Solução de problemas enfrentados no Breve Festival pelo público e pela organização pode passar pelo trabalho em conjunto com as autoridades
Por Matheus Hermógenes, frequentador assíduo de festivais
O retorno dos festivais de música ao calendário de eventos em Belo Horizonte implica também o retorno das reclamações quanto à organização dos festivais de música em Belo Horizonte. O último e mais bem acabado exemplo disso foi o tão aguardado Breve Festival, ocorrido na esplanada do Mineirão, dia 09 de abril.
Tão logo o evento acabou, uma chuva de reclamações inundou a timeline das redes sociais, sobretudo Twitter e Instagram. Os principais lamentos diziam respeito às infindáveis filas para entrar, comprar e pegar bebida, e utilizar os banheiros químicos, mas também foram registradas reclamações pelo preço das bebidas, falta de informações e despreparo da organização.
Houve registro também de violência por parte da equipe de segurança, problemas de acessibilidade para pessoas com deficiência, mobilidade reduzida ou necessidades especiais e reclamações quanto à imposição do uso de cartões cashless para consumo com acesso a dados sensíveis, segundo a LGPD – Lei Geral de proteção de dados -, e desencontro de informações quanto à sua devolução e estorno.
A publicitária Júlia Clozato foi retirada à força pela equipe de segurança feminina ao tentar passar da área open bar para a pista comum com um copo de bebida e outro de água. Ela conta que, além dos problemas enfrentados por outras pessoas, ainda teve de registrar boletim de ocorrência contra o festival. As marcas roxas no braço saíram antes de ela decidir se moveria um processo contra a organização, o que ainda não foi feito.
Todos esses problemas relatados, entretanto, não são exclusividade do Breve e, muito menos, fenômenos recentes causados pela pandemia. A analista de marketing Bruna Batista, esteve presente no Breve Festival e, anteriormente, também em outros festivais do tipo. Ela acredita que boa parte da repercussão negativa pode ter acontecido em função da expectativa das pessoas em relação ao retorno da experiência de estar presente em eventos dessa magnitude.
Bruna conta que estava animada, mas já previra que a experiência seria caótica, então se precaveu quanto a isso. Chegou mais cedo para evitar fila e contratou um serviço de transporte para retorno após o show já antes do evento. Ela entende as reclamações das pessoas e respalda as demandas quanto a problemas na disponibilidade de transporte para a saída do show, a questão do cartão cashless e a ausência de quaisquer vistorias aos cartões de vacinação e outras medidas de prevenção de transmissão do coronavírus.
Bruna acredita que as soluções para esses problemas passariam por expedientes simples como consulta à situação vacinal das pessoas no próprio sistema do SUS antes da compra do ingresso. Uma vez que a organização já tem acesso a dados sensíveis do público para cadastro dos ingressos e do cartão cashless, não custaria nada fazer isso também com os cartões vacinais.
A universitária e estagiária de reportagem do portal BHAZ, Nicole Vasques, tem opinião semelhante à da colega. Ela, porém, também esteve presente nas festas realizadas no entorno e no Campus Pampulha da UFMG e relata ter presenciado aglomerações em ambos os eventos.
O primeiro episódio diz respeito ao famigerado Bar do Cabral, em frente à entrada do Campus na Avenida Antônio Carlos. O segundo, ao “Na Tora”, tradicional festa organizada por estudantes de engenharia, que reuniu cerca de oito mil pessoas dentro do campus sem comunicação às autoridades universitárias.
Famoso desde antes da pandemia por reunir grande quantidade de alunos, o Bar do Cabral chegou a virar meme nas redes sociais devido às constantes invasões de pista causadas pela aglomeração que se espalha pela avenida que o separa da Universidade. Incontáveis foram as intervenções policiais para amenizar o caos gerado. Silvania Ferreira, proprietária do Bar, inclusive, fez um apelo ao público para evitar fazer calouradas no local, pois, segundo a Rádio Itatiaia, corre o risco de ter o estabelecimento interditado pela prefeitura.
Se no caso do Bar do Cabral só restou à dona do estabelecimento baixar as portas às 19h, o “Na Tora” rendeu abertura de sindicância por parte da Reitoria da Universidade para investigar a responsabilidade quanto à organização do evento e sua falta de planejamento, infraestrutura sanitária e segurança necessária.
Ambos os casos escancaram, portanto, uma despreocupação por parte da comunidade quanto às medidas de prevenção à COVID que, mesmo controlada, ameaça ligeiro crescimento neste mês de maio. Tanto eventos de grande, quanto os de menor porte, demonstram que uma parcela da população supostamente engajada e informada, também ignora protocolos sanitários quando convém.
Andreza Miranda, também repórter do portal BHAZ, relata a dificuldade que teve com a assessoria do Breve na cobertura in loco do evento. Tanto a burocracia para cadastro de imprensa, quanto o desencontro com a organização no dia do festival, dificultaram imensamente o trabalho de veículos de imprensa, enquanto digitais influencers tiveram circulação liberada para divulgação em redes sociais, segundo a jornalista.
Até mesmo quem sofreu menos com a organização, ainda teve problemas. Vinícius Micheletto, estagiário do programa Agenda, da Rede Minas, por sua vez, não tem reclamações a serem feitas quanto ao cadastramento e acesso ao front e back stage para cobertura do evento. O único perrengue enfrentado por ele foi no momento da troca de equipes de segurança em que informações se desencontraram e o acesso foi barrado em certo momento, mas rapidamente resolvido.
Quanto a essa oposição de relatos entre Andreza e Vinícius, é preciso ponderar que o acesso aos camarins e entrevistas com os artistas dependem também de suas próprias assessorias, criando-se assim uma espécie de dupla camada e a chance de desinformação entre a assessoria do evento, as assessorias dos artistas e a imprensa.
Daqui pro futuro
Tanto Andreza, quanto Bruna e Nicole, porém, não descartam comparecer em eventos futuros, mas esperam haver melhorias em relação aos problemas relatados. Júlia, por sua vez, ainda não sabe se irá a outros festivais. Certo é que não mais os da produtora que organizou o Breve.
A dificuldade de comunicação, entretanto, parece ser generalizada. Procurada, a organização do Breve Festival se recusou a comentar o assunto, alegando serem questões internas e de estratégia.
A organização do Sarará também não havia se manifestado até o fechamento da matéria, sendo o Sensacional o único dos festivais a se posicionar sobre como tem se preparado para evitar que as mesmas reclamações quanto ao Breve recaiam sobre si.
Isabela Rosa, assistente de comunicação do Sensacional, afirma não haver um fórum para troca de experiência entre as organizações de eventos do mesmo porte. A edição deste ano do Sensacional, marcada para 02 de julho, sai da esplanada do Mineirão, mas continua no circuito da Lagoa da Pampulha, no Parque Ecológico.
A preocupação com a questão ambiental, portanto, é central para a organização. Isabela cita medidas para evitar o acúmulo de lixo, como a permissão para entrada com garrafinhas d’água para reabastecimento nos bebedouros do parque. Algo que não era permitido no Breve.
Ela conta estar antenada também quanto aos preços e formas de pagamento, para evitar preços abusivos, e a tratativa da organização com o poder público para viabilizar linhas de ônibus para a saída do evento. Caso contrário, transfers e parcerias com aplicativos de transporte, estão no radar do Sensacional.
Por fim, ela revela estar na reta final da organização, portanto muitas informações ainda estavam se confirmando ou a se confirmar, como a necessidade de apresentação do certificado de vacinação e as estratégias para se evitar filas na entrada do Parque. Apesar de não haver intercâmbio de informações entre as organizações, Isabela confessa frequentar festivais tanto em Minas, quanto fora, para absorver o máximo de ideias e soluções interessantes para melhorar a experiência do público.
Também foi tentado contato com os perfis no Instagram e Twitter que compilaram as reclamações sobre o festival de abril. A última postagem do @furada_breve, no Instagram, é do dia 10 de abril, no domingo seguinte ao evento. Rodrigo Ladeira, autor da thread no twitter, reforça as reclamações constatadas lá. Ele, que é de São Paulo e trabalha com organização de eventos, diagnosticou como falhas da produção passíveis de serem evitados, os problemas enfrentados pelo público.
Se por um lado, ambas as iniciativas foram feitas para dar vazão a um sentimento de revolta, por outro, não é possível saber se essas reclamações foram além das instâncias online.
É possível, porém assumirmos também, como público, parte da responsabilidade e pressionar as organizações por mudanças nas dinâmicas dos festivais. É essencial que organizações, audiência e poder público trabalhem em conjunto para isso e não apenas apontem os dedos para outros eventos como bodes expiatórios, como muito foi feito com shows de sertanejo e outros gêneros que não sejam tão engajados politicamente quanto a chamada Nova MPB.