Após as diversas tentativas para retirar os informais da universidade, agora, a situação se demonstra mais delicada do que nunca
Por Ana Magalhães*
A luta para manter os vendedores ambulantes na UFMG nunca deu trégua. Mas, agora, a situação se desenrola de forma diferente. Em meados de 2019, foi definido pela Reitoria da Universidade, por meio da Portaria N° 21, a proibição do comércio informal nas dependências dos campi. A partir disso, diretores das unidades universitárias precisaram notificar esses trabalhadores. O prazo era de 60 dias para encerrar as atividades no âmbito da UFMG. No entanto, a questão, que, na teoria, foi facilmente determinada por uma ordem administrativa, na prática, revela ser mais delicada do que nunca.
Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, assim como os estudantes, os vendedores ficaram impedidos de frequentar e, consequentemente, continuar o comércio, na UFMG, durante dois anos. A esperança era, com o retorno, poder novamente ocupar o antigo espaço e reencontrar os alunos, que tiveram sempre um carinho especial por todos eles.
A retomada, por sua vez, não ocorreu como o esperado e, desde o início do semestre deste ano, a jurisdição divulgada em 2019, se fez valer. Agora, movimentos estudantis, como o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e Diretórios Acadêmicos (DAs), mais uma vez, entram na briga pela permanência desses trabalhadores.
Não é possível estabelecer, ao certo, a quantidade e a identidade de todos os vendedores ambulantes que atuam na universidade, pois há uma dinâmica diária muito intensa nos campi. Afinal, além dos comerciantes que possuem pontos no interior das unidades, há também os que vagueiam, de um prédio a outro, oferecendo os mais diversos serviços, que incluem bijuterias, doces, salgados e produtos artesanais. É possível, somente, garantir que eles estão entre os mais de 42,7 milhões de brasileiros que trabalham na informalidade e, evidentemente, sem carteira assinada.
Laços tecidos há anos
Mesmo com a grande quantidade de vendedores em outras dependências da UFMG, a apuração desta reportagem buscou investigar como o processo está se desenrolando no prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). No entanto, a ordem estabelecida pela Reitoria se estendeu para todas as unidades, incluindo o Instituto de Ciência Biológicas (ICB) e o Instituto de Ciências Exatas (Icex), que também abrigavam comerciantes informais.
Na Fafich, a presença de Márcia Brito, de alcunha “Márcia pão d’alegria” e Márcia Viana, conhecida como “Marcinha das balas” é notável. As duas trabalhavam no terceiro andar do prédio há um bom tempo, 22 e 27 anos, respectivamente. Tanto tempo que ambas fazem parte da identidade do lugar, principalmente, o famoso pão d’alegria, especialidade para os estudantes dos cursos de humanas.
Márcia Brito, 50, oferece, na UFMG, uma grande variedade de pães, incluindo o pão d’alegria. Tudo começou após seu divórcio, pois, como estava grávida e tinha um filho pequeno, precisou retornar para casa dos pais. Anteriormente, a comerciante trabalhava com pesquisa de opinião pública, mas, por conta da gravidez, ficou inviável continuar o serviço, principalmente as viagens a trabalho.
Ela conta que a iniciativa para começar a comercializar na UFMG surgiu após vender pães nas ruas.
“Meu pai é padeiro há mais de 60 anos. Na época, disse a ele para podermos vender os pães nas ruas, no intuito de aumentar a nossa renda. Eu andava muito todos os dias”, disse.
No entanto, uma amiga da vendedora ambulante sugeriu que ela fizesse sanduíches naturais e oferecesse nas faculdades.
“Ela me contou ter uma colega que estava comercializando sanduíches para poder ajudar a pagar os estudos. Cheguei a ficar um pouco insegura, mas como é um produto rápido e serve para lanches, o fluxo de vendas seria maior. A partir disso, meu pai começou a fabricar pães de batata e integrais”, contou.
Márcia já conhecia a Fafich — seu ex-marido estudou lá — e se aproveitou disso para saber se poderia vender seus produtos no espaço.
“Na época, não podia comercializar no saguão do terceiro andar, segundo orientações da segurança. Porém, os alunos do Centro de Estudo da Filosofia (CEF), o atual Kafka, me acolheram e disseram que eu poderia ficar lá. Fiquei muito grata, e também percebi que faltavam opções de alimentação para os alunos, sobretudo para os veganos e vegetarianos”, disse.
Depois disso, a padeira conta que foi necessário muito esforço e trabalho pesado, pois seu pai adoeceu.
“O tempo para fazer um pão é muito demorado, tem alguns que levam até 12 horas. Além disso, meu pai desenvolveu artrose e ficou impedido de assumir a fabricação dos pães. Cheguei a tentar com alguns familiares, mas não teve outro jeito, e precisei aprender. O grande problema era que eu também estava responsável pelo resto do processo, então foi muito exaustivo. Já cheguei a trabalhar por mais de 18 horas”, afirmou.
Com a doença do pai, a situação se complicou e, desse modo, Márcia pensou em criar outros produtos mais simples que substituíssem o sanduíche, pois o sucesso na UFMG era iminente.
“Para piorar eu moro muito longe, no Parque Industrial, então, além de dormir mal, precisava fazer um longo percurso, feito, exclusivamente, por transporte coletivo. Tentei, por muito tempo, tirar o foco do sanduíche com várias opções, então comecei a levar outros produtos. E isso nem foi para ‘crescer’ a empresa, mas para poder descansar. Eu dormia em qualquer local, até em jogo do Cruzeiro e Atlético, no Mineirão, eu já dormi”, relembrou.
Mesmo estando esgotada e sendo ameaçada de ser retirada do prédio, a vendedora afirma que precisava muito continuar as vendas, pois, além de ajudar no sustento de sua família, também recebia muito carinho dos alunos que gostavam de seus produtos.
“Eu já tive retornos incríveis, e isso, para mim, é o mais gratificante. Receber tantos elogios e afeto é algo muito especial. Uma estudante me disse que meu pão era de ‘comer rezando’, eu nem acreditei. Fico muito grata por tanto acolhimento”, se emocionou ao lembrar.
Esse sucesso todo rendeu outros pontos de venda pelo campus da Pampulha, como o ICB e a Faculdade de Ciência Econômicas (Face), e, até mesmo, nas cantinas, o que foi muito positivo para a padeira, que, naquele tempo, assumiu as prestações do financiamento da sua casa.
“Eu precisava arcar com essa responsabilidade. O trabalho era enorme, mas sempre tive ajuda dos meus familiares e da minha amiga Elaine, a mesma que me sugeriu a fazer sanduíches. Vários alunos nos confundem, já que ela assumia as vendas, enquanto eu estava fabricando os pães. O Sr. João, dono da cantina do prédio de Ciências Econômicas, que se tornou um amigo, também permitiu que eu colocasse o pão d’alegria lá. Depois disso, consegui expor em outros restaurantes”, completou.
A instabilidade e as ameaças das diretorias em proibir o trabalho, fizeram com que Márcia desenvolvesse um cansaço mental e emocional.
“Tentei sair várias vezes da informalidade, buscando licitações em feiras para poder desenvolver minhas vendas. No entanto, a saída, fora do público universitário, é muito baixa. Não adianta fazer diversos produtos e só vender seis ou oito”, contou.
Além disso, oferecer em padarias é delicado, por conta da validade dos produtos. “O único que me permite isso é o pão d’alegria, pois dura por 14 dias. Esse foi um verdadeiro presente de Deus na minha vida”, afirmou a vendedora.
Com isso, hoje, ainda que muito grata por tudo que os alunos fizeram, ela passou o ponto de venda, na Fafich, para os filhos assumirem a responsabilidade.
“Em alguns momentos eu não estive presente na luta, pois estava mexendo na fabricação dos pães. Porém, sempre estive de coração, e pedia para alguém ir me representar, como a Elaine. Essas ameaças mexem muito com feridas emocionais que eu não gosto de lembrar. Busco ressignificar tudo isso, pois, além do apoio e agradecimento que eu recebo dos estudantes, dos DAs e CAs, principalmente do CAPsi, é também de onde tiro o meu sustento”, disse.
Márcia costuma, toda segunda e quarta-feira, levar os pães d’alegria para as cantinas universitárias, mas o lucro ainda é baixo.
“Hoje, também tenho ajuda dos meus dois filhos e familiares. Também exponho os pães em um galpão da minha casa, porém, como eu disse, o nosso público alvo são os universitários. Toda essa situação e os quatro meses de férias letivas, que faziam cair as vendas, impediram que eu saísse da informalidade. Afinal, era a única forma de conquistar o pão de cada dia”, afirmou.
“Márcia das balinhas”
De todos os vendedores, Márcia Viana, 60, é uma das maiores preocupações do movimento estudantil, justamente por não haver nenhum outro lugar em que ela possa comercializar seus produtos, que incluem balas, chicletes, chocolates, salgadinhos e biscoitos. Márcia depende, exclusivamente, das vendas da universidade para tirar o seu sustento e do filho doente. Além das contas obrigatórias, como cobranças de luz e água, ela precisa arcar com altos valores na compra de remédios.
A vendedora concedeu entrevista na quarta-feira (11/5), durante o boicote dos comerciantes ambulantes na UFMG, organizado pelo DA do prédio de Filosofia, em resposta à proibição das vendas informais pela Reitoria. Enquanto eram feitas as perguntas, pessoas de diversos cursos não paravam de chegar e solicitar algum produto e, até mesmo, prestar solidariedade. Uma delas foi um ex-aluno da universidade e, agora, professor. Enquanto estudante, Marcos, era um dos integrantes da chapa “Sodoma .I. Gomorra”, de 2002, responsável por lutar, diversas vezes, pela permanência de Márcia no local.
A vendedora contou que iniciou suas atividades em 1997, após ser demitida. Na época, ela atuava na cantina da Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump), na própria Fafich. Mas com o fechamento das lanchonetes, que foram proibidas por se tratar um órgão governamental — isso significa, em linhas gerais, que a instituição teria que retornar o imposto para o governo, sendo, portanto, inviável —, ela precisou buscar um novo emprego.
“Minha ex-chefe, naquele instante, ironicamente, por conta de alguns problemas que tivemos, insinuou que, com o fechamento das cantinas, eu poderia vender balas. Respondi que era uma ótima ideia, até porque eu não tenho problema em atuar em nenhum serviço, desde que seja honesto”, explicou.
Para piorar, Márcia estava de licença médica devido um problema no braço esquerdo, o que impediu o acerto por mais de dois anos.
“Enquanto isso, passei por muitas dificuldades, pois sou mãe solteira e estava com crianças pequenas. Cheguei a tentar vender cerveja no carnaval de 97, mas, ao contrário dos dias de hoje, o movimento era bem fraco. Em um dos dias da festividade, a polícia conduziu uma ação muito violenta e, como eu estava com meus dois filhos, acabei deixando a mercadoria para trás”, afirmou.
Depois disso, ela explica que retornou à UFMG, na expectativa de conseguir uma saída. “Conversei com o professor Wellington, gerente predial da Fafich, e ele permitiu que eu começasse a vender no local. Consegui uma tábua de madeira e comprei algumas balas em uma loja de festas. Eu nem tinha o dinheiro e, por isso, ofereci um cheque sem fundos. A proprietária do comércio me deu um voto de confiança e, após algumas vendas, consegui cobri-lo”, falou.
A partir disso, a vendedora foi adquirindo a confiança e a afeição dos estudantes e, até a pandemia, não parou mais. Ao longo desses 27 anos, ela assegura que, poucas vezes, conseguiu se manter tranquila na Fafich, pois, em alguns momentos, as gestões da diretoria tentavam proibir o comércio.
“Os alunos já chegaram a abraçar o meu carrinho, para não deixar os seguranças me tirarem daqui. Em uma das ocasiões, um dos ex-diretores criou um mural espalhando várias informações falsas sobre mim. Todo dia tinha alguma coisa, podia olhar lá e ver. Em resposta, o movimento estudantil criou outro mural e colocou ao lado desse, desmentindo todas as informações da diretoria”, relembrou.
No entanto, a comerciante nunca ficou tanto tempo impedida de retomar o seu trabalho. Quando questionada sobre o futuro, caso não possa voltar, ela não consegue conter as lágrimas.
“Eu desenvolvi muitos problemas de saúde, como diabete, depressão, pressão alta e isquemia, por causa dessa situação, que se estendeu ao longo dos anos. Se eu estou nessa luta e passando por tudo isso é porque eu preciso. Eu não sei o que será de mim e do meu filho, que também tem várias doenças, caso a proibição continue em vigor. Eu só quero trabalhar de forma honesta e em paz, é só isso que eu quero”, falou.
Nesse meio tempo, Márcia também precisou lidar com a morte do filho, em 2000, vítima de um câncer na garganta, e o assassinato do neto, em 2018, durante uma ação policial. “Foram perdas muito grandes na minha vida. Este meu filho, o Álvaro, sempre foi meu amigo e me apoiou em vários momentos. Já meu neto foi morto por conta da violência da polícia. Após o assassinato dele, ainda tive que lidar com as injúrias que circularam nas redes sociais. O João sempre foi um menino tranquilo e sei disso melhor que ninguém, pois ele foi criado por mim”, disse bastante emocionada.
Marinela Herrera
Marinela Herrera, 52, é vendedora de acessórios artesanais há 20 anos na UFMG. A comerciante, que é peruana, começou expondo os seus produtos no ICB, quando estava grávida de seis meses.
“Lá também havia um artesão que costumava comercializar suas artes. Ele me disse que, diante da minha condição e conversando com a diretoria, eu também poderia aproveitar o espaço. Desenvolvi o trabalho durante três meses, até o meu filho nascer”, contou.
Após o nascimento, a artesã só retornou à universidade dois anos depois e solicitou novos locais para poder continuar suas vendas.
“Coloquei meu filho numa escola integral, para dar sequência ao meu trabalho na UFMG. Consegui participar de diversos eventos acadêmicos e culturais pelo campus, sempre muito bem recepcionada por alunos, DA’s e professores”, afirmou.
Porém, assim como os outros vendedores informais, Marinela passou por diversas situações que a proibiram de permanecer no local.
“Algumas vezes, na Praça de Serviços ou em outros espaços, quando eu queria trabalhar de forma independente, sem precisar de algum evento universitário, os seguranças da UFMG me barraram e chegaram a ameaçar tomar meus produtos. Nesses casos, não tinha outra alternativa, voltava para casa”, explicou.
De acordo com ela, ao longo desses anos, grande parte da sua renda depende das exposições na universidade, já que não possui uma loja ou lugar fixo de comercialização. Marinela, fora do campus, também comercializa em feiras e eventos espontâneos, porém afirma que, ainda assim, é insuficiente para se sustentar.
“Durante a pandemia, minha situação piorou, pois, ficou inviável poder desenvolver o meu serviço, assim como muitas pessoas. Passei dois anos me virando de outras formas e recebendo a ajuda de alguns amigos. Foi muito difícil, mas, pelo menos, consegui manter as contas mais básicas”, contou.
Marinela ressalta que precisa acessar o campus e não enxerga os motivos de proibir a permanência dos vendedores ambulantes.
“Todos gostam muito do meu trabalho, é muito frustrante ter que vivenciar essa situação. Como mulher imigrante, meus produtos carregam a minha identidade cultural, então isso enriquece a convivência na UFMG. Também estou promovendo cultura com os meus artesanatos”, falou.
Movimentos estudantis fazem ações para manter os vendedores
Com o objetivo de auxiliar os vendedores ambulantes, o DA do prédio de Filosofia, em parceria com o DCE, está criando várias soluções para a permanência desses trabalhadores que necessitam da Universidade para adquirir a sua renda. Segundo Mariana Rufino, estudante de História e integrante da atual chapa do DA e do DCE, uma das principais medidas adotadas é mobilizar os estudantes que não estão engajados em nenhum movimento estudantil.
“Estamos passando em salas denunciando a situação dos ambulantes, não só da Fafich, mas de todo o campus. Por isso, na terça-feira (3/05) fizemos a Assembleia para mobilizar os estudantes que não estão ligados a algum movimento ou centros acadêmicos. O intuito é fazer com que eles possam somar nessa luta”, disse.
A Assembleia, primeira reunião presencial com os demais alunos após a pandemia, organizada pelas frentes estudantis, além de discutir sobre a permanência dos informais, também levantou a pauta das catracas, recém-instaladas no prédio de Filosofia, e também a legitimidade da representação e fechamento do Centro Acadêmico de Psicologia (CAPsi), questão cara aos estudantes.
Mesmo com a proibição dos ambulantes, o CAPsi permitiu que os filhos da Márcia Brito continuassem suas vendas no espaço. Com isso, os atuais diretores da Fafich, Bruno Reis e Thais Porlan, enviaram um e-mail afirmando que não iriam reconhecer a legitimidade da gestão eleita. Além disso, todos os envolvidos seriam notificados judicialmente, incluindo os comerciantes. Nessa segunda-feira (16), ocorrerá a reunião da congregação da Fafich, que decidirá as penalidades contra o CA, com a ameaça de aprovarem o fechamento da sala.
“Isso é um ataque a todo o movimento estudantil e a todos que acreditam numa universidade pública popularizada e aberta. Não vão intimidar o movimento estudantil”, afirmou a gestão do CAPsi, por meio das redes sociais.
Após as movimentações da Assembleia e o recolhimento de assinaturas para o abaixo-assinado — que, atualmente, possui vários apoiadores, não sendo possível dizer ao certo a quantidade, pois o documento está espalhado pelo prédio —, foi feita, na quarta (11/5), a feirinha de boicote na Fafich, com os vendedores ambulantes, onde a reportagem conseguiu entrevistar Márcia Viana.
“Debatemos no Conselho de Entidade de Base a possibilidade de tornar essa feirinha itinerante, passando pelas unidades universitárias, pois a diretoria da Fafich informou que não vai permitir que seja algo frequente no prédio. Nosso intuito é fortalecer os ambulantes tanto financeiramente quanto na luta. Durante o boicote, que ocorreu de 9h às 19h, pudemos conversar com os alunos e eles também falaram com os comerciantes. Enfim, buscamos trazer aliados”, explica Mariana.
A maior aposta do DA e do DCE, por sua vez, está ligada ao setor jurídico, com a fundação da Associação dos Vendedoras Ambulantes e Autônomos da UFMG (AVAAU) — entrave estabelecido pela reitoria —, que foi inaugurada em uma assembleia, na sexta-feira (20/5), na Praça de Serviços.
“Quem está responsável é a nossa equipe jurídica. Entendemos que essa situação é um passo importante para a luta política na universidade, afinal, vemos essa situação como algo político. É um passo muito importante para que, a partir disso, a UFMG comece estabelecer diálogo com esses trabalhadores”, completou a representante do DA e DCE.
Segundo Mariana, mesmo com esse apoio jurídico, não há uma certeza em relação a qual será o posicionamento da reitoria sobre a permanência dos ambulantes, sobretudo, pela situação ser muito burocrática.
“Estamos tentando colocá-los em feiras também. No dia 23 deste mês terá um evento do curso de história, e os comerciantes já estão garantidos. Estamos recebendo uma resposta muito positiva deles, estão expressando muita gratidão ao movimento estudantil, por estarem encabeçando essa luta, aos alunos, docentes e técnicos em geral. Por conta disso, vemos a mobilização sendo vitoriosa”, falou.
Por fim, questionada sobre a resposta dos órgãos administrativos da UFMG, a estudante de História garantiu que, até o instante, não recebeu nenhum (nem positivo, nem negativo). “A Reitotia não emitiu nenhuma resposta formal. Não houve nenhum comportamento de represália contra as nossas ações, o que, para mim, é o mínimo que as diretorias e as instâncias devem assumir, não reprimir o movimento estudantil. Mas, também não estamos tendo nenhum posicionamento positivo, no sentido de enxergar esses órgãos quererem estabelecer um diálogo”, contou.
Alunos se manifestam
Alunos da UFMG também se manifestaram e deram a sua opinião sobre as ordens estabelecidas pela instituição. Para eles, não há justificativa plausível, ao proibir os ambulantes de continuarem na universidade, principalmente, porque eles acabam ajudando a complementar a alimentação no cotidiano.
Para Henrique, 29, aluno do 7º período de Letras, a decisão da Reitoria é muito triste e revoltante, pois é importante que os estudantes tenham opções, principalmente, com custos baixos. “Os valores nas cantinas estão cada vez mais abusivos. Os outros prédios estão sem lanchonetes e os alunos estão vindo lanchar na Fale, o que está causando filas enormes. Esse assunto é controverso há muito tempo, bem antes da pandemia, e eu penso que é uma forma desses restaurantes, com a licitação, manter o monopólio”, contou.
Já Alberto Favato, 21, do 7º período do curso de Publicidade e Propaganda, afirma que essa proibição vem de uma regra da UFMG, e, dentro desse processo, está sendo seguida. Entretanto, ele discorda dela, já que é importante que a ordem seja debatida com os alunos e vendedores, os principais afetados. Além disso, a instituição pode controlar o que será vendido.
“Os comerciantes precisam dessa renda, e não necessita ser algo fora do controle. A universidade pode registrar e averiguar o que está sendo vendido, como já é feito com os vendedores de acessórios artesanais nos prédios e feiras. Além disso, a UFMG também não está cumprindo o seu dever, que é manter as cantinas funcionando. Aqui perto, temos somente a da Fale, que tem poucas opções, principalmente para o público vegetariano”, disse.
Larissa, 24, estudante do 8º período de História, ressalta que a medida é ruim para todos que convivem na UFMG. “As cantinas são extremamente inacessíveis, os lanches são caros e as filas são imensas. Por isso, é impossível lanchar em 20 minutos de intervalo”, falou.
Ela ainda assegura não haver concorrência, de fato, entre os vendedores ambulantes e as lanchonetes. “São vendas e públicos completamente diferentes. Quem vai comprar balinha, pipoca e chocolates, por exemplo, vai comprar isso e pronto”, garante.
De acordo com Pedro, 25, aluno do 9º período de História, a causa vai além das vendas.
“Como moro na Moradia, costumava vir fazer minhas alimentações aqui. Além de comprar com os comerciantes ambulantes, sempre tivemos uma troca social muito boa, principalmente com a ‘Márcia das balas’ e a Elaine”, afirma.
Ele conta que os vendedores informais são fundamentais na diversificação de produtos.
“Não julgo que existe uma concorrência direta com as cantinas, até, porque, a ‘Márcia pão d’alegria’ vendia produtos completamente diferentes, como chá. Além disso, essa relação coexistiu por muito tempo, e as lanchonetes não deixaram de estar lotadas”, afirmou.
O aluno de História também entende que a proibição é algo que se estende há vários anos.
“Não é a primeira vez que a instituição toma essa posição e, por isso, esses trabalhadores sempre contaram com a solidariedade e mobilização dos alunos. Essa medida vem da iniciativa de cercear a universidade e criar mecanismos para inviabilizar o convívio social. Estamos em um prédio de Ciências Humanas e estudamos sobre pessoas que não estão aqui, e as duas Márcias, por exemplo, são um elo com o mundo lá fora, já que o ambiente acadêmico é muito imersivo”, explicou.
Pedro de Souza, 23, do 5º período de Jornalismo, mesmo estabelecendo pouco contato com os vendedores ambulantes, por conta da pandemia, é a favor do comércio informal na universidade.
“Comprei o meu primeiro isqueiro em BH, com a “Márcia das balas”. Tenho ele guardado até hoje”, relembrou.
Segundo ele, a diretoria está sendo bastante contraditória.
“A Márcia, por exemplo, ficou impedida de retornar e buscar suas coisas, além disso, os órgãos institucionais esquecem que estamos voltando à normalidade depois da pandemia, e estão impedindo que essas pessoas também retomem”, completou.
Mas, afinal, o que está mesmo em jogo?
A reportagem conversou com o atual diretor da Fafich, Bruno Reis, a fim de compreender os impasses estabelecidos pela reitoria, que impossibilitam o comércio ambulante. Ele afirma que o principal fator está associado ao espaço, sobretudo, após ser questionado sobre as providências que a UFMG tomaria em relação aos alunos que costumam vender variados produtos, no intuito de somar a renda e, até mesmo, ajudar no transporte. Afinal, ficaria inviável estabelecer essa fiscalização.
“A instituição não tem a menor ambição em coibir isso. O que a reitoria não pode consentir é ter um ponto fixo de vendas e fingir que não está vendo. Então, por exemplo, se alguém chegar e dizer ‘olha, eu faço bombons e vendo para alguns colegas na sala de aula’, ninguém vai impedir isso. Não é sobre isso que se trata o problema. Há uma diferença se a pessoa está sempre no mesmo local, estabelecendo uma relação de apropriação do espaço”, explicou.
Pensando nisso, há uma questão relacionada à legalidade, já que “é uma apropriação privada e não autorizada do espaço do patrimônio público”, completou Bruno.
Ainda que a condição desses vendedores sejam delicadas, sobretudo da Márcia Viana, ele ressalta que não é possível consentir, desde que haja procedimentos que regulam e torne isso público, ou seja, ofereça oportunidade para outras pessoas.
Além disso, de acordo com o diretor, a situação está associada ao controle de pessoas que visitam as instalações da Universidade, o que também justifica a instalação das catracas.
“Após o escândalo do tráfico de drogas na Fafich, a Reitoria entende a necessidade de controlar o acesso. Isso não quer dizer que vão coibir a entrada das pessoas, mas sim que todos terão que prestar algum documento de identificação, seja a carteira da UFMG ou identidade. Até a Sandra, reitora, caso queira acessar o prédio, precisará de identificação”, contou.
Essa situação também se estendeu aos vendedores ambulantes ou qualquer pessoa que estivesse com o regime de contratação precário.
“Foram emitidos vários avisos, para que os diretores atuassem. Tentei adiar, ao máximo, a notificação oficial às Márcias, mas não teve outro jeito. Mais do que oferecer mecanismos para atuar, a reitoria fez com que cumpríssemos a ordem”, contou.
Ainda que já tenham ocorrido congregações que permitissem a permanência desses comerciantes, segundo o diretor da Fafich, não foram, de fato, legítimas e, por isso, não os resguardam.
“Muitas coisas passam despercebidas, há uma ‘vista grossa’, como aconteceu nesses casos. No entanto, diante dos acontecimentos, a medida da instituição, respaldada na lei, deve ser sustentada e exige que a condição desses vendedores seja regulamentada, até mesmo pelos direitos deles. O trabalho informal não os protege de uma série fatores”, comentou.
Nesta situação, há também um caso curioso. Ao contrário das vendedoras ambulantes da Fafich, que foram notificadas com a emissão da Portaria, o Sr. Helvécio, comerciante de livros também no prédio, não recebeu o informe oficial. De acordo com Bruno, a situação dele difere, pois, o vendedor presta serviço gratuito no conserto de livros na biblioteca do prédio de Filosofia.
“Ele faz encadernações muito melhores comparado àquelas que costumamos contratar. Isso está formalizado em um documento deixado pelo ex-diretor da Fafich, em 2003, João Pinto Furtado. Apesar desse documento não ser suficiente, tenho andado devagar. Explorei com as duas Márcias as possibilidades, no segundo semestre de 2019, e tive que fazer a notificação. No início de 2020, comecei a me ocupar com o Helvécio, mas aí veio a pandemia”, afirmou.
O vendedor, até o fechamento desta reportagem, permaneceu com o sebo na edificação, e a diretoria busca resolver o problema dele. Helvécio, por meio de uma carta, afirmou que o seu trabalho é sem fins lucrativos, e com o intuito de promover ações culturais na instituição.
A definição do caso será feita em uma reunião nas próximas semanas, conforme Bruno, que alegou estar pessimista, mesmo que o vendedor preste uma “contribuição valiosíssima à biblioteca”.
“Eu busquei orientações, informalmente, na procuradoria, sobre uma licitação para o Helvécio, o que, de acordo com ela, seria possível um acerto dessa natureza, com o pagamento em serviço, ao invés de aluguel. No entanto, seria preciso mensurar o valor do espaço, para calcular a quantidade de encadernações, e abrir um edital, a fim de pleitear outros concorrentes”, explicou.
Sobre a questão da falta de cantinas, o diretor da Fafich explica que foi necessário rescindir o contrato, por conta dos estragos financeiros causados pela pandemia.
“A UFMG está tentando resolver a situação e, provavelmente, até agosto já estará regulada, pois, abrirá novas licitações. Durante o isolamento, as lanchonetes quebraram, já que perderam o investimento, do início de 2020, e, consequentemente, a renda. Além disso, elas fizeram um empréstimo, em 2021, para reabrir, acreditando que as aulas iriam retornar, o que não ocorreu”, afirmou.
Com objetivo de não causar novos transtornos, a instituição aceitou a quebra do acordo, sem cobrar nenhuma multa, para não prejudicar os donos, assim como ocorreu com outros espaços, como a Livraria Quixote. Para as que estão funcionando permanecerem no campus, foram feitos vários sacrifícios, concessões e flexibilizações pela Reitoria, para viabilizar a abertura.
“Em outubro do ano passado, várias cantinas informaram que não poderiam reabrir, foi um desastre. A única cantina disponível, a da Fale, abriu com o retorno das aulas, no dia 28 de março. Mas, até às 11h da sexta (25/3), não tínhamos a confirmação da abertura. Então quase não teríamos nenhuma lanchonete funcionando aqui perto, o que seria uma calamidade e completamente inviável”, disse.
Sobre o caso do fechamento do CAPsi, Bruno ressalta que precisou notificar não só a organização estudantil, mas também a reitoria sobre os acontecimentos.
“Mandei e-mail perguntando aos responsáveis se estavam mantendo as vendas dentro do CA. Não ficamos fiscalizando, mas sempre tem uma conversa ou outra que acaba revelando. Eles me responderam e pediram para vir até a diretoria conversar comigo, foi aí que a gestão confirmou”, contou.
Ele também explica que foi obrigado a notificar à Reitoria que a atual chapa do Capsi já encerrou o mandato.
“A gestão do CA é a mesma desde 2019, não teve eleições em 2020 e 2021. O mandato está vencido, e, por isso, ele vem de antes da resolução que disciplina o termo de condição do uso da sala. Logo, a gestão não tem um termo formal que legitima a utilização do espaço, como a norma em vigor atualmente exige, já que é de dezembro de 2019”, explicou.
O diretor da Fafich acredita que a situação dos ambulantes é irreversível.
“Excluindo a preocupação com a Márcia Viana, que tem a condição mais vulnerável, olhando para os papéis na minha mesa, eu vejo a situação como vencida. Com o episódio do CAPsi, eu percebi, de forma clara, que as diretorias estão dotadas, se quiserem agir, de todos os elementos que precisam e, caso não queira, em boa medida, elas estão obrigadas a tomar providências já acertadas diante da reitoria”, contou.
Bruno também elogia a atual reitora da Universidade, que, segundo ele, atua de modo eficiente para os interesses da instituição.
“Pelo bem ou mal, a Sandra é uma excelente reitora e muito eficaz na ação, pensando no objetivo final. Ela se organiza e toma providências, de modo a criar um ambiente institucional normativo, regulatório e legal, que induz a administração inteira na direção que a reitoria julga necessária”, afirmou.
Sobre a Associação dos vendedores mobilizada pelos estudantes, o diretor afirma que não está muito inteirado do assunto, mas sabe que era essa a condição para a reitoria estabelecer um diálogo com os comerciantes.
“Vejo que a porta não foi completamente fechada, e talvez tenha uma solução boa para todos. Mas vejo esse espaço da porta como um pequeno feixe de luz”, ponderou.
Sem desfecho
Diante do exposto, é evidente que a temática bem mais complicada do que parece. O principal objetivo não foi trazer um desfecho para o problema — até mesmo porque ainda não foi de fato resolvido —, mas entender os desdobramentos do caso, o que, sobretudo, incluiu ouvir os envolvidos.
Assim como a realidade fora do campus, há também relações que se estabelecem no âmbito acadêmico, como um microcosmo. Além disso, é importante entender como a Universidade, que discute e realiza várias pesquisas em torno do trabalho informal e, até mesmo, sua precariedade, lida com isso, na prática. A pergunta que fica é: o que será feito dessas pessoas que dependem da UFMG para sobreviver?
Até o fechamento desta reportagem não houve nenhuma resposta da reitora, Sandra Goulart, e do vice-reitor, Alessandro Fernandes, sobre os próximos passos e o que pretendem fazer, para além da proibição, na conjuntura dos vendedores ambulantes.
*Ana Magalhães – “Apesar da vontade, não consegui comer o sanduíche de frango, vendido pela Márcia Brito” | |