O vai-e-vem de gente nas ruas do centro de Belo Horizonte nem sempre é um tema gozado. Gente de todo tipo se esbarra nas avenidas, quarteirões fechados e esquinas. Porém, outro vai-e-vem acontece por ali, só que fora das ruas. Discretamente inseridos na arquitetura da região, os motéis do centro são um alívio para quem trabalha firme e precisa de um cantinho para relaxar no meio da labuta. Na capital, dos 179 estabelecimentos registrados no site especializado Guia de Móteis, 18 são nessa região.

Na rapidinha que a Transite fez por cinco desses, todos confirmaram que o pico é por volta de 12h30 e após o expediente, por volta das 18h. Os casais que dão uma escapada do cotidiano de trabalho encontram uma certa variedade na oferta de quartos. Alguns têm um perfil mais econômico, enquanto outros oferecem suítes mais caras, podendo a primeira hora variar de R$25 até R$89.

Do outro lado do vidro (nem sempre) fumê, os motéis do centro são o próprio cotidiano de trabalho de faxineiras, recepcionistas, gerentes, cozinheiras e administradoras. São os trabalhadores do setor moteleiro. Abaixo vocês conferem como funcionam esses motéis e como é o serviço neles, visto pelos olhos de alguns desses trabalhadores. Além disso, uma seleção de comentários e recomendações dos usuários.

 

Trabalho duro

 

Entre uma farmácia e uma loja de biscoito, o Motel Classic se apresenta em tom de amarelo pálido e discreto que remete a um ambiente comercial qualquer. A fachada não apela a cores e símbolos para identificar o ambiente, que só não passa despercebido pelo nome estampado no letreiro e pelo cartaz colado à porta, informando preços.

Para entrar, basta empurrar a porta escura e atravessar mais uma grade que permanece fechada, aberta somente na presença de clientes e com o aval da recepcionista. Lá dentro, a penumbra e alguns cartazes com dizeres que proíbem a presença de homens sozinhos nas dependências e que anunciam “preservativo grátis” começam a revelar de que se trata o estabelecimento.

 

 

Na recepção, não há mistério em relação à pessoa a quem se dirige. O vidro que separa os clientes da recepcionista deixa a ver cada detalhe dos rostos que se encontram. “Eu olho na cara do cliente e ele olha na minha”, conta Raíssa Duarte (nome fictício), que trabalha lá há dois anos. Ela prefere assim. Transparente, “porque aí eu sei com quem eu lidando”, conta.  Se já se deparou com gente conhecida? “Várias vezes”, é a resposta que dá, curta, seca e direta, como a maioria. E dá mesma forma, reage a mais um questionamento:

– Como é essa situação?

– Normal. Eu sou uma profissional.

E assim Raíssa lida com a profissão: encarando tudo com naturalidade e estranhando as perguntas dirigidas a ela. “Isso aqui é um serviço normal. Mesma coisa que trabalhar atrás de um balcão na padaria, como se eu tivesse vendendo roupa”, ela comenta e completa dizendo que sua mãe é “moteleira” há 20 anos. Apesar de ponderar que o emprego é alvo de discriminação, diz que nunca sofreu nenhuma. Mesmo assim, admite que “o ser humano é sujo” e não dá trégua. “Eles olham! Um horário desse mesmo, 3h da tarde, vão sair vocês dois daqui, aí as pessoas pensam ‘podia trabalhando e num motel!’”.

Apesar de não dar muitas informações sobre o perfil dos clientes frequentes, afirma que “tem de tudo” e que nem todos vão acompanhados, já que muita gente usa o motel para descansar por algumas horas ou dormir de um dia para o outro sozinho.

– E como são os quartos? Tem algum objeto erótico?

–  Não, aqui é familiar, aqui é um dos melhores motéis que existe nessa área aqui, ó! É mais arrumado, é tudo mais organizado.

– E tem alguma regra?

– Não. Desde que não me dê trabalho nenhum, pode entrar quantos quiser pro mesmo quarto.

– E você escuta muito barulho?

– Claro! Gritaria o dia todo! num motel, meu anjo, num motel! Aqui, as pessoas vêm pra relaxar, no ambiente. O vizinho do lado não pode reclamar. num motel! Aqui faz o que quiser! Tem cliente que vem pra dormir que reclama, mas esquece que num motel. Não na casa dela. num motel!

– E como você lida com isso?

– Falo: cê tá num motel, meu bem! A pessoa é livre! Grita, faz o que quiser dentro do quarto!

 

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Silene Ferreira também nunca teve vergonha de trabalhar em um motel. Ela é gerente do Motel Signu’s, localizado numa movimentada rua São Paulo, entre a Carijós e a Afonso Pena, quase vizinho da já característica Lojas Americanas do centro de BH. Contudo, ela ressalta uma importante diferenciação por já conhecer alguns preconceitos que clientes e pessoas de fora têm. “Eles não pensam que eu trabalhando fazendo a minha função. Eles acham que eu trabalhando fazendo programa. Porque, como eu sou mulher né, eles falam: ó, ela trabalha fazendo programa”.

Ela já escutou muitas coisas nos mais de dez anos que trabalha nessa rede de moteis, composta ainda pelo Signu’s II, na rua Carijós,  e o Styllu’s, na Tupinambás. Algumas vezes inclusive já perguntaram para Silene se era necessário levar acompanhante para o motel.

– Eu disse: com certeza! Você que pega e traz aí!

 

 

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“Os turnos aqui são de 12h por 36h”, explica Hugo Alvarenga, gerente do Motel Marx. A particularidade do empreendimento é a diversificação de serviços. No mesmo endereço do motel funciona também o estacionamento Marx e o hotel Boa Viagem. São sete funcionários trabalhando duro em turnos alternados, sendo quatro faxineiras, um recepcionista que fica no estacionamento (que atende a todos os que chegam pelos fundos), outro recepcionista que fica na entrada do hotel pela frente, além do gerente.

 

Discreta fachada do motel Marx, onde se entra pelos fundos

 

Ele nos apresenta Stefane, a única faxineira que trabalhava naquela terça-feira ensolarada. “No início era pesado, me assustava com o que encontrava nos quartos, mas agora já me acostumei e é tranquilo”, conta. O emprego nunca lhe causou problemas na família, que é toda evangélica. “Lá em casa todo mundo acha normal. Minhas amigas também, tem até umas que trabalham aqui”, ri.

 

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Em meio a tantas pessoas, prédios, cheiros e letreiros, fica até difícil ver que uma porta transparente esverdeada com indicativos de preços no meio do quarteirão fechado da Praça Sete não é um consultório odontológico. Olhando de fora, o prédio verde com pintura desgastada e janelas abertas parece bem pequeno. Adentrando a porta, porém, descobrimos que o primeiro patamar é apenas o hall do Motel Papillon, que se auto-considera o melhor em seu ramo no Centro de Belo Horizonte.

Somos recebidos por Edson, Gerente de Manutenção, que abre uma outra porta – desta vez, gradeada – para que possamos conversar com Andressa, a recepcionista. Ela conta que 20 pessoas trabalham no motel, entre administração e limpeza dos 37 quartos, sendo 13 com hidromassagem e sauna, distribuídos em 3 andares.  “A suíte mais requisitada é a 307 – a Rainbow”, diz, explicando que é especial para casais homoafetivos. E se o Motel Classic se orgulha de seu ambiente familiar, sem proporcionar atrativos para além de camas e espelhos, o Papillon exibe com sucesso os brinquedos e a famosa cadeira erótica, objetos para quem deseja apimentar a estadia.

 

 

Sobre trabalhar no ramo moteleiro, Andressa já se diz acostumada. “Sentia vergonha no começo, mas agora está tudo bem”, sorri. Seu expediente é de 7h às 17h, de segunda a sexta, diferente de Edson, que chega junto, mas sai mais cedo, às 15. O gerente de manutenção é evangélico, mas não vê conflito entre a fé e a profissão. Trabalha ali desde 1995.

“Fim de semana enche mais. Mas os horários de pico respeitam o horário comercial: no horário do almoço e após o expediente costumam aparecer mais clientes”, comenta ele sobre a rotina no motel. A relação entre fé e sexo parece amena. Segundo os trabalhadores do Papillon, alguns clientes estacionam o carro na Igreja São José e seguem para o motel.

 

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Conhecemos Luana, que há 2 anos é empreendedora do setor moteleiro, no seu motel Sunflower.  É um motel simples, mas tem mais movimento do que o vizinho Love’s Day, que tem hidromassagem e sex shop. Segundo a dona, a média é de 1000 frequentadores por mês, a maioria de casais do mesmo sexo. “Para mim o melhor da região é o Papillon”, admite Luana. “Aqui é mais frequentado por amantes, garotos e garotas de programa, não costuma ter casal…”, completa, se referenciando a pessoas aparentemente casadas.

 

 

Seu pai foi o fundador do negócio que ela toca. “Na adolescência falava para as pessoas normalmente, nunca foi um problema. As pessoas sempre brincavam com isso, mas não de forma pejorativa”, conta Luana. Hoje ela emprega 14 funcionários, entre recepcionistas, camareiras, copeiras e gerência e manutenção. Na limpeza dos quartos e na cozinha o turno é de 12h por 36h.

– Há algum tipo de conflito por motivos religiosos?

– Não, todos aqui vêem o trabalho como honesto e digno.

 

Transite envia nove repórteres atrás do melhor furo

 

Ao entrar no primeiro motel, notamos o que seria uma semelhança entre eles: o cheiro. A baixa iluminação, somada ao odor acre, criam uma atmosfera própria para o local. Subindo as escadas e atravessando os portões, damos de frente com um grande vidro escuro, ainda mais opaco que o da entrada, ocupando toda a recepção.

Já no segundo motel, detrás do vidro, surge uma voz baixa, esguia e municiada de poucas palavras. A negativa é a resposta unânime, deixando de lado quaisquer outras possíveis perguntas. A única orientação era: “não tenho autorização para falar sobre, apenas o gerente, e ele não está presente. Voltem depois!”.

Na terceira e última tentativa, surge algo inesperado. Depois de realizar religiosamente todo padrão (entrar na passagem escurecida, ser recebido pelo odor anfitrião, subir as escadas e atravessar os portões), encontramos algo diferente: uma recepção que não possuía blindagem aos nossos olhos, o vidro que nos separava se mostrava tão límpido quanto ao de uma vitrine de roupa. Do outro lado, uma moça, aparentemente na faixa dos 30 anos, nos recebeu com desconfiança ao saber que não tínhamos interesse em um quarto, mas sim numa breve conversa. A partir daí, a sorte virou.

 

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No cabalístico número 1313 da rua Bernardo Guimarães, entre o edifício Coração de Jesus e a selaria Crazy Horse, há um motel revolucionário. Nascido da admiração do proprietário pelo pensador alemão, o Motel Marx é frequentado pela classe trabalhadora e se orgulha do preço baixo e fixo, mantido já há quatro anos. “Não fazemos promoção”, conta Hugo Alvarenga, o gerente do negócio. Tampouco há distinção de classe social no motel, uma vez que todas as suítes são iguais: uma cama quadrada, espelho no teto, TV e ar condicionado.

“As pessoas costumam ligar pra cá procurando o sr. Marques, como se fosse o nome do dono”, se diverte Hugo. Sorrindo, ele conta que o seu tio é o dono de tudo ali. “Ele é um admirador das ideias de Karl Marx e por isso colocou esse nome”, diz. Talvez por isso o motel tenha encarado a crise econômica sem aumentar o preço, mantendo o perfil popular, com a hora custando R$50.

 

 

Apesar dos ideais do tio, Hugo não compartilha de sua ideologia. Até reclama dos impostos pagos ao Estado. “Só do carro entrar no estacionamento já tenho que pagar pro Estado. Desse jeito não dá!”, lamenta. Segundo ele, mais de 60% do lucro do negócio nasce nos quartos do hotel e do motel.

 

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-Tá toda esportiva hoje, né!?

-Hoje eu tô…

O encontro entre repórteres e clientes, que poderia se tornar constrangedor, deu-se no tom mais amigável possível. Após a cantada que precedia o encontro, o casal que acabara de passar pelas portas gradeadas do Motel Papillon cumprimentou-nos com um sorriso e um caloroso bom dia. Ela, realmente esportiva: calça legging colorida e uma roupa decotada – o perfeito look para uma academia. Ele, com uma simples calça jeans e camiseta, aparentando ansiedade.

Alguns andares acima, outro encontro se sucedia. Um breve diálogo inaudível entre um senhor mais velho e uma mulher loira é sucedido por um selinho demorado e uma porta fechando-se lentamente, que, apesar de não ranger muito, faz lá seu barulho. Nos motéis do centro, é comum esse esbarro entre clientes nos corredores. Principalmente num motel como o Papillon, frequentado por pessoas das mais diversas idades, gêneros, classes e orientações sexuais.

– Pagando bem, que mal tem. – comenta Edson. Essa regra inclusive vale nos casos em que os quartos são ocupados por mais de duas, três ou mesmo quatro pessoas.

 

Tabela de preços do motel Papillon, um dos mais caros do centro de BH

 

 

Vale tudo entre quatro paredes?

 

Em todos motéis visitados pela Transite, a segurança era citada como uma das prioridades. Todos têm câmeras na entrada e dizem checar a identidade para evitar a entrada de menores de idade.

O vidro que separa os que trabalham na recepção dos clientes do Papillon representa um exemplo. Embora isso não seja tão usual, os funcionários relatam casos de violência e abuso no motel. Por isso eles sempre mantêm a política de liberar um cliente apenas se o seu companheiro ou a sua companheira consentir, para ter a certeza de que está tudo bem entre os dois. Edson nos comentou, sem aparente homofobia, sobre um caso em que “um viadão bateu num viadinho”.

“Todo casal briga”, sabe Silene, a gerente do Signu’s. “Mas tem a briga normal e tem a briga que às vezes a pessoa lá dentro, brigando, discutindo, e começa a quebrar as coisas. Aí você vai lá e pede para diminuir. Agora, se a pessoa te liga, pedindo ajuda ou socorro, aí já é diferente. Aí você pega, fala então: infelizmente vou ter que chamar a polícia.”

Segundo a gerente, os policiais costumam vir rápido, ao menos pela manhã. À noite, por conta do segurança particular que trabalha nesse turno, eles conseguem intervir nas confusões com mais facilidade. Já no Marx, as câmeras e o controle do estacionamento que funciona no mesmo espaço ajudam na segurança, porém não há segurança particular no múltiplo estabelecimento, que funciona 24 horas por dia. O mesmo acontece no Classic.

 

Foi bom pra você?

 

Saiba onde ficam os motéis visitados pela reportagem e conheça a opinião da clientela.

 

 

Alice Machado

Cama redonda ou quadrada? Eis a questão. 

Caroline Martins

Gabriel Araújo

Acho que nunca fui tão garanhão em minha vida.

Jayara Lima

João Paulo Alves

“Um homão forte desses…”

Marcus Teixeira

O mais duro foi fazer uma assinatura sem trocadilho… 

Thaís Costa

Pra tudo tem uma primeira vez. 

Vitória Brunini

Alguém me ajuda a tirar os trocadilhos da minha cabeça? Aliás, foi um grande prazer produzir a matéria.

Vitor Maia

Uma matéria gozada com um número razoável de trocadilhos infames.