Com um olho nas mudanças provocadas pela construção da Cidade Administrativa, entrevistamos belo-horizontinos para saber o que eles esperam do projeto Nova BH.
Por Amanda Almeida, Ana Carolina Fontana e Marlon Henrique

Cidade Administrativa de Minas Gerais: construção que levanta críticas e elogios. Como será com a da Nova BH?
O ordenamento urbano está enraizado em Belo Horizonte desde seu nascimento: projetada pelo engenheiro Aarão Reis entre 1894 e 1897, BH foi a primeira cidade brasileira moderna planejada. Elementos chave do seu traçado incluem um mapa perpendicular de ruas, cortadas por avenidas em diagonal, quarteirões de dimensões regulares, vistas privilegiadas e uma avenida em torno de seu perímetro, a Avenida do Contorno.
O projeto Nova BH foi lançado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) no último trimestre de 2013. Segundo sua cartilha, o objetivo é “cuidar para que a cidade cresça de maneira sustentável e humana, organizando os espaços de forma que o desenvolvimento econômico caminhe junto com a melhoria da qualidade de vida”.
Já aprovados pelo Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), mas ainda em estágios bastante iniciais, os objetivos estruturais da proposta consistem em permitir que a Prefeitura ordene e direcione o crescimento da cidade para regiões próximas aos principais corredores de transporte público coletivo (metrô e BRT). Além disso, a intenção é criar novos centros de serviços e comércio na cidade, reduzindo os deslocamentos e garantindo a geração de mais espaços livres de uso público e de mais qualidade de vida para a população.
Tais metas apresentam semelhanças com a construção da Cidade Administrativa de Minas Gerais (CAMG) em nível estatal. Nesse caso, a obra buscava aumentar a eficiência dos serviços prestados pelo Estado, melhorar as condições de trabalho dos servidores públicos da capital, gerar economia para os cofres estaduais e servir como um indutor para o desenvolvimento do chamado Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Propostas como essas, quando saem do papel, trazem mudanças no dia a dia da população. A vida dos habitantes sofrem alterações durante as obras e após sua execução. Pensar em como planos passados foram colocados em prática e em seus desdobramentos ajuda a colocar futuros projetos em perspectiva. E não só nos níveis econômico e político, mas – talvez mais importante ainda -, também, nos culturais e sociais.
Relatos de quem transita
Cidade Administrativa: “Demoro muito para chegar em casa, ontem demorei uma hora. Algumas vias são intransitáveis e o trânsito é caótico. De qualquer forma, a obra expandiu o Vetor Norte, Santa Luzia e este lado da cidade tiveram melhorias, inclusive econômicas. Quem mora nessa região já sentiu diferenças. Já o deslocamento é horrível. Eu gosto da Cidade Administrativa, mas o problema é o deslocamento. Algumas pessoas estão tentando se aposentar antes do momento, pois não dão conta de trabalhar aqui. O deslocamento é muito grande e as pessoas estão cansadas. Mas a infra-estrutura é boa”.
Nova BH: “Não tenho nenhuma opinião formada sobre o assunto. Não conhecia o projeto, mas acho que não vai ser bom”.
Carolina Paiva, 25 anos, servidora pública. Mora no bairro Padre Eustáquio e leva uma hora no deslocamento até a Cidade Administrativa.
Cidade Administrativa: “Em alguns dias tenho que cruzar a cidade, pois trabalho também em Nova Lima. O deslocamento é muito grande. Já de casa para a Cidade Administrativa é tranquilo, pego somente um ônibus e venho direto pra cá. O que prejudica é o trânsito. Todos reclamam que o local é longe e isolado. Se precisamos ir ao médico, perdemos um período de trabalho, o que dificulta muito para todos os funcionários. Em compensação, temos lojas, farmácias, temos tudo. Se por um lado é ruim, por outro atende bem as demandas dos funcionários”.
Nova BH: “O problema é o durante. Pode ser que no fim fique até bom, mas prejudica demais a vida da população. É impossível transitar pela cidade, como nas obras do BRT, que complicam demais para se deslocar”.
Camila de Ávila, 32 anos, prestadora de serviços. Mora no bairro Sagrada Família e leva 50 minutos no deslocamento até a Cidade Administrativa.
Cidade Administrativa: “Se venho de carro, gasto em torno de 20 minutos. Se venho de ônibus, tenho que pegar duas linhas, gastando em torno de uma hora para chegar. Mesmo morando perto, a Cidade Administrativa é totalmente fora de mão e o trânsito é muito ruim para quem não vem de carro”.
Nova BH: “Acho o tempo de execução muito grande e vai prejudicar bastante o trânsito. Quem sabe meus netos usufruam dessa obra, porque para nós vai ficar o transtorno”.
Juliani Cardoso, 34 anos, servidora pública. Mora na cidade de Santa Luzia
e leva uma hora no deslocamento até a Cidade Administrativa.
Cidade Administrativa: “Moro aqui há mais de oito anos e normalmente faço caminhadas no local. Já morava antes da obra e a Cidade Administrativa trouxe melhorias, como o aumento de linhas de ônibus. Antes era tudo muito parado”.
Ricardo Oliveira, 50 anos, administrador. Visitante, faz uso do local para caminhada. Mora no bairro Serra Verde e leva 10 minutos no deslocamento até a Cidade Administrativa.
Cidade Administrativa: “Para mim, a Cidade Administrativa é muito melhor, pois fica bem perto da minha casa. Cheguei a trabalhar em outro prédio, antes da CAMG, e demorava muito para chegar ao trabalho, em torno de uma hora e meia. A Cidade Administrativa fica muito perto, porém o local é muito grande, então o deslocamento interno é maior. Demoro 30 minutos do estacionamento até o prédio, e aqui é tudo muito longe. Para resolver qualquer outro assunto, ficamos isolados. Para ir ao médico, por exemplo, gasto meio dia ou um dia inteiro de trabalho.
Casei há três anos, e na mesma época vim para a CAMG. Para mim foi muito bom. As pessoas da região foram beneficiadas pelo crescimento imobiliário. Apartamentos que antes valiam 25 mil, hoje custam 140 mil. Comprei minha casa há 8 anos e não teria mais condições disso depois da construção da Cidade Administrativa, o valor seria bem maior. Ela valorizou a região.
Os olhares para o Vetor Norte aumentaram. Até mesmo as regiões mais pobres do entorno se sentem bem com a obra e tem orgulho de falar que moram perto da Cidade Administrativa e que tem vista para ela. Mas mesmo com os benefícios, o meu bairro tem alguns problemas, como o abastecimento de água.”
Aline Pereira, 34 anos, servidora pública. Mora no bairro Serra Verde e leva 35 minutos no deslocamento até a Cidade Administrativa.
E daqui para frente, como será?
Inaugurada no dia 4 de março de 2010, a Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, e apresenta o mérito de ter retomado o projeto urbanístico traçado para Belo Horizonte na década de 1940 pelo então prefeito Juscelino Kubitschek.
Do ponto de vista governamental, a integração das Secretarias de Estado e órgãos públicos que antes se espalhavam de forma improvisada em 52 diferentes pontos da cidade traz benefícios importantes para o Estado. Nesse aspecto, segundo os registros da obra finalizada, a construção da Cidade Administrativa significa uma economia de cerca de 90 milhões anuais aos cofres estaduais.
Somada à Linha Verde e a propostas como a construção do Rodoanel Norte, a Cidade Administrativa funciona como o objeto principal de um amplo projeto de revitalização do Vetor Norte. A região era caracterizada por elevado crescimento demográfico, alto índice de criminalidade e baixos indicadores de desenvolvimento humano, com ocupação imobiliária desordenada.
É impossível desconsiderar que aspectos arquitetônicos, econômicos e políticos, entre outros, afetam a vida da população envolvida. Mas a qualidade de vida experimentada de maneira imediata no dia a dia – e observada nos relatos apresentados – tange a questões como trânsito, valorização de imóveis e o transtorno causado pelo período das obras.
Ainda de acordo com o governo estadual, medidas relacionadas com a implantação da Cidade Administrativa têm impactado favoravelmente a qualidade de vida e a perspectiva de futuro. Isso envolveria a regularização fundiária de vilas e favelas ocupadas por famílias de baixa renda, fomento à economia local, capacitação e qualificação profissional dos moradores da região para a formação de mão de obra, reforma de escolas públicas e melhorias na infraestrutura da região.
É de praxe olhar com desconfiança para as afirmações divulgadas por órgãos de ordem política, mas algumas dessas informações vão de acordo com o que é de fato experimentado pelos moradores do entorno da construção. Afinal, ter orgulho de dizer que se reside próximo à Cidade Administrativa significa o quê, se não uma satisfação quanto ao resultado do projeto e do que ele agregou à região?
A economia de recursos públicos serve a um bem comum. No entanto, os servidores e demais trabalhadores que moram em locais afastados do Vetor Norte, e que precisam realizar longos deslocamentos até a Cidade Administrativa, saem prejudicados. Não à toa, relatam estar insatisfeitos com essa situação, apontando para uma das desvantagens do projeto.
O período de obras, outro ponto crítico, traz uma série de constrangimentos, seja quanto às desapropriações ou às mudanças e retenções no tráfego. No primeiro caso, o lar de diversas famílias e de certa forma uma parte da história da cidade são destruídos em nome do desenvolvimento, do progresso. No segundo, os constrangimentos temporários prometem avanços permanentes quando a construção for concluída.
Trazendo tais reflexões para o projeto da Nova BH, uma proposta municipal que pretende abranger diversas regiões da cidade, é preciso pensar não só em objetivos estruturais e econômicos, mas também em como a vida dos habitantes irá mudar. É importante que os órgãos públicos não façam planejamentos baseados unicamente em números e metas, que por mais fundamentais que sejam, podem estar distantes da realidade e da vida diária da população.
O Nova BH ainda está em fase inicial, e foi aprovado quase sem divulgação. As pessoas que tiveram suas vidas alteradas com a construção da Cidade Administrativa se mostram pessimistas em relação aos impactos desse novo grande projeto. A Prefeitura de Belo Horizonte o apresenta como um plano que trará melhorias para quem mora na cidade, mas até o momento há mais dúvidas do que certezas em relação a ele. Resta saber se as transformações no espaço urbano atenderão mesmo às necessidades da população, que a PBH não fez questão de consultar.