Dossiê: Outro Olhar

Uma crônica sobre os cemitérios grandiosos e os cemitérios pequeninos de Minas Gerais.

Por Ana Luiza Pio

 

Lágrimas no Cemitério do Bonfim. Fonte: SouBH

Lágrimas no Cemitério do Bonfim. Fonte: SouBH

 

A visita foi deixada para a última hora. Também, não estava indo ver entes queridos. Nem um lugar que sempre quis conhecer. A visita era a um jardim de flores de plástico e mármore escuro, de “Jesuses” e “Marias” que choram uma proteção eterna. Sim, estava indo ao cemitério, e não a qualquer cemitério. Estava indo ao Bonfim.

A chuva contribuiu para consolidar o clima sombrio. Subi o morro íngreme suando minha condição física sedentária e enchendo os pulmões daquele ar frio e úmido. Claro, não fui sozinha. Até que não tenho muita frescura, mas a minha coragem não era assim tanta, né? Fomos em duas: eu e uma amiga que também iria conhecer o cemitério, pensar sobre ele e redigir um texto, assim como eu. Entramos e que fosse o que Deus quisesse.

Dentro do portão, um mar de cruzes. O lugar é grande, mas bem grande mesmo, de acordo com os meus padrões interioranos. O cemiteriozinho de Governador Valadares nem se compara, quanto mais o de Engenheiro Caldas. Perdi-me por um breve instante nessas comparações inúteis, trazendo à lembrança algumas memórias tão bem escondidas lá no fundo da mente.

Uns cravos, uns caixões, uma rosa. Mares de gente e lágrimas numa capela pequena. Tanta gente que não conhecia para me dizer o quanto tinham sido boas pessoas os meus parentes. Tanta gente que minha família não via há anos e meus pais me perguntavam: “Lembra de fulano?” O engraçado é que eles sabem que não. A gente nunca lembra. Eu não lembrava.

Subimos as ruas. Passamos por entre as lápides e vimos jazigos dos modelos mais simples aos mais “ostentação”. Discutimos a necessidade do luxo na vida após a morte, a crença de que dessa vida não se leva nada e a contraposição dela com a cultura egípcia. Refletimos sobre o porquê de se pensar a morte com tanta tristeza, sendo ela parte do ciclo da vida e um fim inevitável para todos nós.

Percebi que estava sendo insensível e me repreendi por dentro. Recebemos olhares feios do guarda que passava de motocicleta. Acho que eu não gostei de estar tão perto de tantos queridos mortos. Um dia, foram queridos vivos. Foram vidas queridas tidas e apreciadas por tantos, e choradas ali mesmo onde agora eu pisava com tanto descaso e ironia. E o céu chorava em concordância. Eu não verti uma lágrima.