro em casa, gastando menos e com um descanso maior, trouxe como consequência um período de graduação adicional. 

BALDEAÇÃO

Outra reclamação comum entre os estudantes é a necessidade de pegar múltiplos ônibus para chegar em casa. Muitas vezes, são necessários dois ou três ônibus, resultando em longos períodos de espera e um trajeto prolongado. Dentre os entrevistados, a maioria gasta de 2 à 3 horas dentro de um transporte e, para os que utilizam ônibus, 80% fazem 2 ou mais baldeações.

A baldeação, por sua vez, está sujeita ao terminal em que o passageiro está. Para pagar uma passagem no MOVE metropolitano, se usa o cartão Ótimo, enquanto para os ônibus da capital se usa o BHBus. Assim, dependendo da região de BH aonde se pretende ir, é necessário o pagamento cheio da passagem.

“Para sair de Vespasiano eu preciso pegar um ônibus até a estação do MOVE, onde pego outro até o centro. Ao sair do serviço, pego mais um até a faculdade e, ao fim das aulas, pego outro para voltar para casa”. Esse é o trajeto que Yasmin faz, estagiando no Bairro Savassi. Mas essa realidade ecoa no cotidiano de muitos outros alunos. 

Os entrevistados, ao serem perguntados sobre o que poderia ser feito para diminuir os problemas enfrentados na volta para casa, a resposta é unânime: mais linhas. Jefferson diz: “Seria ótimo a oferta de uma linha direta, sem necessidade de baldeação”. Ter mais ônibus rodando no período da noite ou nos horários de picos e linhas diretas que conectem as cidades metropolitanas à universidade pública são alternativas para melhorar a qualidade de vida dos estudantes.

Grande BH na Universidade

Segundo o relatório socioeconômico dos alunos ingressantes na UFMG, no período de 2002 a 2021, aproximadamente 18% dos estudantes matriculados eram da Grande BH.

Além das dificuldades de conseguir uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e dentre as diversas adaptações que calouros enfrentam nos primeiros semestres do curso, a pergunta “como eu volto para casa hoje?” ecoa diariamente. Jefferson nos contou como foi essa dinâmica quando calouro: “Difícil adaptação. Passei inicialmente procurando por caronas, até que não tinha mais opções para ‘Neves’ e tive que depender do transporte público”.

O relatório socioeconômico da universidade mostra como estudantes do interior de Minas Gerais e da Grande BH (região metropolitana) estão tendo mais acesso à UFMG, a passo que os residentes da capital estão cada vez mais perdendo espaço para novos perfis estudantis.

Somente em 2021, a faculdade recebeu 1343 novos alunos no período noturno, o que corresponde a 20% do total de alunos ingressantes no ano de 2021. Ou seja, 1 a cada 5 alunos da UFMG estão sujeitos a dificuldades relacionadas a transporte ao retornar para suas casas.

A realidade dos estudantes noturnos da UFMG que residem na região metropolitana de BH é um reflexo das lacunas no sistema de transporte público noturno. É necessário medidas para dar suporte a esse grupo, de modo a garantir um retorno seguro e eficiente para esses alunos, desde a ampliação dos horários dos metrôs e ônibus até a implementação de políticas de segurança mais eficazes.

Revisão: Sara Franco – Edição: Turma Laboratório Reportagem